CAPÍTULO 3 - Enquanto o Perigo Vai e Vem

 

Uma semana se passara. Harry continuava em Grimmauld Place. Já se acostumara ao silêncio, à solidão, ao caráter soturno do local. Havia uma reunião da Ordem marcada para a manhã daquele dia. Dumbledore marcara a reunião para as 6 horas. Harry não costumava acordar tão cedo. Mas ele não precisava recepcionar os membros da Ordem. Nunca pensara em cumprir esse papel. Ele apenas cedia a casa para os encontros, nada mais. Na verdade, não tinha muita vontade de conversar com ninguém.

Eram 8 horas quando Harry acordou e resolveu descer à cozinha para tomar seu chá. Como as reuniões eram na cozinha, teria de interrompê-los. Será que eles iriam parar de falar quando ele entrasse? Aquilo o irritava extremamente: que fosse ele o destinado a derrotar Voldemort, mas que não o deixassem participar das reuniões por ser muito jovem.

Ao entrar na cozinha, no entanto, encontrou apenas Mundungus Fletcher.

- Mundungus? Onde estão os outros? A reunião já acabou?

- Harry, eu tô aqui só pra avisá 'ocê. Snape num vortô da reunião dos Det' Eata.

Harry gelou.

- Como assim, não voltou?

- Ele ia saí de lá e vortá pra Hóguats ou vi' direto pra cá, assim, conforme a hora. Mas ninguém tem nutiça dele inté agora. Isso nunca aconteceu. Dividimu o pessoá em grupo pra percurá ele em tudo o que é lugá, Dumbadó vortô pra Hóguats pra comandá as busca.

- Mas não se sabe onde era essa reunião?

- Não. Os Det' Eata têm um monte de ponto de inconto. Quanu percisa, eles divide as célula e ninguém sabe pronde vai cada uma. Snape já conseguiu mapiá uns desses ponto, mas naum assim, tudinho, né? Eles usa uns feitiçu di proteção, assim qui nem o Fidélio, sacumé.

Harry cruzou os braços diante do corpo, tentando manter-se lúcido.

- Quero ajudar a encontrá-lo! Para onde eu poderia ir?

- Harry, 'ocê num deve di s'invorvê nisso naum, é muito perigoso.

- NÃO QUERO SER UM INÚTIL! VOCÊS QUEREM FAZER COMIGO O MESMO QUE FIZERAM COM MEUS PAIS? O MESMO QUE FIZERAM COM SIRIUS? ME DEIXAR FORA DO JOGO ATÉ QUE EU PERCA O CONTROLE? OU ATÉ QUE EU SEJA MORTO SEM PODER REAGIR?

- Carma, Harry. Eu num sei pronde 'ocê podia i'. As pessoa num me fala essas coisa importante não.

- Então eu vou falar com Dumbledore. Você tem floo-powder?

Com uma expressão preocupada, Mundungus revirou o bolso, retirou um pacotinho e entregou a Harry, que jogou o floo-powder na lareira:

- Escritório do Diretor de Hogwarts!

A cabeça de Harry viajou por entre as chamas cor de esmeralda até o escritório do Diretor.

- Oh, olá, Harry. Alguma notícia de Severus?

- Não, Diretor. Por favor, eu gostaria de ajudar nas buscas.

- Harry, isto não seria prudente. Você não tem autorização para usar de magia nas férias. Mas não se preocupe: todos os locais de que tínhamos alguma indicação já foram cobertos.

- Diretor, não quero ficar aqui parado!

- Você pode ficar centralizando as informações aí em Grimmauld Place. Libere Mundungus para que ele possa fazer o périplo dos bares, como ele sabe fazer tão bem. Às vezes rodando de bar em bar Mundungus reúne informações que nenhum espião de qualidade consegue reunir.

Furioso, Harry retirou a cabeça do fogo sem se despedir do diretor e retornou a Grimmauld Place. Então ele só servia para isso. Para ficar no lugar de um malandro beberrão para que ele pudesse bancar o espião.

Depois de liberar Mundungus, que lhe passou outros pacotinhos de floo powder, Harry ficou andando pela casa. Não tomara seu chá nem comera nada, mas não conseguia pensar em se sentar em uma mesa e comer enquanto Snape podia estar sendo torturado. Ou morto. Um calafrio percorreu-lhe o corpo.

Se acreditasse em um Deus, ou em deuses... rezaria. Que idiotice. Magos não rezam. Até aquele momento, ele nunca refletira sobre nada disso. Nunca sentira necessidade de rezar. Na verdade, nunca sentira nada mais profundo por ninguém. Seus pais com certeza o tinham amado, mas ele não os conhecera. Gostava de seus amigos, mas... A verdade é que nunca tivera nenhum sentimento mais profundo por eles. E vice-versa, pensou Harry, não sem uma pitada de amargura. Bem, talvez eles tivessem sido bons companheiros, ou até mesmo bons amigos, quando eram mais novos. No entanto, desde o ano anterior, seus caminhos haviam começado a se separar. Ron passara o ano todo preocupado só com seus problemas de Quidditch; Hermione era sempre ávida por dar sua opinião a respeito de tudo e organizar as ações, mas nunca demonstrara real interesse pelos problemas de Harry, nunca demonstrara um verdadeiro afeto. Nem Ron nem Hermione haviam tentado confortá-lo após a morte de Sirius e, sendo sincero consigo mesmo, Harry precisava admitir que, na verdade, não quisera que o confortassem. Era verdade, jamais amara a ninguém, nem mesmo a Sirius. Pelo menos até... até Sirius morrer. Somente quando Sirius morrera, Harry começara a amá-lo... Não era estranho? Não era horrível? Era como se Harry só conseguisse amar os mortos. E Snape... Oh, não. Ele mesmo não entendia o que estava sentindo, mas estava certo de uma coisa: não podia perder Snape. Não agora!

Harry foi até o bar da sala e serviu-se de um copo de Firewhisky. Nunca havia tomado nada mais forte do que Butterbeer, mas parecia um bom momento para experimentar. Durante cerca de uma hora, andou de um lado para o outro pela casa, de copo na mão. A cada minuto, o desespero aumentava. Ninguém dava nenhuma notícia.

Aos poucos, o Firewhisky chegava-lhe às veias, entorpecendo-o. Sentou-se em uma poltrona, recostou a cabeça. Mais uma vez, um rosto pálido surgia em seus sonhos, mas agora não era mais Sirius. Era Snape. Harry estremeceu. Não, você não pode sumir atrás do véu também!

Um súbito ruído o sobressaltou, despertando-o. Sentiu uma presença atrás de si. Algo sutil, mas perceptível. Voltou-se lentamente e deu com Snape, com alguns cortes no rosto, roupas enlameadas e expressão abatida.

Um sorriso radiante estampou-se no rosto de Harry antes de se lançar na direção do professor. Snape, surpreso, recuou um pouco. Ao vê-lo recuar, Harry hesitou e, em vez de se jogar em seus braços, como parecia ter sido o seu ímpeto inicial, apenas segurou-os com força, logo abaixo do ombro.

Snape o encarou de olhos arregalados. Por um instante, eles ficaram imóveis e em silêncio. Enfim, Harry o largou, ainda sorrindo.

- Vou avisar Dumbledore que você chegou, para que ele possa avisar os outros.

- A reunião já acabou? Ah, sim, já deve ser bem tarde, não é? Perdi a noção do tempo.

- Todos foram procurar você.

- Mesmo? Um bando de incompetentes, então.

Harry meneou a cabeça.

- Vamos avisar Dumbledore.

Os dois seguiram para a cozinha e jogaram Floo powder na lareira.

Albus respirou aliviado ao saber que Snape estava bem.

- O que aconteceu, Severus?

- Os Aurors deram uma batida na minha célula. Os Death Eaters revidaram e houve uma batalha. Os Aurors cercaram a área com proteções que nos impediam de aparatar. O que eu podia fazer? Tentei me esconder dos dois lados. O ponto de reunião da célula ficava no meio da Floresta Sombria. Corri para a floresta e me escondi. Quando as coisas se acalmaram, vim para Grimmauld Place.

- Puxa Severus, você nos deu o maior susto. Tem informações interessantes para nos passar?

- Extremamente interessantes, Albus.

- Então vamos transferir a reunião que seria esta manhã para o fim da tarde. Digamos... às 18 horas. Fique por aí e descanse. Peça um quarto a Harry.

- Diretor, eu gostaria de voltar a Hogwarts - protestou Snape.

- Estou vendo que você está exausto. Fique por aí mesmo e tire uma soneca. Até mais tarde, meus meninos.

- Maldição - praguejou Snape, quando suas cabeças retornaram à cozinha de Grimmauld Place.

Os dois se entreolharam por um longo tempo.

- Por que está me olhando assim, Potter? Você está bêbado, não?

- Tomei alguns copos de Firewhisky, mas estou bem. Eu tive muito medo... Não... não conseguia suportar a idéia de ter de viver sem o seu ódio.

Uma sobrancelha negra se ergueu.

- Potter, isso *é* estranho. St Mungus o receberia de braços abertos.

- Eu sei. Mas você não vai me entregar, vai?

Snape só meneou a cabeça. Estava exausto.

- Venha escolher um quarto - disse Harry.

O quarto que Snape escolheu era o que havia sido utilizado pelos gêmeos durante a limpeza da casa, no ano anterior. Harry não contou isso a ele, pois sabia que, se ele soubesse disso, ia jurar que havia alguma bomba oculta em algum lugar lá dentro...

Harry lhe entregou um jogo de roupas de cama e de banho, mostrou-lhe o banheiro mais próximo e foi... tomar o café da manhã.

~*~*~

Por volta das 16 horas, Snape apareceu na cozinha.

- Oh, olá. Você nunca faz as refeições aqui, mas deve estar faminto. Vai querer almoçar ou tomar um chá?

- As duas coisas - respondeu Snape, de mau humor. - Os seus amigos provavelmente ficam especulando a respeito dos meus motivos para não fazer as refeições com os outros, não? O que dizem?

- Você não vai querer ouvir isso.

- Diga, Potter. Não posso tirar pontos de Gryffindor aqui, nem colocá-lo em detenção.

- Ora... todo mundo diz que é porque você é um vampiro.

Para a surpresa de Harry, um brilho de satisfação despontou nos olhos negros. E os lábios finos formaram o clássico esgar.

- Espero que você não estrague a alegria deles contando a verdade a meu respeito. Bem, o que é que você tem para o meu almoço?

- Er... às 4 horas da tarde você não pode esperar que eu tenha comida recém-saída do forno, não é? Posso esquentar o que comi no meu almoço: costeletas de porco, torta de presunto e batatas à dorée. E sobrou salada, também.

- Você fez tudo isso à maneira Muggle? - perguntou Snape, impressionado.

- Que jeito? Como você sabe, não temos mais um elfo doméstico aqui, e eu sou proibido de fazer magia nas férias. Estou acostumado a cozinhar. Sempre cozinhei para minha tia.

~*~*~

Depois do almoço, Harry acompanhou Snape no chá. Com doces da cornucópia de Dumbledore.

- O que Voldemort está preparando? - perguntou Harry.

- O Dark Lord, você quer dizer.

- Seja lá como for.

- Você não é membro da Ordem. Esse tipo de informação eu só passo nas reuniões da Ordem. Ou diretamente para o Dumbledore.

Por um instante, Harry ficou possesso. Pensou em ameaçá-lo de alguma forma, só para fazê-lo perder a pose. Afinal, ele não contara nada a Dumbledore do que acontecera naquelas aulas clandestinas que tivera com Snape, não é? Trêmulo, Harry baixou a cabeça.

Snape o fitou com curiosidade, depois passou a mão pelos cabelos - que, curiosamente, não estavam sebosos naquele momento. Talvez porque Snape tomara banho antes de dormir e não lidara com poções desde então, pensou Harry.

- O Dark Lord está planejando libertar Lucius Malfoy. No final de setembro - disse Snape, em voz baixa.

Harry arregalou os olhos, mais surpreso com o fato de Snape lhe revelar aquilo do que com o conteúdo da revelação.

- Tirá-lo de Azkaban?

Snape assentiu.

- E o que podemos fazer para impedi-lo? Alertar Fudge?

- Essas decisões não competem a mim, e sim à Ordem.

- E você... vai participar dessa... ação?

- Seguramente.

- Junto com os Death Eaters.

- Onde me compete estar, para melhor servir à Ordem.

- Mas... Isso é muito perigoso! Vai ser pior do que foi hoje, não é? Você não vai ter para onde fugir. Vai ficar no meio do fogo cruzado. Talvez seja atingido por um Auror. Como eles vão identificá-lo, com a máscara?

- São os riscos de quem assume o papel que aceitei assumir nesta guerra.

Harry se levantou, inconformado.

- Isso é insano! Dumbledore não pode permitir isso!

- Permitir? Ele é o cérebro da organização. Não pode ter uma atitude diferente da que tem. Você é muito jovem, não sabe o que é uma guerra.

- Então EU não vou deixar você fazer isso. Não me venha com essa conversa de que eu quero bancar o herói e que eu sou um idiota. Não quero que mais ninguém morra por uma guerra que, no fim, é minha, não é? Não sou eu que terei de destruir Voldemort? Então eu vou lá agora e acabo com tudo isso - bradou Harry, em voz trêmula, a um passo de Snape.

O mago mais velho o agarrou pelos ombros.

- Fique calmo, Potter. Você É um idiota e está sempre querendo bancar o herói.

Harry tentou parecer controlado. Mas os olhos vermelhos revelavam a força das emoções que o dominavam. Snape o fitou, como que hipnotizado.

- O que... O que está acontecendo? - perguntou o mago mais velho, perplexo. - Por que está agindo assim?

- Eu... já lhe disse.

- Que... "não suporta mais viver sem o meu ódio". Mas o que, em nome de Merlin, significa isso? Se é por pena que você está agindo assim, pare. Não aceito a sua piedade.

- Pena? Como alguém poderia sentir pena de você? Você é tão poderoso...

Snape o fitou com incredulidade.

- Então por quê?

- Porque eu não quero que você morra! Por que é tão difícil entender isso? Eu não quero que ninguém mais morra por minha causa.

Snape meneou a cabeça.

- Desse jeito, você me obriga a me expor. Você está me colocando em risco, não entende?

- Não!

- Potter, eu não vou morrer. Posso lhe garantir isso.

- Como pode garantir uma coisa dessas?

- Confie em mim.

O mais estranho de tudo era que ele confiava. O tom de Snape era tão seguro, tão firme, que ele não podia deixar de acreditar. Por mais incrível que parecesse.

~* ~* ~

Ele é tão bonito, tão poderoso. E não sabe. O que ele quer comigo? Oh, James, se você pudesse ver o brilho nos olhos dele quando me olha! Sim, eu seria capaz de dormir com ele só para ver a sua cara, James.

Tudo errado. Harry Potter significa apenas encrenca, nada mais. Tão jovem. Se eu me permitir uma loucura dessas, voz sair arrasado, destroçado.

 

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Ptyx, Janeiro/2004