PARTE 2 - Um Perigoso Fascínio

 

Os instrumentos de prata zumbiam e emitiam baforadas de fumaça ao seu redor. Os retratos o fitavam com ar sonolento. Fawkes parecia alheio ao que se passava por ali.

- Harry, eu insisti em que você retomasse as aulas de Oclumência porque não podemos deixá-lo desprotegido diante de Voldemort. Há um vínculo muito forte entre vocês, e ele pode se utilizar dele a qualquer momento para tentar induzi-lo a fazer coisas, ou mesmo para possuí-lo.

Harry sabia disso muito bem. Tudo aquilo já fora dito antes! Fitou o Diretor com olhos cansados, e não disse nada.

- Muito bem. Não há nada a temer aqui, Harry. Vou apenas treiná-lo a bloquear a mente. Você está pronto?

Harry fez que sim com a cabeça.

- Três, dois, um, Legilimens!

Harry estava caminhando pelo Departamento de Mistérios, fascinado com tudo o que via. Cérebros em tanques, estantes de profecias. A ampulheta percorria mais uma vez seu ciclo interminável. Lentamente, ele se aproximou da sala do véu. Como um canto de sereia, o véu o atraía. Seria tão bom se deixar levar. Aproximou-se ainda mais e viu, como que embriagado, vultos se mexendo do outro lado. A imagem de Sirius se formou, até que nitidamente. Mais adiante, Lily lhe sorria.

- Harry, você não está tentando me bloquear!

Sobressaltando-se, Harry fitou o Diretor com olhos arregalados. Então pestanejou.

- Desculpe, Diretor. Eu me esqueci.

- Essas imagens... são de algum sonho seu?

- Não sei, senhor. Acho que sim.

O Diretor tentou mais uma, duas vezes. Tudo inútil. Harry voltava sempre ao véu, e não lhe oferecia resistência. Por fim, Dumbledore largou a varinha e olhou para o estudante com gravidade.

- Escute, Harry, ao que parece você sente uma atração quase irresistível pela morte. Foi bom termos essa aula, pois assim eu pude perceber isso e alertá-lo. Você precisa superar isso. Entendo que a morte de Sirius o tenha abalado, mas você precisa pensar em coisas positivas. Em objetivos que o levem a prosseguir, que lhe dêem novo ânimo.

~*~*~

Harry saiu da sala do Diretor cabisbaixo. Como pensar em coisas positivas se o seu destino era enfrentar Voldemort, e matá-lo ou morrer? Harry não queria ser um assassino. Melhor morrer. Mas, se iria morrer, por que não morrer agora?

Ah, em relação ao Mundo Mágico, isso seria terrível, pois, se morresse agora, não salvaria o mundo das garras do cruel vilão. Beleza. Tinha, então, que matar o monstro e se transformar, uma vez mais, no Menino Que Sobreviveu. No herói do Mundo Mágico. Isso ele já sabia como era, e não tinha a menor graça.

Harry olhou para seu relógio: estava quase na hora do jantar. Em vez de subir a seu quarto, foi até o térreo e saiu do castelo, seguindo na direção do lago. Quase às margens do lago, encontrou um degrau em um declive, e sentou-se. Mal o fizera, ouviu passos atrás de si. Voltou-se, e viu o menino Navajo, do qual toda a escola não parava de falar desde o início das aulas, vindo em sua direção.

Logo, o garoto o alcançou e sorriu para ele com seus dentinhos brilhantes.

- Olá, Harry Potter! Meu nome é Kai.

Harry fez uma careta. Tudo o que queria, naquele instante, era ficar sozinho, mas teria de agüentar um pirralho de onze anos.

- O que você quer? - perguntou, irritado.

O menino se sentou a seu lado.

- É que... Eu ouvi as pessoas falarem que... que você perdeu uma pessoa de quem você gostava.

Uma expressão de profunda tristeza se refletiu nos olhos do garoto mais velho.

- Quem lhe disse isso?

- Oh... Não importa. O que eu queria falar para você... que... que ele não morreu não.

- O quê? Como assim? Eu vi quando ele passou... quando ele morreu.

- Sabe, o meu povo odeia a morte. Se eu estivesse em minha aldeia, eu nem mesmo poderia dizer essa palavra. Nossas famílias tentam levar as pessoas para fora do hogan antes de morrerem e, se não conseguem, fazem um buraco na parede, para que o chindi possa sair. Er, "chindi" é a parte má da pessoa que fica depois que a pessoa morre. E quando alguém morre, todo o seu hogan é queimado.

Vendo a expressão de perplexidade de Harry, Kai explicou:

- "Hogan" é o que vocês chamam de casa. Tudo o que pertence ao morto deve ser queimado junto com o seu corpo. Antes de eu vir para cá, meu pai me explicou que Hogwarts não ia ser como um hogan para mim, porque aqui, nessas terras, o hogan é cada pessoa. Você é o seu próprio hogan. Eu acho essa idéia muito estranha, mas agora já estou começando a me acostumar. Se ele não tivesse me explicado isso, eu não poderia ficar em Hogwarts, porque tem todos aqueles fantasmas... eles são maus. Muitas pessoas morreram aqui, e eu sinto a energia delas vagando pelo castelo. No começo eu nem conseguia dormir, e ficava repetindo para mim mesmo: Hogwarts não é o meu hogan. - Kai parecia ter-se deixado levar e falado mais do que queria sobre si mesmo. Ergueu os olhos para Harry. - Bem, alguém viu o corpo dessa pessoa que você diz que morreu?

- Não, porque...

- Se não há corpo, é porque ele não morreu.

- Você não entende. Ele passou pelo véu.

- Aquele véu no Departamento de Mistérios?

- Como você sabe sobre isso? - indagou Harry, perplexo.

- Meus pais trabalham lá. Escute, eu vou explicar tudo para você. O meu povo acredita que existem quatro, ou cinco mundos.

- Quatro ou cinco? - perguntou Harry, em tom irônico.

- Olha, isso depende um pouco da região, e dos clãs. Os meus pais me ensinaram que há quatro mundos, e que há ainda um quinto, para o qual iremos no futuro. No início dos tempos, nós morávamos no Primeiro Mundo, que é preto. É um lugar onde não há montanhas, nem pedras, nem vida vegetal, e não há luz. Os seres originais, as primeiras formas de vida, eram insetos, que são neutros e não contêm mal. Existe também o Deus Negro, que é o Deus do Fogo. É uma força masculina escura, profundamente escondida dentro da montanha-Mãe. Ele é lento e velho, mas também é corajoso e calmo diante do perigo. Esse Deus é invejoso e raivoso, e começou a queimar o mais baixo dos mundos e forçou os outros seres a dirigirem-se para o mundo acima.

O garoto navajo tomou fôlego e continuou.

- Por causa da raiva do Deus Fogo, os seres primordiais abriram caminho até o Segundo Mundo, que é azul. A história é bem complicada, mas para simplificar eu vou só lhe dizer que os seres não se comportaram bem, e o Deus Fogo ameaçou queimar outro vez as águas, então eles subiram para o Terceiro Mundo, que é amarelo. O mesmo se repetiu nesse Terceiro Mundo, e os seres tiveram de subir ao Quarto Mundo, que é azul ou branco. Quando os seres entraram nesse mundo, sabia-se que ainda eram maus, mas as quatro montanhas foram colocadas nas quatro direções (norte, sul, leste, oeste) e receberam suas cores e atributos. A Terra começou a assumir contornos e a luz surgiu. E os homens começaram a tomar consciência do que faziam.

- É nesse mundo que nós estamos? - perguntou Harry.

- É. E aquele véu deve ser a passagem para o Quinto Mundo.

- E o que é o Quinto Mundo?

- A profecia diz que o Quinto Mundo trará a paz e a harmonia. Haverá mudanças no solo e nas águas. Os sentimentos das pessoas também mudarão. Haverá novos sonhos coloridos e surgirão os Guerreiros do Arco-Íris, que aprenderão de novo a caminhar em equilíbrio. As mudanças ocorridas na Mãe Terra trarão medo às suas Crianças, porém, mais tarde, conduzirão à Consciência da Unidade, no seio de Um-só-Mundo, Um-só-Povo.

Harry olhou para Kai com olhos cansados. Aquilo era um monte de bobagens místicas.

- Kai, vá conversar com Luna, está bem? Ela vai adorar essa sua conversa.

- Ah, eu já conversei bastante com Luna. Ela é meio aluada, não é? Mas é uma boa garota.

Harry fez uma careta.

- Então, Harry, você não deve ficar triste. Essa pessoa, o seu amigo, deve ter sido uma pessoa muito especial, se conseguiu passar agora para o Quinto Mundo.

- Mas o véu está lá, no Departamento de Mistérios. Qualquer pessoa pode passar para esse tal de Quinto Mundo, não é?

- Não sei, Harry. Eu só sei que a sua missão não é no Quinto Mundo, é aqui mesmo. Você é o único que pode derrotar Você-Sabe-Quem.

Harry sobressaltou-se.

- Por que está dizendo isso?

- Meu pai é um bruxo muito poderoso, e ele me falou isso.

- Se é assim, se eu preciso ficar aqui e enfrentar Voldemort, não me adianta nada que meu amigo não esteja morto - disse Harry, perdendo a paciência. Toda a frustração dos últimos meses parecia vir à tona.

- Você está doente, Harry. Se você quiser, eu posso lhe fazer uma cerimônia de cura, com pinturas de areia.

- Uma o quê? Não, obrigado, Kai. - Talvez as intenções do menino fossem boas, mas Harry não acreditava em uma palavra do que ele dissera. - Por que está tentando me ajudar? Você é de Slytherin!

Kai o encarou com uma expressão de espanto.

- Se você vai salvar o mundo, você também é importante para quem é de Slytherin.

Harry sacudiu a cabeça.

- Por que o Chapéu colocou você em Slytherin?

- Eu pedi a ele. Eu sempre fui amigo da Grande Serpente. Sem a Grande Serpente, não haveria nenhuma cerimônia de cura.

- Você só fala nesse negócio de cura. Devia ser médico.

- No meu povo, não há separação entre os bruxos e o que vocês chamam de Muggles. Nós convivemos bem uns com os outros. E os bruxos são os curandeiros. Meu pai é um curandeiro, e eu também serei um.

Harry fitou o menino, cada vez mais surpreso. Como aquele menino iria sobreviver em Slytherin?

~*~*~

Harry entrou na classe de poções com Ron e Hermione. Os três se sentaram nos fundos da classe. Naquele ano, Snape exigia que cada estudante se sentasse sozinho, com seu próprio caldeirão, e não deixara Harry se sentar ao lado de Hermione. Então Ron e Hermione ficavam na última fileira, com Ron no canto, e Harry se sentava na frente de Hermione. A cadeira à direita de Harry e à frente de Ron permanecia vaga.

Snape entrou e fechou a porta atrás de si. Assim que a classe ouviu a porta se fechar, todos se sentaram e ficaram em silêncio, como sempre.

- Hoje vamos preparar uma poção que é um antídoto contra vários venenos, inclusive a poderosa Trombeta do Diabo. O que é interessante é que esse antídoto não contém bezoar. É uma alternativa interessante, para quando não se dispõe de bezoar e se precisa de um antídoto. Prestem muita atenção no que estão fazendo, pois, se houver algum erro, o antídoto não funcionará. - Snape apontou a varinha para o quadro negro. - Como sempre, os ingredientes e as instruções de preparo estão no quadro negro, e tudo o que vocês irão precisar está no armário. Vocês têm uma hora e meia para completar a poção.

Era mais uma daquelas poções em que os ingredientes tinham de ser acrescentados na ordem exata; a mistura tinha de ser mexida alternadamente no sentido horário e anti-horário e o nível das chamas deveria ser controlado cuidadosamente à medida que os ingredientes eram acrescentados.

- Ron, não é para acrescentar os ferrões secos de Billywig agora! - exclamou Hermione. - Você pulou um parágrafo das instruções?

- Ahn? Billy quem?

Hermione deu um profundo suspiro.

- Ah, Hermione, me deixe em paz! Tudo o que eu faço você acha que está errado.

Lá estavam eles, discutindo outra vez. Aquilo estava ficando cada vez pior. Distraído, Harry não cuidou de abaixar o fogo na hora certa.

- Se vocês estiverem no caminho certo, a esta altura a poção deve estar passando de verde a vermelho-carmim - comentou Snape, para a classe.

Harry olhou para o caldeirão e viu uma poção irremediavelmente verde-vômito. Virou-se para trás.

- Hermione, a minha poção continua verde. O que eu faço?

Harry viu Hermione erguer os olhos acima de sua cabeça e assumir uma expressão de terror. Lentamente, Harry se virou, e viu-se diante do vulto negro de Snape.

- O que é isso, Potter?

- Senhor?

- Por que a sua poção está verde? E por que esse verde doentio?

- Não sei, senhor.

Os Slytherins começaram a dar suas risadinhas.

- O senhor baixou o fogo na hora certa? Após acrescentar o suco de sanguessuga?

- Er, senhor...

- Potter, você não estava prestando atenção, mais uma vez. Isso vem acontecendo repetidas vezes. Eu o avisei que teria de se esforçar para acompanhar esta classe. Agora não posso tomar outra atitude senão inscrevê-lo nas aulas de recuperação de poções. Duas vezes por semana.

Os Slytherins se deliciaram. Draco Malfoy abriu um sorriso de orelha a orelha. O sangue afluiu ao rosto de Harry, que segurou a carteira com força para não reagir.

- Amanhã, às 18 horas, em meu laboratório - sentenciou Snape.

- Sim, senhor.

Snape apontou a varinha para o caldeirão de Harry.

- Evanesco.

O conteúdo do caldeirão desapareceu, e Harry ficou lá, como um bobo, diante do caldeirão vazio. Não era a primeira vez que Snape fazia isso com ele.

- Aqueles que prestam atenção nas instruções e que, portanto, estão com uma poção vermelho-carmim em seus caldeirões, encham um frasco com uma amostra da poção e me entreguem - ordenou Snape. - Lição de casa: treze polegadas de pergaminho sobre os dez venenos oficialmente classificados como os mais perigosos e seus antídotos, a ser entregue na quinta-feira.

O frasco de Ron exibia uma poção amarronzada, mas Snape não fez nenhum comentário ao recebê-la. A de Hermione, é claro, estava impecavelmente vermelho-carmim, como a de Draco Malfoy.

E a de Neville, também. Neville parecia estar progredindo dia a dia. Só ele, Harry, regredia.

~*~*~

Maravilha. Depois daquela tola discussão na aula de Poções, Ron e Hermione estavam brigados de novo. Pior: Hermione achava que Harry havia facilitado as coisas para Snape não prestando atenção, o que deixara Harry fulo, e Ron não ligava a mínima para o drama de Harry. Só se preocupava com os seus deveres de Monitor e com os jogos de Quadribol.

Quadribol. Harry era o novo capitão do time. Ele não queria, mas ele e Ron eram os mais velhos, e Ron era Monitor e... jogava muito mal. Harry se sentia péssimo, porque nem o Quadribol tinha mais aquele encanto de antes para ele. O que mais gostava era de voar em sua Firebolt. E agora era responsável por todo o time.

Havia marcado os treinos para as quartas e sextas-feiras, às 18 horas. Agora teria de transferir o treino de quarta para algum dia a partir das 20 horas, pois, ao que tudo indicava, às segundas e quartas teria Recuperação em Poções às 18 horas, o mesmo horário em que tinha aulas de Oclumência com Dumbledore às terças e quintas. Fantástico.

Cínico, conseguia ver apenas um lado positivo naquilo tudo: não teria de treinar o Exército de Dumbledore. Os amigos queriam que ele continuasse orientando-os; Harry não tinha a menor vontade de fazer isso, mas, se tivesse um horário que lhe possibilitasse fazê-lo, teria de aceitar - não iria deixar os amigos na mão. Com aquele horário, no entanto, não tinha jeito. Afinal, ele precisava de algum tempo durante a semana para fazer as lições de casa. Tentando não se sentir culpado, Harry dizia a si próprio que Akhmatov, o novo professor de Defesa Contra a Arte das Trevas, embora misterioso e não confiável (viera de Durmstrang!) não parecia tão ruim assim.

~*~*~

- Harry, você já está conseguindo barrar o meu acesso à sua mente, quando se concentra. No entanto, eu notei que você está usando a raiva, a irritação, para isso. Como sempre que utilizamos emoções negativas como impulso, isso é uma faca de dois gumes. O seu adversário pode alimentar essa raiva até que você perca o controle. - Dumbledore fitou-o com aquele seu olhar infinitamente compassivo, e que irritava Harry mais do que tudo. - A minha recomendação é a mesma que tenho lhe dado todos esses dias: procure algo positivo em que se concentrar.

~*~*~

No laboratório de Snape, diante de todos aqueles frascos nojentos, pelo menos Harry se sentia isolado. Snape lhe transmitia as instruções e ia embora. Às vezes ficava trabalhando em outra poção em um caldeirão a alguns metros do de Harry, mas tão concentrado que era como se não estivesse ali.

Estranho, aquilo. Porque, quando Snape queria que prestassem atenção nele, era impossível ignorar sua presença. Mas ali, no laboratório, se Harry não fizesse nenhum ruído estranho ou o chamasse para receber alguma orientação - o que raramente o fazia - a figura de Snape era quase etérea, impalpável.

Snape não ficava na sua cola; não lhe fazia sermões durante o tempo de preparo da poção. Ao final das sessões, sim, examinava a poção detalhadamente e fazia seus comentários cínicos. Jamais elogiava e, embora suas críticas fossem objetivas e precisas - era preciso reconhecer que ele sabia tudo de sua matéria -, o tom em que eram pronunciadas era sempre de desprezo e aversão pelo aluno.

Harry já estava se acostumando àquilo, porém. Tudo somado, Recuperação em Poções era um dos momentos mais calmos de sua vida. Sem as brigas de Hermione e Ron a atormentarem-no; sem ter de dar broncas em seus comandados do time de Quadribol e ouvir as suas reclamações; sem os conselhos impossíveis de Dumbledore. E sem a tensão das aulas de Poções, em que a presença dos Slytherins e dos outros alunos parecia incentivar Snape a torturá-lo.

De vez em quando, ao chegar ao laboratório de Snape, Harry encontrava Kai lá dentro. Nas primeiras vezes em que isto ocorrera, sempre que Harry chegava, Snape dispensava Kai. O menino cumprimentava Harry e se despedia de Snape, com a alegria de sempre.

Até que, certa noite, Snape não dispensou Kai: deixou-o mexendo, com muito esforço, o grande caldeirão em que costumava trabalhar e foi dar as instruções para a poção que Harry deveria fazer naquela aula. Então, enquanto Harry começava a reunir o material para a poção, Snape assumiu seu posto ao caldeirão e pediu para Kai ir fazer alguma coisa.

- Potter, não se distraia. Você precisa aprender a se concentrar mesmo quando há outras pessoas por perto.

Harry suspirou e tentou não prestar atenção nas interações entre Snape e o menino índio. Não pôde deixar de notar, no entanto, que Snape... não o tratava mal... e que o menino parecia idolatrá-lo.

~*~*~

Passaram-se quase dois meses sem que nada de especialmente novo acontecesse, a não ser pelo fato de que Lucius Malfoy e seus amigos Death Eaters haviam conseguido fugir de Azkaban da noite para o dia, sem deixar vestígios; em conseqüência disso, Draco recuperara um pouco da confiança perdida e estava cada vez mais insuportável. Nada de diferente ocorrera na festa de Halloween - tédio total. Gryffindor vencera o primeiro jogo de Quadribol, contra Hufflepuff. E Slytherin vencera Ravenclaw.

Após o jogo de Slytherin contra Ravenclaw, houve uma batalha campal no campo de Quadribol. Os Ravenclaws se conformaram com a derrota, mas os Gryffindors diziam que o juiz (Hooch estava doente no dia do jogo e um aprendiz seu fora escolhido para apitar) não marcara uma falta em um momento chave do jogo. Harry fora um dos que mais protestara, e entrara com tudo na guerra de pragas contra os Slytherins. A guerra fora interrompida pela competente intervenção do Monitor Chefe, Axel Lescaux, que lançara um feitiço de estorvo (Impedimenta) coletivo no meio da briga. Gryffindor e Slytherin haviam perdido cinqüenta pontos cada na Competição entre as Casas. Depois disso, Hermione brigara novamente com Ron, pois ela criticara o comportamento dos meninos de Gryffindor e ele ficara profundamente zangado com a sua incompreensão. Afinal, o juiz tinha roubado!

Harry não conseguira encontrar nada de positivo para se concentrar, mas, de alguma forma, continuava evoluindo nas aulas de Oclumência. Às vezes, conseguia barrar Dumbledore e até contratacar com um feitiço de proteção Protego e ver cenas na mente do Diretor. Este o repreendia com seu jeito manso, dizendo que ele precisava desenvolver mais o seu lado positivo.

Aquelas aulas o tornavam cada vez mais perceptivo. No entanto, aparentemente ele estava utilizando forças das trevas para isso.

~*~*~

Estava ficando cada vez mais poderoso. Podia sentir que bloqueava o velho mago e, ao fazê-lo, conseguia penetrar em sua mente. Era mais ou menos como entrar em uma penseira.

Dumbledore se aproximando de alguém caído à entrada do castelo. O vulto caído, todo vestido de negro, se contorcia, tentando levantar-se. Em suas mãos, uma máscara.

Agora Harry conseguia distinguir-lhe o perfil.

- Severus - disse Dumbledore, ajoelhando-se junto a seu corpo. - Mobilicorpus!

Dumbledore levou Snape, não para a enfermaria, mas para seus aposentos, deitando-o em sua própria cama.

Tudo ficou negro, e Harry recuperou, por um breve instante, a consciência do momento atual, mas... ele queria ver mais. Ouviu-se dizer, e estranhou a própria voz ao fazê-lo:

- Legilimens.

Dumbledore fechou os olhos, entregando-se ao poder do mago mais novo.

Agora Snape estava acordado, sentado na cama, e Dumbledore sentado a seu lado, em uma cadeira.

- O que aconteceu, meu menino?

- Ele... ele acha que eu sei o resto da profecia. Tentou entrar em minha mente e descobrir.

- E então?

A expressão de Snape era carregada de dor. Algo como um soluço saiu de sua garganta, como que vindo do fundo de sua alma. Era assustador ver o mago naquele estado tão vulnerável e se esforçando ao máximo para se recompor.

Dumbledore se aproximou dele e abraçou-o pelos ombros, puxando-lhe a cabeça contra o peito.

- Severus...

- Albus, eu não sei se eu consegui esconder dele *que eu sei*. Porque não foi fácil esvaziar a mente para que ele conseguisse entrar sem obstáculos e *não visse nada*.

- Então ele não conseguiu arrancar de você o que queria?

- Não. Acho que não. - Snape se deixava ficar assim, com a cabeça apoiada contra o corpo de Dumbledore. - Ele usou Imperius e Cruciatus também, só para praticar. - Então Snape recuou a cabeça e fitou Dumbledore com olhos de mágoa. - Agora que aquela bola com a profecia se quebrou, eu sou a última esperança que ele tem de recuperar o seu conteúdo. Eu disse a você para me aplicar um Feitiço do esquecimento. Para quê eu preciso saber essa maldita profecia? Não é melhor...

- Severus, Feitiços do esquecimento não são para ser aplicados a toda hora. E você precisa estar informado do máximo de detalhes para tomar as decisões corretas sempre que preciso.

Harry ainda tinha os olhos fixos sobre o rosto carregado de dor de Snape quando as imagens começaram a se esvair.

Saindo da mente de Dumbledore, Harry o encarou com um olhar fulminante.

- Isso... isso é desumano! Por que você o faz passar por isso?

Dumbledore baixou a cabeça. Harry saiu do escritório do Diretor, batendo a pesada porta de carvalho.

~*~*~

Naquela noite, Harry dormiu muito mal. Os não tão raros pesadelos se intensificaram, com a diferença de que, agora, Snape era a vítima constante de Voldemort. Ou, pior ainda, de Dumbledore.

Que me importa que ele seja torturado? perguntava-se Harry, e um arrepio lhe percorria o corpo. Ele é o canalha feio e seboso.

Feio e seboso. Aquilo era tão insignicante, tão infantil perto do que Snape estava enfrentando. Que importava que ele fosse feio ou seboso?

Mas ele é sádico.

O que sabia Harry da história de Snape? Muito pouco. Mas esse pouco que sabia... a cena do garoto vendo a mãe acuada pelo talvez pai... sozinho no quarto enfeitiçando moscas... sendo ridicularizado por uma garota por não saber voar; a cena da penseira, em que seu pai e os amigos de seu pai humilhavam-no e faziam o que queriam com ele e, agora, a cena com Dumbledore... tudo, mas tudo mesmo, revelava extremo sofrimento. Ele mesmo, Harry, não seria sádico se a sua vida contivesse apenas aquelas memórias dilacerantes?

Só porque eu só vi cenas em que ele era vítima, não quer dizer que ele não tenha também sido o carrasco em outros momentos.

Talvez se ele pensasse que Snape havia sido um mago muito, mas muito mau, que, quando Death Eater, havia matado e comido criancinhas e velhinhas, conseguisse não se importar com tudo o que agora sabia.

Talvez.

~*~*~

Tendo dormido muito mal e estando especialmente mal-humorado com tudo, Harry passou o dia todo em estado quase catatônico. McGonagall quase perdeu a paciência com ele na aula quando a mesa que ele devia transformar em coruja se transformou em um Diricawl. A professora de Transfiguração não queria acreditar que aquilo fora involuntário, porque a operação de transfigurar algo em um Diricawl era extremamente complexa: o Diricawl era um animal muito esquivo.

Foi quase como um zumbi que Harry se apresentou a Snape para a aula de Recuperação em Poções.

- Sr. Potter. Suas façanhas estão correndo o mundo! Aparentemente, tendo vivido muito tempo entre os Muggles, o senhor veio a acreditar na extinção do Didus ineptus, e resolveu agora ressuscitá-lo?

- Ahn?

- Esqueça, Potter. Já perdi a esperança de conseguir rebaixar o meu vocabulário a ponto de ser compreendido por uma mente tão banal e oca quanto a sua. É sintomático que você tenha escolhido um pássaro absolutamente incompetente, como diz seu próprio nome latino: "dodô inepto".

Harry cerrou a mão com força e fuzilou Snape com os olhos. Mas, quando ia retrucar algo arrasador, as palavras lhe pararam na garganta. No fundo dos olhos vazios de Snape, ecos dos pesadelos da noite ressoaram-lhe na mente.

- Professor... Eu sinto muito. Eu sei como o senhor se diverte me humilhando. E eu não queria agora lhe tirar essa diversão. Mas eu não consigo mais odiá-lo. Não vai mais ter graça para o senhor vir para cima de mim com essas suas tiradas fulminantes. Não me atinge mais. - Harry o encarou com decisão. - Eu não o odeio mais.

Snape estreitou os olhos, revelando profundo espanto.

- O que...

Milagre dos milagres, ele deixara Snape sem palavras. Ao menos por um instante.

- Potter - conseguiu, enfim, falar o professor. - O que aconteceu? Por que disse isso?

- Porque é a verdade. Sinto muito. Mesmo.

Por um segundo, parecia que Snape ia agarrá-lo, sacudi-lo, torturá-lo, obrigá-lo a contar o que havia por trás daquela mudança. Mas, logo, o professor se recompôs, empertigou-se e, talvez para ganhar tempo, foi apanhar um livro na estante.

Quando se voltou novamente na direção do aluno, sua expressão não revelava mais nenhuma emoção.

- Muito bem. Vamos ao seu exercício de hoje.

~*~*~

Na aula de Recuperação seguinte, Harry encontrou Kai junto ao caldeirão de Snape.

- Olá, Harry - disse o menino Navajo.

- Olá, Kai.

Snape se aproximou de Kai e segurou-lhe a mão com que este movia a colher.

- Amanhã continuamos, está bem?

Com cuidado, apoiou a colher contra a parede interna do caldeirão.

- Obrigado, Kai.

Abrindo seu sorriso estonteante, Kai abraçou o professor. Este acariciou-lhe os cabelos em um gesto um tanto desajeitado, mas afetuoso.

- De nada! - Kai se afastou um pouco. - Até amanhã, então, professor.

E Kai saiu quase correndo do laboratório.

Harry ficou fitando Snape, pasmo.

- Sr. Potter, o seu queixo está encostando no chão das masmorras. Por favor, recolha-o.

Harry sacudiu a cabeça, sem conseguir se refazer da surpresa.

- O senhor... gosta dele!

- E qual é o problema? Acha que eu sou incapaz de sentimentos humanos? É isso? Pois, uma vez mais, o senhor está enganado a meu respeito.

Uma estranha sensação se apossou de Harry. Não, não era, não poderia ser ciúme de Kai. Se não era ciúme, porque, de repente, ele se sentia como se... como se quisesse descobrir como era ser alvo do afeto de Snape?

~*~*~

Não odiar mais Snape, no entanto, não o ajudava em nada. O futuro continuava pesando sobre Harry como um bloco de chumbo gigantesco, e totalmente negro. Era-lhe cada vez mais difícil achar ânimo para levantar da cama de manhã; todavia, à noite, também era difícil achar ânimo para ir se deitar, pois, infalivelmente, os pesadelos o perseguiam.

Em profunda depressão, Harry só conseguia se animar quando elaborava um plano sinistro, de ir até o Departamento de Mistérios e... atravessar o véu. Era como se uma decisão estivesse se formando, aos poucos, em seu íntimo. Nada mais o prendia ao Mundo Mágico, nem a qualquer outro mundo que conhecesse. Os poucos elos que forjara com algumas pessoas não eram fortes o bastante para demovê-lo.

Esperou a chegada de um domingo em que os alunos dos anos superiores recebiam autorização para ir a Hogsmeade. À tardinha, Harry entrou na Floresta Proibida levando consigo pedaços de carne crua que pedira a Dobby que pegasse na cozinha. Logo, surgiram alguns Testrálias. Harry montou em um e colocando a capa de invisibilidade sobre si, ordenou:

- Ministério da Magia, entrada dos visitantes, Londres.

O Testrália alçou vôo rápida e verticalmente. Harry se agarrou com todas as suas forças e fechou os olhos. Atravessaram Hogwarts, depois Hogsmeade. O sol se punha. Logo, as luzes das cidades Muggle se espalhavam lá embaixo, como um reflexo das estrelas do céu. O vento frio chicoteava-lhe a pele, mas Harry não se importava. Para ele, aquela seria a última viagem.

~*~*~

O Testrália aterrizou bruscamente a poucos metros da cabine de telefone que dava entrada ao Departamento de Mistérios. Harry acariciou o pêlo do Testrália, despendindo-se, e seguiu rumo à cabine. Entrou nela, e discou seis dois quatro quatro dois.

A voz fria e feminina ressoou lá dentro:

- Bem-vindo ao Ministério da Magia. Diga o seu nome e o assunto.

- Harry Potter, vim fazer uma visita ao Departamento de Mistérios.

- Muito obrigada - respondeu a voz. - Visitante, coloque o seu crachá na frente da roupa. Você deve se submeter a uma revista e apresentar a sua varinha para registro na seção de segurança, localizada aos fundos do Átrio.

- Certo! - disse Harry em voz alta. - Posso ir agora?

O piso da cabine telefônica vibrou e começou a descer rumo aos porões do Ministério da Magia. Uma luz dourada suave tocou seus pés e subiu, espalhando-se por todo o seu corpo. O Átrio parecia completamente vazio, mais uma vez.

- O Ministério da Magia lhe deseja uma boa noite - disse a voz da mulher.

A porta da cabine se abriu. Harry vestiu a capa de invisibilidade e saiu.

Tudo estava como antes, exceto pela ausência do monumento à Irmandade Mágica Magical Brethren, destruído no ano anterior. Harry passou pelos portões dourados e seguiu direto aos elevadores. Apertou o botão de descida de um deles, que chegou quase de imediato. As grades douradas se abriram. Harry apertou o botão de número nove; as portas se fecharam ruidosamente.

A voz feminina disse "Departamento de Mistérios" e as grades se abriram. Harry saiu ao corredor, totalmente deserto, e seguiu na direção da porta negra. Adentrou a grande sala circular, em que tudo era negro, inclusive as doze portas misteriosas. O piso circular da sala girou, levando consigo as velas que a iluminavam.

A primeira porta que Harry tentou, levava ao Salão das Profecias. Não era isso o que ele estava procurando, desta vez. Que ironia.

A segunda, era a do cérebro. Maldita falta de sorte!

A terceira porta era, enfim, a que levava ao salão amplo, mal iluminado e em forma de anfiteatro em volta de um poço em cujo centro havia um palco de pedra com um arco em ruínas, coberto por um véu negro esfarrapado.

O véu tremulava e balançava.

Harry atravessou as arquibancadas e chegou ao fundo do poço de pedra. Seus passos ecoavam no anfiteatro. O véu, oscilando, atraía-o como um íma. Era como se viesse uma música dali. Como se as vozes dos mortos o chamassem. Harry se aproximou ainda mais, e parou, quase encostando no véu. Aquilo era tão belo e fascinante, quase irresistível. Fechou os olhos.

~*~*~

Antes mesmo de abrir os olhos, percebeu que havia algo de estranho. Onde estaria? Havia algo úmido em sua testa. Abriu os olhos devagar, e a imagem que se formou não o ajudou em nada a entender o que se passava: uma cortina de cabelos negros, um tanto... sebosos. Depois o rosto abatido, envelhecido, de seu não mais odiado professor de Poções. Tentou se erguer.

- Ahn... O que aconteceu? Eles torturaram você? Você está ferido? - perguntou Harry, alarmado.

Snape segurou-lhe os ombros, fazendo-o deitar-se outra vez.

- Como? - perguntou Snape, sem entender nada.

Harry olhou ao redor. Estava deitado em um sofá, em uma sala em estilo burocrático, com escrivaninhas e armários.

- Onde estou?

- No Ministério da Magia, Potter.

De repente, se lembrou. Deu um gemido queixoso.

- Então... eu não atravessei o véu.

- Creio que não, Potter. Eu, pelo menos, não atravessei véu algum.

Pelo menos aquele era, de novo, o velho Snape. Isso o tranqüilizava, de alguma forma, porque, ainda há pouco, a expressão do professor o deixara apavorado. De resto, seu mundo parecia ter desmoronado uma vez mais.

- Eu sou mesmo um idiota, um incompetente, o senhor tem razão. Nem isso eu sei fazer.

Snape fez um gesto de profunda irritação, sacudiu a cabeça e não disse nada.

- Como sabia? - perguntou Harry. - O senhor me salvou, outra vez?

Snape deu um sorriso amargo.

- Oh, não. Há uma maldição pairando sobre mim que diz que eu jamais conseguirei salvá-lo, mesmo estando sempre em condições de fazê-lo. Na hora H, algo acontece, alguém aparece e o salva primeiro, ou alguém põe fogo nas minhas roupas, qualquer coisa, por mais absurda que seja. Tudo para que eu nunca possa saldar a minha dívida.

Ele parecia mesmo desconsolado. Se não estivesse tão arrasado, talvez Harry risse. Ou não. Na verdade, sentia um louco impulso de confortá-lo.

- De minha parte, eu não considero que me deva nada.

- A sua opinião não importa em nada, nesse caso - disse Snape, com sua rispidez habitual.

Harry sorriu. Já estava acostumado com aquilo.

- O que aconteceu, então?

- Eu estava aqui por pura coincidência. Os pais de Kai me chamaram aqui para que eu lhes desse algumas informações para o projeto que estão desenvolvendo. Foi a mãe de Kai que o encontrou desmaiado junto ao véu. Nós o trouxemos para a sala em que eles trabalham. Ela é vidente. Examinou você e disse que estava em perfeitas condições, e que em menos de uma hora despertaria. Assim, foram embora e o deixaram sob meus cuidados. Estava esperando que despertasse para levá-lo de volta a Hogwarts.

- Então eu... vacilei na hora H. Sou mesmo um covarde.

Snape fez uma careta indecifrável. Parecia cheio de ódio e dor ao mesmo tempo. Depois respirou fundo, como que tentando se conter. Em seu tom mais baixo e ameaçador, mas com a voz levemente trêmula, o mestre de Poções falou:

- Você se engana. É preciso mais coragem para ficar do que para ir.

E Harry se lembrou, uma vez mais, de tudo o que Snape estava passando como espião. Sentiu-se profundamente envergonhado, e calou-se. Os dois se entreolharam por um longo instante, e o ar entre eles parecia vibrar, carregado de emoção contida.

Snape quebrou a magia do momento:

- Acha que já está em condições de se levantar?

- Eu estava tentando fazer isso, mas o senhor me impediu.

- Você estava se levantando muito rápida e descuidadamente.

- Ora, a vidente não disse que eu estava em perfeitas condições?

Snape bufou e não disse nada.

- Ah, o senhor também não acredita em videntes - disse Harry.

- Se acha que pode se levantar, faça-o. Mas devagar.

Snape retirou a toalha molhada da testa de Harry com uma mão e lhe estendeu a outra. Agarrando-se a ela, Harry se sentou. Estava ótimo. Não sentia nem sequer tonturas. Jogou as pernas para fora do sofá e, ainda segurando a mão de Snape, se levantou.

Vendo Harry andar com firmeza, Snape foi até um bebedouro e serviu um copo de água, estendendo-o ao aluno.

Harry tomou a água devagar.

- Como foi que veio para cá, Potter?

- De Testrália.

- Ah. Vamos ter de voltar os dois nesse seu Testrália, porque eu não vou deixar você voltar sozinho depois de um desmaio.

Harry deu de ombros.

- Nós dois juntos somos mais magros do que muita gente. Acho que ele agüenta.

Snape estendeu a capa de invisibilidade a Harry.

- Vista isso e me acompanhe. Não saia de perto de mim.

Saíram a um amplo corredor e seguiram rumo aos elevadores. Snape passou pelo balcão da segurança e entregou seu crachá. Logo, a cabine os devolvia à calçada lá fora. Saindo de trás de um caminhão, o Testrália que levara Harry até lá se apresentou a ele.

Snape o ajudou a subir no Testrália, e depois subiu ele próprio, instalando-se bem junto a Harry, atrás dele. Ajeitou a capa da invisibilidade para cobrir todo o corpo do mago mais novo. Com uma das mãos, Snape se segurava ao Testrália. A outra ele passou ao redor da cintura de Harry, puxando-o contra si com firmeza.

- Portões de Hogwarts - disse Snape ao Testrália, que decolou sem demora.

Depois dos sustos da decolagem, Harry relaxou um pouco. O contato do corpo do professor às suas costas era perturbador e... delicioso. Harry não se lembrava da última vez em que estivera tão perto fisicamente de uma pessoa. O calor irradiando por suas costas, e aquele braço ao redor de sua cintura lhe davam vontade de gemer de prazer. Mas não ousaria fazer isso, pois nesse caso Snape recuaria. À medida que o Testrália estabilizava o vôo, Harry se deixou recostar no corpo do professor, fingindo dormir. Encostou a cabeça junto ao tórax de Snape. Este não recuou. Ao contrário. Em determinado momento da viagem, Harry sentiu que o professor encaixava o rosto em seu ombro de leve, mergulhando o nariz em seus cabelos e aspirando profundamente, como se querendo absorver-lhe o cheiro e guardá-lo para sempre em sua memória. Pelo menos era isso o que Harry queria pensar que Snape estava fazendo.

E, ao pensar nisso, Harry sentiu seu membro enrijescer. Ainda bem que a capa da invisibilidade o ocultava. Não queria pensar no que Snape diria ou faria se notasse. Ou na razão pela qual ficar perto de Snape provocava-lhe tal reação. Será que seus sentimentos pelo professor haviam mudado ainda mais do que notara?

Quando desceram junto ao portão de Hogwarts e o Testrália partiu, Harry tirou a capa só do rosto, e encarou Snape.

- Professor, por favor, não conte ao Diretor.

Snape o segurou com força pelos ombros.

- Você me deu um susto terrível esta noite, Potter. Nunca mais faça isso outra vez, está entendendo?

Assustado com a veemência de Snape, Harry assentiu. Snape o soltou.

- Cubra de novo o rosto e me acompanhe. Vou escoltá-lo até a escada de Gryffindor. De lá você vai direto para o seu dormitório - ordenou ainda Snape.

Harry assentiu de novo e obedeceu. No caminho, sob a capa, ele sorria. Snape não tentara humilhá-lo, não havia dito que ele era irresponsável porque pensara em abandonar o Mundo Mágico à sua sorte, nada disso. Apenas dissera "você me deu um susto terrível". Como se se importasse com ele.

Que estranha noite. Quase tentara se matar, e agora descobria que talvez, apenas talvez, Snape se importasse com ele.

 

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Ptyx, Julho/2004