Schola Obscura
Capítulo III
Quando Harry acordou, Snape não estava mais na cama, nem no quarto. Harry se levantou e foi ao banheiro. Escovou os dentes, lutou contra os cabelos rebeldes como fazia todas as manhãs. Removeu a barreira divisória mágica que Snape colocara sobre a cama, com medo que as camareiras entrassem para arrumar a cama e ficassem assustadas, e ajeitou os cobertores. Desceu para tomar café. Comeu um pedaço de melão com presunto - o presunto de Salamanca realmente fazia jus à fama de melhor do mundo. Tomou uma xícara de café com um pedaço de bolo. Terminando o café, foi até a portaria. O sr. Clavero abriu-lhe um de seus sorrisos mais amigáveis. - Bom dia, sr. Potter! O sr. Snape foi passear à beira do rio. O velho parecia ler pensamentos. Devia ser devido a todos os anos de experiência com clientes! - Obrigado, sr. Clavero. Vou dar um passeio lá fora também. Harry saiu e contornou o hotel para ir na direção do rio. Um amplo gramado levava até a praia. O sol mal havia nascido, e as nuvens no horizonte tinham uma coloração rósea. Avistou Snape ao longe, caminhando pela praia na direção da pousada. Na direção de Harry. Harry sentiu uma estranha ansiedade ao vê-lo. Continuou andando. O vento soprava, desarrumando-lhes os cabelos. Harry não ligava nem um pouco, porque seus cabelos estavam sempre desarrumados mesmo. Riu ao pensar que os cabelos de Snape também não eram nenhum modelo de bom comportamento. Quando Snape se aproximou o suficiente para ver-lhe as feições, ele estava sorrindo, o que o deixou estupidamente embaraçado. - Olá - disse Harry, tentando disfarçar o embaraço. Snape não respondeu nada e continuou andando. - Ei, não vai me cumprimentar? - O que quer que eu diga? Que fale do clima, ou da paisagem, ou qualquer outra amenidade desse tipo? - Eu também não gosto de falar só por falar - respondeu Harry, virando-se, apressando-se para alcançar Snape e andando a seu lado. - Mas que essa paisagem é linda, lá isso é. - Eu fui a pé até a ponte romana. É magnífica.
- Oh. Eu gostaria de vê-la também. Deve ser muito bonita, principalmente à noite, imagino. Você viu mais alguma coisa interessante no caminho? - Alguns moradores decorando o restaurante para a Lunes de Aguas. - O que é essa Lunes de Aguas, afinal? Snape deu um sorriso irônico. - Essa festa teve origem em um costume do século XVI. O rei Felipe II decretou que as prostitutas de Salamanca deveriam ser levadas para fora da cidade durante a quaresma. Na quarta-feira de cinzas, elas eram conduzidas até o outro lado do rio, para a vila de La Salud de Tejares, onde permaneciam sob a custódia do "Padre Putas". Esse mesmo padre as trazia de volta à cidade uma semana após a Páscoa, na segunda-feira de Quasimodo. Nesse dia, as prostitutas voltavam em barcos decorados com flores, para que fossem diferenciados dos barcos normais. Os estudantes da universidade esperavam por elas na Ponte Romana, com iguarias de Páscoa. Essa festa é celebrada até hoje. Vêm pessoas de todas as partes do país para comer o tradicional hornazo, que é uma torta recheada com lingüiça e ovos. Harry riu. - Padre Putas! Essa é demais. - Eu esperava que você me perguntasse sobre Quasimodo. - Tudo bem... Eu sei que Quasimodo é o Corcunda de Notre Dame, claro. Mas por que existe uma segunda-feira de Quasimodo? - Na verdade, o Corcunda de Notre Dame foi chamado assim por causa do domingo de Quasimodo, que é o primeiro domingo depois da Páscoa, porque ele foi encontrado nas escadarias da catedral de Notre Dame nesse dia. O nome Quasimodo vem do texto em latim do intróito desse dia, que começa com a frase "Quasi modo geniti infantes...", da Primeira Epístola de Pedro ("Como bebês que acabam de nascer..."). Literalmente, quasi modo significa "como". - Estou impressionado. Você fez mesmo a sua lição de casa! Snape deu um sorriso vaidoso. Caminharam em silêncio por algum tempo. Quando se aproximaram da pousada, Harry temeu que Snape quisesse livrar-se dele. - Eu estava pensando em ver mais alguns lugares na cidade. - Faça o que quiser do seu tempo. Só temos um compromisso hoje, à meia-noite. - É que... você é um ótimo guia turístico. Eu estava pensando se não gostaria de ir comigo. O olhar que Snape lhe lançou pareceu atravessá-lo. - Até que enfim você está reconhecendo as minhas qualidades! Assim que se refez da surpresa, Harry pensou em dizer que ele não tinha muitas, mas desistiu. Não seria inteligente provocar outra briga. Optou por uma queixa bem mais humilde. - Você nunca reconheceu nenhuma das minhas, também. Snape arqueou uma sobrancelha. - Você é especialmente hábil em me irritar. Não são todos que conseguem essa façanha. Harry não sabia dizer se Snape estava brincando ou não, mas, de qualquer jeito, riu.
Passaram o resto da manhã e o início da tarde visitando lugares históricos: a Universidade, a Casa de las Conchas, a estranha Torre del Clavero. Como tudo fechava das 2 às 5 devido à siesta, eles pararam para almoçar na ampla e magnífica Plaza Mayor - nada muito caro, apenas algumas tapas* com vinho. Às quatro horas eles racharam a conta, como haviam combinado, e foram caminhando até a Casa de las Muertes, com suas lúgubres caveiras decorando a fachada. Harry brincava de contar as cegonhas que via sobre as torres das igrejas e, depois das cinco horas, quando as lojas reabriram, Snape parava em todas as lojas de roupas elegantes para admirar as capas, encantado, em especial, com os botões de filigrana, conhecidos como "botões charros", que eram o emblema de Salamanca. À tardinha voltaram, cansados, para o hotel, e resolveram jantar o mais cedo possível para descansar um pouco antes de irem para a Cueva. Só durante o jantar Snape mencionou o assunto em que Harry havia tentado não pensar o dia todo. - Você tem consciência de que iremos passar por uma espécie de prova na Cueva, não? - Imaginei que sim. Você tem alguma idéia de que tipo de prova possa ser? - Creio que irão oferecer a cada um de nós algo muito precioso. Talvez o nosso maior sonho, aquilo que mais desejamos. Em troca... de nossa alma, como dizem os que acreditam no demônio. - Como o Espelho de Ojesed... Mas você acredita em demônio? - Não há nenhum demônio fora de nossa própria alma. É por isso que é dentro de nós que eles vão encontrar os pontos fracos com que irão nos tentar. - Como assim? - Não sei exatamente o que encontraremos. Mas a pergunta é, você está preparado para se confrontar com o seu maior desejo e... recusá-lo? Harry pensou em qual seria o seu maior desejo. Que ninguém, nem seus pais, nem Cedric, nem Sirius, nem Ginny tivessem morrido por sua causa. Especialmente Ginny, porque a morte dela fora um golpe terrível demais. Sim: que Ginny estivesse viva. - Está preparado para encontrar novamente aqueles a quem você perdeu? - perguntou Snape, atravessando-o com seus olhos negros. - Seu miserável, você está lendo minha mente! - Você pode não acreditar, mas eu estava tentando ajudá-lo. Harry não sabia se estava preparado ou não. Snape saboreava o vinho tinto e flertava com Consuelo, a garçonete, à distância, o que deixava Harry ainda mais irritado. Harry tentou se acalmar. Snape parecia calmo, mas provavelmente também estava enfrentando seus demônios pessoais. Harry esvaziou o copo, e encheu mais um. Meia hora depois, subiram para o quarto, cansados e meio bêbados. Harry se jogou na cama, na diagonal, ocupando todo o espaço. Então viu Snape em pé, observando-o, e encolheu-se no seu lado. - Oh, não se preocupe com essa bobagem de barreiras. Deite logo aí. Snape pegou o telefone, discou e começou a falar em espanhol. Pelo que Harry entendeu - ele estava começando a entender espanhol! - Snape pedira para ser acordado às quinze para a meia-noite. Snape recolocou o fone no gancho e tirou o pulôver. Foi quando Harry se deu conta de que Snape estava tirando as roupas. Na frente dele! Com muita naturalidade, como se fizesse isso todos os dias, Snape abriu as calças. A garganta de Harry secou. Harry sentou-se na cama e começou a se despir também, tentando não olhar para Snape. De relance, viu Snape só de cueca - alguns pêlos negros, não muitos, espalhados pelo peito onde os músculos se delineavam apenas sutilmente, ombros largos e bem torneados e um volume considerável salientando-se dentro da cueca branca - antes que ele entrasse embaixo dos cobertores. Harry tirou os óculos, os jeans e depois a camiseta. Finalmente, Harry se deitou e puxou as cobertas sobre si. O cheiro e o calor do corpo do outro mago o envolveram, e Harry teve de sufocar um gemido de desejo. Era culpa do vinho; só podia ser. O telefone tocou e despertou Harry de um sonho tórrido em que Snape o beijava e comprimia-se contra ele. Entreabrindo os olhos, Harry viu Snape tirar o fone do gancho e grunhir alguma coisa. Com pavor, Harry percebeu que seu pênis estava dolorosamente ereto sob os cobertores, a pontinha já pingando esperma. Snape se levantou e foi para o banheiro, e Harry imaginou que ele talvez tivesse tido o mesmo sonho e estivesse agora se masturbando lá dentro... Só de pensar naquilo, Harry gemeu de frustração. Por baixo dos cobertores, Harry cerrou a mão ao redor do pênis. Enterrou o rosto no travesseiro de Snape, aspirou profundamente aquele cheiro que o enlouquecia de tesão. Bombeou o pênis num ritmo acelerado e gozou rápida e intensamente, mordendo o lábio para não gritar. Um feitiço de limpeza, uma ajeitada nos lençóis e travesseiros e tudo estava como era antes. Ou, pelo menos, era o que Harry queria acreditar enquanto vestia as calças, a camiseta e o suéter. Snape saiu do banheiro já vestido. - Está pronto? - Estou. Snape abriu sua maleta e retirou uma jaqueta verde-esmeralda. - Vista isso - disse, estendendo-o a Harry. - Está frio lá fora. Harry se lembrou de que havia sentido frio na noite anterior. Como agora iriam à Cueva ainda mais tarde, provavelmente estaria mesmo mais frio. A jaqueta tinha aquele mesmo cheiro almiscarado que enlouquecia Harry. Harry fechou os olhos e a vestiu. Quando abriu os olhos, viu Snape estendendo a mão e ajeitando a jaqueta em seus ombros. - A cor combina com seus olhos - murmurou Snape, em sua voz grave e aveludada. Harry sentiu o coração bater mais rápido. Algo estava acontecendo ali, e ele tinha muito medo de descobrir o que era. - Vamos - disse Snape, segurando-lhe o braço.
Aparataram exatamente no mesmo local da noite anterior. Tudo parecia exatamente igual. Snape soltou seu braço e Harry caminhou pelo pátio. De repente, avistou um buraco nos fundos do pátio. Andou naquela direção. Snape o seguiu. Era uma escada que descia para as trevas. Snape afastou-o para o lado. - Eu vou na frente. Harry deixou que ele o fizesse. Começaram a descer os degraus. Quando Snape chegou ao pé da escada, Harry o perdeu de vista. Harry terminou de descer e viu-se em um lugar completamente escuro. - Snape? Ninguém respondeu. Uma sensação de pânico acometeu Harry. Mas logo um aroma familiar o cercou, e Harry reconheceu o cheiro floral que costumava associar a Ginny. Uma imagem se formou diante de seus olhos. Era Ginny, exatamente como há quatro anos: o mesmo brilho divertido nos olhos, os mesmos cabelos ruivos flamejantes. - Ginny! - Harry... Como na primeira vez que haviam se beijado, Ginny correu para ele e se atirou em seus braços. - Que bom que você veio. Agora vamos ficar juntos, para sempre - sussurrou ela em seu ouvido. Harry sabia que era uma ilusão, e sua consciência não o deixava em paz. Sabia que, se cedesse à ilusão, se tornaria um joguete nas mãos de outros seres cujos propósitos ele nem mesmo sabia. No entanto, como era doce ter o grande amor de sua vida novamente em seus braços! Harry estava entregando os pontos quando se lembrou de Snape. Não podia deixá-lo lá, sozinho. Fora ele, Harry, que o arrastara para aquela aventura insana. Qual seria o maior sonho de Snape? E se os dois fraquejassem, o que seria do Mundo Mágico? Não; não era certo ficar ali com Ginny. Harry precisava encontrar Snape. No entanto, não tinha coragem de mandar Ginny embora. Harry tomou Ginny pela mão e continuou andando em meio à escuridão, concentrando-se em Snape. Precisava encontrar Snape. Assim que se concentrou nesse desejo, como num passe de mágica, encontrou o que queria. Snape, contudo, não estava a sós. Havia alguém em seus braços. Por um instante, Harry teve ciúme de quem quer que fosse que estivesse ali. Mas quando pôde ver com mais clareza, viu que a pessoa nos braços de Snape era... ele mesmo. Sem acreditar no que via, Harry viu Snape se ajoelhar aos pés do outro Harry. - Perdoe-me, Harry - disse Snape, em voz embargada. O outro Harry abraçou os ombros de Snape e o ergueu com delicadeza, até tomá-lo novamente nos braços. - Eu o perdôo, Severus. Snape o abraçou com força, enterrando o rosto na curva do pescoço do outro Harry. Um nó se formou na garganta de Harry. Engoliu em seco, sabendo o que teria de fazer. Aproximou-se de Snape e segurou-o pelo braço. - Snape. Ele não é real. Eu sou o verdadeiro Harry. Precisamos ir embora. Snape afastou o rosto do Harry ilusório e fitou o verdadeiro Harry. - Você não me quer. Deixe-me ficar aqui. - Mas não é real. Você vai virar um fantoche nas mãos deles. - Não me importa. De que vale a minha vida, afinal? Aqui eu tenho o que eu quero. - Não! Não podemos ficar aqui. Eu vou desistir do meu maior sonho. - Assim que Harry disse isso, Ginny desapareceu nos ares. - Eu vim buscar você. - Não sou tão forte quanto você. Harry segurou o braço de Snape com força. - Vamos. Eu vou levar você embora. Snape fitou-o com um olhar cheio de dor, mas segurou o braço de Harry.
Estavam de volta ao quarto. Snape deixou-se cair na poltrona, parecendo arrasado. Harry tirou as roupas, vestiu o pijama e deitou-se no seu lado da cama. - Venha descansar. Amanhã você estará melhor. Snape tirou os sapatos lentamente, depois as roupas. Vestiu sua velha camisola cor de cinza e se deitou. Harry queria abraçá-lo, dizer-lhe que sentia muito. Tocou-lhe o ombro de leve, mas ele recuou de imediato. - Não me toque - disparou, por entre os dentes, em tom cheio de ódio. Enquanto Snape pegava sua varinha e colocava a barreira divisória na cama, uma lágrima aflorou em cada um dos olhos de Harry. Harry entendia muito bem o que Snape estava sentindo. Harry também tivera de abrir mão de seu maior sonho naquela noite, mas o fizera por uma clara opção própria. Para Snape, aquela devia ter sido uma experiência terrivelmente humilhante. Harry queria dizer-lhe que não era pena o que sentia por ele. Mas Snape iria lhe perguntar o que era, então, e... Harry não sabia. Queria dizer que o perdoava, como o Harry dos sonhos de Snape, mas não era verdade. Harry não achava que fosse capaz de perdoar Snape. Nunca. Nota: |
Ptyx, Junho/ 2006
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