Convergência

 

Dezembro de 1999

 

I

 

Julia, que estava aos berros, acalmou-se quando Severus a pegou no colo. Harry não conseguiu tirar os olhos dos dois enquanto Severus se afastava, levando o bebê para fora da sala.

- Quem diria que Snape daria um pai tão dedicado, não é? - comentou Ron, acordando Harry de seus confusos pensamentos.

Harry voltou-se para Ron, tentando escolher as palavras certas. Ron agora estava seguindo o curso para se tornar Auror, enquanto Harry cursava o último ano de Hogwarts. Eles haviam se reencontrado no Natal, após um ano e meio sem se verem, e a última coisa que Harry queria era brigar com Ron.

- Acho que nós fomos injustos com ele.

- Ah, não. Ele pode ser um bom pai para Julia e um bom marido para Ginny, mas que era um professor horroroso, lá isso era.

Harry riu.

- Ele era severo, e um osso duro de roer, mas vamos falar a verdade: pelo menos ele sabia a matéria. Tanto Poções quanto Defesa contra as Artes das Trevas. Ele é muito melhor professor de Poções do que Slughorn. Nós o odiávamos, mas aprendemos muito com ele.

- É... acho que sim.

Ginny e Hermione, que estavam conversando sem parar ao lado de Ron no sofá, foram para a cozinha, provavelmente para ajudar Molly com o jantar. Na outra ponta da sala, Arthur, Bill, Fleur, Tonks, Remus e Charlie conversavam animadamente sobre as últimas trapalhadas do Ministério, e Ron e Harry acabaram ganhando certa privacidade. Da qual Harry resolveu se aproveitar para perguntar, em voz baixa:

- Como ele é com Ginny?

- Snape? - Ron deu de ombros. - Ela não parece ter nenhuma queixa. Ele não é o marido que eu desejaria para a minha única irmã, mas... - Ron fitou-o com um ar de reprovação - você sumiu do mapa.

- Não comece, Ron. Já falamos sobre isso. Precisava me afastar, ou teria enlouquecido.

- Eu sei, cara. Mas você deve ter levado um susto ao voltar e saber que Ginny havia se casado com Snape.

Harry suspirou.

- Quem não levaria um susto?

- Eu não pude fazer nada. Quando me contaram, no Natal do ano passado, eles já estavam com o casamento marcado e com tudo pronto para casarem em duas semanas. E meus pais estavam encantados com ele. Minha mãe não admitia que nenhum de nós falasse nada contra ele. Você consegue imaginar isso?

Harry sorriu.

- Eu não preciso imaginar: eu vejo o modo respeitoso como seus pais tratam Severus.

- Severus! - Ron o imitou. - Até você o chama pelo primeiro nome. É um fenômeno, mesmo.

Harry sentiu o rosto ficar quente, e tentou disfarçar.

- Ele me convidou para ser o padrinho de Julia, e tem me tratado muito bem desde que voltei.

- Bem, você não é uma exceção. Ele conquistou Bill e Fleur, também. Só Charlie e eu é que não estamos entendendo nada.

- É natural. Você e Charlie estavam longe e não acompanharam o processo.

Ron balançou a cabeça.

- O processo de sedução, por parte do morcego seboso, de toda a minha família!

- Ron! O importante é que Ginny está feliz, não é?

- Verdade. Não sei o que ela vê nele, mas também não me importo, desde que ela e Julia estejam bem.

Harry ficou triste e pensativo. Severus estava feliz, Ginny estava feliz, Julia tinha dois pais maravilhosos, Ron e Hermione estavam namorando. E ele?

~*~*~

Bill e Fleur foram para a França depois do Natal, visitar os pais de Fleur, e Remus e Tonks voltaram para sua casa em Hogsmeade, mas todos os outros ficariam até o Ano Novo.

O quarto de Severus e Ginny havia se transformado no ponto de reunião da casa, por causa do berço de Julia. Algumas pessoas chegavam, outras saíam, mas Harry não desgrudava da afilhada. Harry sacudia um chocalho sobre a cabeça dela, e ela estendia as mãos para agarrá-lo. Harry se maravilhava ao ver com que energia ela agitava as mãozinhas cor-de-rosa e gorduchinhas.

- Já que está aqui, poderia segurar Julia enquanto eu troco a roupa de cama dela? - perguntou Severus, erguendo Julia do berço e segurando-a junto a si.

Notando que estava a sós no quarto com a família Snape, Harry assentiu e estendeu os braços para Julia. Severus passou o bebê para ele com cuidado. Julia era tão pequena e frágil, e apoiou as palmas da mão no peito de Harry, fitando-o com alegria e expectativa.

Ginny e Severus ficaram olhando para ele, e os dois tinham o mesmo brilho nos olhos.

Julia agitava os bracinhos e segurava agora o queixo de Harry. Ela tinha os mesmos olhos e cabelos negros de Severus, mas o nariz e a cor clara da pele eram típicas dos Weasleys.

- Oh, Julia, você não vai se esquecer de mim, vai? - perguntou Harry, o coração apertado. - Depois que acabarem os feriados de fim de ano, vai levar tanto tempo até eu poder ver você de novo!

- Você não tem uma foto mágica para dar para a gente? Podemos colocá-la no quarto de Julia - disse Ginny.

- Mesmo? Eu nunca liguei para fotos, mas vou tirar uma para dar para vocês.

- Nós temos uma máquina fotográfica lá no sótão. Querido, será que você pode ir lá pegar, uma hora dessas?

Severus fez uma cara aborrecida.

- E enfrentar o ghoul?

- Você não é meu herói? - perguntou Ginny, zombeteira.

Severus devolveu-lhe a pergunta.

- Sou?

- Bem, sempre posso pedir ao Harry, não é?

- Pode deixar que eu vou - apressou-se em dizer Severus, empinando o queixo.

Como Harry não sabia se ria daquele diálogo ou ficava embaraçado, voltou-se novamente para Julia e deu-lhe um beijinho de esquimó.

~*~*~

Naquela noite, no quarto que pertencera aos gêmeos, no segundo andar da casa, Harry pensava em Ginny e Severus. Pensar em Ginny não era algo novo ou surpreendente, mas pensar em Ginny como ela era agora era muito diferente. A garotinha por quem ele se apaixonara ainda tinha aquele brilho vivaz nos olhos e um humor delicioso, mas agora era uma mulher madura, esposa e mãe, e o atraía mais do que nunca.

Como se estar apaixonado novamente por Ginny não fosse um problema sério o bastante, havia Severus. Desde o dia em que o revira, seis meses atrás, o olhar intenso de Severus o desafiara e provocara. Não conseguia entender como um simples olhar podia ser tão perturbador. A princípio, Harry achara que não passava de uma atração sexual. O fato de Severus ser homem não o assustava. Em sua viagem pelo mundo, Harry conhecera um garoto na Hungria e passara alguns dias com ele - um repousante interlúdio em meio às mais loucas aventuras de uma viagem cujo objetivo era fazer Harry esquecer os horrores da guerra que havia lutado. No Brasil, depois de algumas caipirinhas, ele envolvera-se em uma orgia na praia... Não era uma vasta experiência, mas era o bastante para dar certa segurança a Harry.

A cada vez que Harry revia Severus, Harry descobria novas facetas em seu antigo desafeto, e se interessava mais por ele. Lembrava-se com saudade e desejo do dia em que haviam montado o relógio de Julia: braços roçando um no outro, calor compartilhado, a mão de Severus guiando a sua quando Severus quis lhe mostrar como apertar um parafuso...

Uma questão, em especial, perturbava Harry. Não é que ele desejasse ser dominado por Severus. Não; Harry não era do tipo submisso. Mas havia algo na personalidade dominadora de Severus que o fascinava. A verdade é que não podia mais negar a si mesmo que desejava Severus. E a idéia de dividir uma cama com Severus e com Ginny era extremamente sedutora.

~*~*~

II

 

No quarto dos Snapes, Ginevra e Severus estavam deitados na cama, no escuro. Ginevra segurou a mão de Severus e a apertou.

- Por que não vai lá falar com Harry?

- O que, exatamente, você quer que eu lhe diga?

- Não sei. Acho que você tem que seduzi-lo.

Severus sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha.

- Eu vou assustá-lo, Ginevra. É muito cedo... muito arriscado.

Ginevra aconchegou-se junto a ele.

- Não estou dizendo para você transar com ele aqui, agora, na casa dos meus pais. Nem para trazê-lo já para esta cama. Mas ele precisa saber que estamos esperando por ele... um dia.

- Você acha mesmo que isso vai dar certo? Isto é, supondo que ele queira?

- Tem muita chance de dar errado - admitiu Ginevra. - De qualquer jeito, é você que tem que estar no comando.

- Eu?

- Sim.

- Por quê?

- Porque você é mais ciumento e possessivo do que Harry e eu.

Severus sabia que não adiantava protestar. Era verdade. Ginevra o conhecia muito bem. O que, exatamente, significava estar no comando de uma relação a três, no entanto, Severus não conseguia sequer imaginar.

~*~*~

III

 

Harry escutou uma leve batida à porta do quarto. Pensou que fosse Ron ou Hermione - se bem que, agora que estavam namorando, os dois preferiam conversar a sós no quarto de Ron, ou no quarto de Percy, que Hermione estava ocupando.

Levantou-se, vestiu um roupão e abriu a porta, deparando-se com nem mais nem menos do que Severus Snape. Seu coração disparou enquanto ele se afastava para que Severus pudesse entrar.

- O que aconteceu? - perguntou Harry.

- Shh. Fale baixo. Quase todos já foram dormir, mas Molly ainda está na cozinha.

- Mas qual é o problema?

Severus entrou, e Harry fechou a porta do quarto. Quando Harry se virou para Severus outra vez, Severus estava a poucos centímetros e, passando os braços ao redor de sua cintura, puxou-o para si e colou os lábios aos seus.

Harry gelou de susto. Severus deve ter se sentido rejeitado, pois logo descolou os lábios dos seus e recuou um pouco.

- Desculpe. Eu pensei que você... Foi um mal-entendido.

Harry teve vontade de gritar que não era nada daquilo, que ele apenas havia sido pego de surpresa. A garganta ficou travada, mas suas mãos agarraram as vestes de Severus e o puxaram para si de novo. Seus lábios se uniram outra vez, inseguros, desajeitados. Severus entreabriu a boca, e as línguas se encontraram. Harry deixou escapar um gemido e se agarrou com força ao corpo de Severus. O beijo era febril, voraz, e Harry logo ficou completamente sem fôlego.

Severus interrompeu o beijo e o fitou com olhos inquisidores.

Harry sacudiu a cabeça, em desespero.

- Isso é... loucura. Eu não quero estragar o que há entre você e Ginny.

- Ginevra quer você também.

- Mas... você vai aceitar dividi-la comigo?

Uma sombra de dor passou pelo rosto de Severus.

- É o preço que tenho de pagar, para isso funcionar. E nós três queremos que isso funcione. Ou não?

Harry sacudiu a cabeça de novo.

- Não vai dar certo.

Severus pressionou-o contra a parede, introduzindo o joelho entre suas pernas, e Harry não conseguiu conter um gemido.

- Nunca vamos saber, se não tentarmos. Venha passar a Páscoa conosco, em nossa casa. Até lá, Julia estará maior e não exigirá tanto a nossa atenção como agora. Eles vão lhe dizer que você deve ficar em Hogwarts estudando para os seus NEWTs. Não acredite. Traga seus livros, e terá tudo o que precisa para estudar em nossa casa. Nós podemos arrumar o sótão para você. Assim você terá privacidade... se quiser - Severus roçou os quadris contra os seus de um jeito extremamente sugestivo.

Harry estava tonto de falta de ar, confusão e desejo.

- Está bem.

Severus sorriu - quase um sorriso genuíno, com apenas um leve toque sarcástico - e passou ambos os polegares pelo rosto de Harry.

-Não ouse mudar de idéia - disse ele, naquela voz grave e intensa que reverberava no âmago de Harry.

Harry estava duro de tesão, mas Severus se virou em um daqueles seus giros dramáticos, abriu a porta e saiu.

 

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Ptyx, Setembro 2006