PARTE 1 - Sangue-Puro

 

A plácida expressão do garoto não tranqüilizava Severus Snape. A brancura da pele revelava os vários meses sem ver o sol.

- Poppy?

- O que é, professor?

- Ele não evoluiu nada nos três meses em que está aqui, não?

- Infelizmente, creio que não. Só está mais pálido e bem mais magro.

Severus se sentia culpado por não ter dedicado mais tempo ao aluno de sua Casa, mas haviam sido tempos difíceis: Umbridge dominando Hogwarts, o Lord das Trevas se inserindo nos sonhos de Harry Potter, a disputa pela profecia no Departamento de Mistérios.

A história toda ainda não fora totalmente esclarecida. Primeiro, Montague desaparecera. Umbridge fora avisada e mandara Filch e os monitores de Slytherin efetuarem buscas. Montague só aparecera duas semanas depois, preso em uma privada do quarto andar.

Aquilo deixara Snape profundamente revoltado. Tendo sido ele próprio vítima de abusos quando criança, não aceitava a idéia de que um de seus alunos pudesse passar pelos mesmos sofrimentos. Porque tudo indicava que aquilo havia sido uma brincadeira de mau gosto.

Brincadeira! Três meses depois, o garoto não se recuperara. Parecia entender o que lhe diziam, mas tinha dificuldade para se expressar. E parecia em profunda depressão. Não se animava sequer a sair da cama. Na verdade, apresentava também problemas de coodenação motora. Aquilo era um crime, e o criminoso continuava impune.

As férias de verão estavam se iniciando. Snape pedira ao Diretor permissão para passá-las em Hogwarts. Queria aproveitar o tempo para desenvolver certas pesquisas em Poções. No dia seguinte, Pomfrey sairia de férias, e Montague não teria com quem ficar. Snape decidira que se encarregaria do garoto. Naturalmente, com a ajuda de elfos domésticos.

- Poppy, quando ele acordar, dê-lhe o almoço e depois me chame, por favor. Vou ver se consigo levá-lo a passear lá fora. Ele está muito pálido, precisa tomar um pouco de sol.

~*~*~

Saindo da enfermaria, Severus foi direto à sala do Diretor.

- Caramelo de Escaravelhos Explosivos!

A gárgula despertou e pulou para o lado; a parede se abriu, revelando a escada de pedra que subia como um elevador em espiral. Snape adentrou a escada e foi conduzido até a porta de carvalho que... já estava aberta.

- Severus, que surpresa em vê-lo!

Como se eu não o conhecesse, Albus. Como se não soubesse que você estava me esperando, e que já sabe o que vou lhe dizer.

- Albus, eu vou direto ao assunto. Montague ainda não se recuperou. Não é possível que ninguém se preocupe com o que aconteceu, que ninguém investigue para encontrar o culpado! Só ele pode nos dar uma indicação do que aconteceu com ele e de como poderíamos tentar curá-lo. E o culpado tem de ser exemplarmente punido!

- Sente-se, Severus.

- Albus...

- Acalme-se. Eu concordo com você. - Com relutância, Snape se sentou diante da escrivaninha do Diretor. Este o fitou com um ar de aprovação. - Quando isto aconteceu, Umbridge estava no comando. Agora já faz mais de três meses do ocorrido. É muito mais difícil encontrar provas, fazer inquéritos.

Snape se levantou de imediato.

- Se você estivesse empenhado, o culpado teria sido encontrado. Chame Potter e o interrogue. Aposto que ele sabe quem foi.

- Não se esqueça de que todos são inocentes até que se prove o contrário, Severus. E vamos supor que eu chame Harry aqui e lhe pergunte se ele sabe quem foi o culpado. E se ele simplesmente negar? O que você propõe que eu faça?

- É claro que ele vai negar! Quando é que esse pirralho falou a verdade, Albus? Mas para o que é que serve o Veritasserum?

- Severus! - Dumbledore se levantou de súbito e fitou o mago mais novo com espanto. - Vou fingir que não escutei o que acaba de me dizer. Está sugerindo que eu use de métodos excusos para fazer um aluno confessar?

Snape fuzilou o Diretor com os olhos.

- Ah, você é sempre tão justo, tão correto. A bondade em pessoa. Mas se fosse um Slytherin, não teria tantos pudores, não é? Quantas vezes você não usou Legilimency comigo?

Por um instante, Dumbledore baixou os olhos. Quando os ergueu de novo, havia um brilho diferente neles, um brilho que não transmitia o mesmo espírito jovial de sempre. Toda a expressão do velho mago parecia refletir culpa e dor.

- Muitas vezes, Severus, eu tive de seguir caminhos que não eram os mais corretos, em nome de algo em que acreditava. No seu caso, em nome do afeto que eu tinha por você e que sabia que era correspondido, apesar do fato de que tudo o que você dizia e fazia o negasse.

Snape estreitou os olhos, fazendo uma careta de profunda dor. Canalha manipulador. Ainda hoje você sabe exatamente como me atingir. Mas eu não vou me dobrar.

- Precisamente. Quando lhe interessa, você está disposto a quebrar essas suas malditas regras de justiça. Mas entre Montague e o Garoto de Ouro, Montague não tem chance alguma. Por que é que isso me lembra do que acontecia comigo e os seus queridos James, Peter, Sirius e Remus? - Snape dizia o nome de cada um de seus arqui-inimigos em tom afetado, por entre os dentes.

- Acho que eu já paguei por isso tudo em cêntuplos, meu menino. Quase perdi você, e até hoje tenho de vê-lo sofrer em conseqüência disso.

Snape sacudiu a cabeça, inconformado.

- Albus, você está fazendo tudo de novo do mesmo jeito, protegendo esse menino egoísta e indisciplinado. Não quero mais ouvir essas suas falsas lamentações.

Dumbledore saiu de trás da escrivaninha, contornou-a, e segurou os ombros de Snape com delicadeza.

- Não se preocupe, Severus, seu aluno vai ficar bom. Eu vou vê-lo ainda hoje, e depois falo com você de novo.

Seu aluno. É assim que ele vê os alunos de Slytherin. Não são alunos dele. São os *meus* alunos.

~*~*~

De fato, o Diretor o chamara naquela mesma noite e lhe sugerira uma poção derivada de suas teses sobre os "doze usos do sangue do dragão". Era uma poção complexa, que deveria estimular magicamente certas áreas do cérebro. Mas como não se sabia exatamente qual era o problema de Montague, os resultados eram imprevisíveis.

Dumbledore deixara-o passar as férias em Hogwarts, e dissera-se feliz com a idéia, já que ele mesmo também permaneceria ali: "vamos nos divertir um bocado juntos", dissera.

Durante todo o período de férias, Montague permaneceu na ala hospitalar. Snape levara uma semana para preparar a poção. Mesmo durante aquela semana, todos os dias Snape o visitava e o levava a passear.

Quando a poção ficou pronta, Snape começou a ministrá-la a Montague regularmente. No início, não notou nenhuma melhora. Um dia, no entanto, Snape o levou ao campo de Quadribol. De imediato, algo pareceu reviver dentro do menino, agora já com uma aparência mais saudável. Logo ele demonstrou interesse em praticar, e Snape passou a treinar com ele.

~*~*~

No final de julho, chegaram a Hogwarts as notas dos NEWTs e OWSs dos alunos. Na sala dos professores, Snape percorreu com os olhos as listas com as notas de Poções. Hermione Granger, é óbvio, tirara O. Draco Malfoy também. Aha. Harry Potter tirara E. Maravilha. Não precisaria mais ter de suportar a presença do Garoto de Ouro em sua classe.

- Severus?

- Minerva? Já voltou de férias?

- Passei por aqui para conversar com o Diretor. Vejo que está com a lista das notas dos OWLs.

Severus Snape limitou-se a arquear uma sobrancelha para a Vice-Diretora, intrigado. McGonagall se sentou a seu lado na ampla mesa de carvalho.

- Severus, não sei se você sabe, mas Harry Potter manifestou interesse em seguir a carreira de Auror.

- Não sei de nada, Minerva. Nesse caso, ele deveria ter-se esforçado mais para alcançar uma nota melhor em Poções.

- É exatamente esse o problema. Ele passou em todas as matérias requeridas com nota suficiente para os professores responsáveis o aceitarem. Mas o seu padrão de exigência é muito elevado, Severus.

- Essas são minhas regras, e eu venho implementando-as há quatorze anos. Não vou mudá-las por causa do Garoto de Ouro dos Gryffindors.

- Não há nada que eu possa fazer para que mude de idéia?

Snape estreitou os olhos, e deu um sorriso irônico.

- Veio me subornar, Minerva?

McGonagall se empertigou, fingindo-se ofendida. Snape sacudiu a cabeça.

- Se eu o deixar passar, vou ter de deixar todos os que tiraram "E" passar também.

- Mas nem todos que tiraram "E" querem cursar Poções.

Snape passou os olhos rapidamente pela folha.

- Outros cinco estudantes tiraram "E". Dois Hufflepuffs, uma Ravenclaw e, da sua Casa, Ron Weasley e Neville Longbottom. Oh, não. Longbottom! Não, Minerva, você não espera que eu o aceite em minha classe de NEWTs! - Havia um brilho divertido nos olhos de Snape.

- Neville é muito bom em Herbologia. Seria uma pena que não pudesse desenvolver suas habilidades ficando fora das aulas de Poções. Como você sabe, Poções e Herbologia são indissociáveis.

- Ah, mas não foi por Longbottom que você veio pedir. Foi pelo Garoto Que Sobreviveu.

- Confesso que não havia pensado no caso de Neville. Mas agora vejo que o problema dele vem reforçar o meu pedido.

- E o que você tem a me oferecer, Minerva? Não pense que vou aceitar barganhas quanto aos pontos das Casas. Você e eu sabemos que esses pontos são uma ficção, que no fim quem decide tudo é Albus. E ele sempre rouba em favor dos Gryffindors.

- Severus! - McGonagall fingiu-se chocada.- Muito bem. Eu... já conversei com Albus a respeito... do que vou lhe propor.

Snape meneou a cabeça.

- Sim?

- O Monitor Chefe deste ano pode ser da sua Casa.

Snape arqueou uma sobrancelha.

- Aha! Isso é deveras interessante. Flitwick e Sprout, naturalmente, vão ter de aceitar, já que a escolha é do Diretor... - Snape olhou para McGonagall com cara desconfiada. - Não foi o velho intrometido que mandou você me propor isso, foi?

- De jeito nenhum. Eu assumi um compromisso com Harry de lutar até a última das minhas forças para fazê-lo um Auror.

- Rá! Se não se arrependeu ainda, Minerva, vai se arrepender disso logo, logo! Certo. Claro que o velho tolo, que baba pelo seu menino de ouro...

- Severus!

- ... deve ter achado uma maravilha a sua idéia. Muito bem. Axel Lescaux dará um ótimo Monitor Chefe.

McGonagall assumiu uma expressão surpresa.

- Axel? Pensei que você escolheria Gorm, ou Estevez.

- Porque eles vivem puxando meu saco? Oh, Minerva, sinto que me tenha em tão baixa conta. E que você não entenda o senso de hierarquia de Slytherin. Lescaux tem personalidade, não é só um bajulador.

- Não seja tolo, Severus. Não é isso. É que Axel é bom aluno, inteligente. Personalidade forte. Mas não é um líder dentro de Slytherin.

O rosto de Snape assumiu tons sombrios.

Draco é um líder, mas espero que não venha a ser Monitor Chefe em seu sétimo ano. Que Salazar me perdoe, mas eu prefiro até um Gryffindor nessa função a Draco. A não ser que ele mude muito, mas... não tenho grandes esperanças.

Snape suspirou e recuperou seu ar sarcástico.

- Axel não é um líder, mas saberá se impôr. Inclusive entre os seus leõesinhos.

Os dois professores encararam-se longamente. McGonagall ergueu ambas as sobrancelhas.

- E então?

- Eu... gostaria de incluir um outro item em nosso acordo, Vice-Diretora - disse Snape, em um tom falsamente polido.

- Vocês Slytherins não se contentam com pouco, não?

- O que vou pedir agora não é para mim. É para o próprio bem dele. Quero que você... não interfira nas punições que eu venha aplicar a Harry Potter. Ele não está à altura da minha classe de NEWTs, e precisa dar duro para recuperar. Quero que me dê carta branca para que eu possa colocá-lo nos trilhos.

- Severus, você só pensa em torturar o menino? Harry não é James, quando você vai se convencer disso?

- Não me venha com essa lenga-lenga. O garoto é indisciplinado, preguiçoso e egoísta. Se vou ter de tolerá-lo em minha classe, quero poder lidar com ele do meu jeito.

- Oh, Merlin! Espero que eu não venha a me arrepender de ter fechado esse acordo com você.

Severus Snape empinou o queixo e estampou o sorriso mais sarcástico de seu repertório.

~*~*~

Durante todo o período de férias, o Lord das Trevas o chamara apenas uma vez. A reunião contara com a presença apenas do círculo de assessores mais íntimos e, como sempre, não fora nada agradável. A grande dúvida era: como libertar de Azkaban Lucius Malfoy e os outros Death Eaters presos na batalha do Departamento de Mistérios? A ala mais violenta dos Death Eaters pregava um ataque direto. A ala mais política recomendava uma fuga secreta, obtida através de meios excusos, tipo... suborno mesmo. A divisão era profunda, e a decisão fora adiada. Alguns membros haviam sido destacados para realizarem sondagens específicas. A Snape, devido à sua reclusão em Hogwarts, não fora atribuída nenhuma missão referente a essa operação.

Assim, apesar das ameaças pairando no horizonte, Snape pudera, até certo ponto, descansar em suas férias. Descansar, trabalhar em algumas pesquisas há muito estagnadas e treinar Quadribol com Montague, com quem já conseguia ter conversas com um mínimo de sentido. Mas o menino não estava ainda pronto a voltar às aulas e ao convívio com os demais alunos.

~*~*~

Chegara - cedo demais, como sempre, na opinião de Snape - o dia da volta às aulas. Fechado em suas masmorras, Snape não vira a chegada dos botes ou dos Testrálias puxando as carruagens. Tentara aproveitar seus últimos minutos de sossego fazendo algumas anotações referentes a uma de suas pesquisas em andamento para a confecção de uma poderosa poção que, se tomada previamente, atenuava certos efeitos do Cruciatus. Chegara, no entanto, o momento de início da Cerimônia de Seleção. Snape vestiu seu manto e abriu a porta de seus aposentos, adentrando a escuridão dos corredores.

Não havia ainda estudantes no Grande Salão quando Severus Snape entrou. Akhmatov, o misterioso novo professor de Defesa contra as Artes das Trevas, importado de Durmstrang por um ano, estava sentado ao lado da cadeira que deveria ser ocupada por McGonagall, à direita de Dumbledore. Snape retribuiu secamente à saudação de Akhmatov, apenas meneando a cabeça, e apossou-se da cadeira vaga à esquerda de Dumbledore.

- Bem-vindo, Severus!

- Diretor.

Um forte alarido anunciou a chegada dos alunos. Ao entrarem, todos, mesmo os dos anos mais avançados, ergueram os olhos para o teto do Salão, embevecidos diante do céu estrelado. Em seguida, os grupos de cada Casa começaram a se sentar em suas respectivas mesas.

Os olhos de Snape percorreram o salão e, por fim, fixaram-se na mesa de Gryffindor, encontrando os de Harry Potter. Por um longo instante, os dois se fitaram, estudando-se mutuamente.

Então McGonagall entrou com os primeiranistas, e a cerimônia de Seleção se iniciou.

Elmer Albee, Hufflepuff; Mary Armstrong, Gryffindor; Sidney Austin, Gryffindor; Angela Azpilcueta...

- Slytherin!

Os alunos de Slytherin aplaudiram ruidosamente Angela, que pulou do banquinho e se aproximou da mesa de sua casa. Todos apertaram sua mão, indicaram-lhe uma cadeira e então apontaram para Snape. Este a saudou com um gesto de cabeça.

Martha Barnes, Ravenclaw; Paul Caines , Gryffindor; Igor Cesko, Ravenclaw; Kai Clauschee...

- Slytherin!

E um menino de pele morena avermelhada e olhos levemente repuxados abriu um sorriso de dentes brancos e cintilantes. Um arrepio percorreu a espinha de Snape. Kai Clauschee. Que nome estranho. Um índio norte-americano, talvez. Aquilo era algo inédito! E a expressão do menino! Aquela alegria, aquela inocência! Por que Slytherin?

Kai Clauschee chegou junto à mesa e todos o encararam com absoluta perplexidade. Axel adiantou-se para saudá-lo. Alguns Slytherins o imitaram, outros - entre os quais Draco - olharam para a mesa dos professores, em busca de aprovação do chefe de sua Casa. Snape fez um gesto de cabeça, com certa exasperação, e todos passaram a saudar o estranho menino com mais ânimo.

Snape voltou o rosto para o Diretor, a seu lado. Este o encarou com seus olhos azuis cintilantes.

- O menino é Navajo. Os pais dele vieram trabalhar no Departamento de Mistérios; não preciso dizer que... em um projeto secreto. Não se sabe quanto tempo eles ficarão aqui e, como ele completou onze anos em junho...

- Um Navajo!

- Não se preocupe, Severus. Ele tem sangue puro. O pai e a mãe são bruxos.

- Ahaha! Sangue puro. Um pele-vermelha.

Dumbledore fitou-o com severidade:

- Não o chame de pele-vermelha! É um termo que eles consideram ofensivo.

Snape olhou para o teto.

- Posso ser politicamente correto, se você quiser. Você sabe muito bem que não sou eu o problema. Há outros em minha Casa que não vão aceitá-lo como igual por causa da cor da pele dele.

Então Dumbledore levou a mão ao braço de Snape, apoiado sobre a mesa, e a apertou, rindo.

- Imagine só a cara de Lucius Malfoy se eu dissesse isso para ele: "Malfoy, o menino é sangue puro!"

Snape baixou a cabeça e ocultou-a com o outro braço. Iria ser muito desagradável se o vissem gargalhando na Cerimônia de Abertura.

Além de Kai e Angela, o chapéu indicou mais sete novos alunos para Slytherin.

~*~*~

Severus Snape entrou na Sala Comunal de Slytherin, onde seus nove primeiranistas o esperavam, junto com Draco, espalhados pelos sofás e cadeiras, na maior algazarra. Como apenas nove pirralhos podiam criar tanta desordem? Ao verem Snape entrar, contudo, dez pares de olhos fixaram-se nele, e todos, exceto Draco, se sentaram, assumindo uma postura bem-comportada.

- Draco, pode ir agora. Muito obrigado. Eu vou alterar a senha enquanto converso com eles porque não quero ser interrompido. Mas isso vai levar apenas uns quinze minutos.

- Certo, professor.

Enquanto Draco saía, Snape fez um gesto com sua varinha. Em seguida, escolheu uma cadeira e sentou-se junto aos alunos.

- Eu sei que vocês devem estar exaustos, que hoje foi um dia cheio de novidades para vocês. Não vou falar muito tempo, mesmo porque eu também estou cansado.

Kai abriu um sorriso enluarado. Um dos cantos dos lábios de Snape se curvou para baixo, na melhor imitação de sorriso que conseguia produzir.

- Eu queria dizer a vocês que devem se orgulhar de terem sido colocados em Slytherin. Mas que muitos alunos de outras Casas vão dizer a vocês o contrário, que Slytherin não é uma boa Casa. Não dêem ouvidos a eles. O mais importante, para quem é de Slytherin, é que permaneçamos unidos, e que defendamos o espírito de nossa Casa.

- Professor? - disse Carla Stark, uma menina loira, levantando a mão.

- O que é, srta. Stark?

- É verdade que todos os magos das trevas vêm de Slytherin?

- Não, srta. Stark, não é verdade. É exatamente esse tipo de afirmação que vocês devem repudiar. A força de nossa Casa depende de nossa união. Se algum aluno de outra casa agredir vocês, verbal ou fisicamente, e vocês não tiverem forças para repelir essa agressão, procurem algum aluno dos anos mais avançados. Entenderam?

- Professor, o que é repu... repudiar? E repelir? - perguntou Duane Kildare, neto de um Death Eater morto na guerra da década de 70.

Snape suspirou. A cada ano, o vocabulário dos primeiranistas era menor. Preparou-se para responder à pergunta, mas o menino Navajo se adiantou.

- O que o professor quer dizer é que, se alguém disser uma coisa ruim sobre a nossa Casa, a gente tem que dizer que isso está errado. E se a gente tiver algum problema e alguém estiver, vamos dizer, batendo em alguém de Slytherin e a gente não conseguir fazer ele parar, que a gente deve chamar um aluno mais velho pra ajudar.

Snape ergueu uma sobrancelha.

- Isso mesmo, Clauschee. Você é um bom tradutor.

O menino Navajo abriu outra vez aquele sorriso estonteante.

- É porque eu sei duas línguas desde pequeno, e muitas vezes tenho de ficar explicando as coisas para pessoas que não sabem uma dessas duas línguas! E sabe, professor, eu entendo muito bem o que o senhor está dizendo porque nós, Diné (ou Navajos, como vocês dizem), somos assim. Entre nós, não existe "eu". Tudo é "nós".

- Pois bem. É isso. O forte de nossa Casa é a união. E isso significa, também, que não deve haver divisões entre nós. Se alguém é de Slytherin, é dos nossos. Não importa se os pais dele são bruxos os dois, ou se são Muggles, ou se eles são meio-a-meio. Não importa se a pessoa é branca, preta, amarela, vermelha ou verde. - As crianças caíram na gargalhada. - Não importa se nasceu na Inglaterra ou na Tasmânia. Não importa se torce para os Wimbourne Wasps ou para os Chudley Canons. - Alguns trocaram olhares sugestivos entre si. - Não importa se é rico ou pobre. Não importa se é famoso ou desconhecido. - Não importa se é hetero, homo ou bissexual, pensou Snape com seus botões, mas não disse nada. Eles eram pequenos demais para que mencionasse isso. Mas mesmo que fossem os alunos do sétimo ano, ele não se arriscaria. Não iria acrescentar outro pretexto para perseguição aos muitos que já haviam para ser utilizados contra ele. - Não me interessa o que vocês dizem aos alunos de outras casas, mas aqui dentro eu não quero ver essas divisões. Eu não estou dizendo que vocês devem considerar os alunos de outras casas como inimigos. Não é isso. Apenas que a vida aqui dentro não é fácil para quem é de Slytherin, e que precisamos estar unidos. Espero que todos tenham entendido. Se tiverem algum problema, procurem os Monitores de sua Casa ou o Monitor Chefe. Se o problema for realmente grave, eles o encaminharão a mim.

~*~*~

Seria a primeira aula de Poções do sexto ano, com todos os alunos de todas as casas. Normalmente, as classes de sexto e sétimo anos não davam tanto trabalho quanto as dos primeiros anos. Ali estavam sempre os seletos alunos que haviam obtido a elevada nota exigida por Snape para seus alunos de NEWTs. Mas este ano...

Snape chegou alguns minutos antes da hora do início da aula e entrou na sala em silêncio, deslizando pelo chão. Parou junto à entrada. Uma cena aterrorizante o esperava: Draco Malfoy e Goyle - agora sem Crabbe, que não atingira a nota mínima, nem mesmo com o rebaixamento provocado pela admissão do Garoto de Ouro - enfrentavam heroicamente Harry Potter e Ron Weasley, em uma guerra de pragas e insultos.

- Quero ver você correr agora para a barra do manto do seu papai! - gritou Potter, agachando-se para se desviar de um Impedimenta. - Coitadinho do Draquinho, papai agora não pode mais salvar a pele dele. Papai está pagando por toda a sua arrogância e vai apodrecer em Azkaban.

Dando um meio passo para trás para ganhar impulso, Snape fez sua entrada dramática na sala. A cena de duelo congelou-se imediatamente. Aos poucos, cada um dos seus participantes tentou se recompor e chegar à cadeira mais próxima.

- Sr. Potter, Sr. Weasley, que belo modo de iniciar o ano. Detenção para os dois.

O rosto de Harry Potter ficou branco, e ele segurou-se na carteira.

- Por que só para nós de Gryffindor? Foram eles que começaram - ousou dizer, por entre os dentes.

- Sr. Potter, dez pontos menos para Gryffindor. E mais uma palavra e terá de se ver com Filch agora mesmo. O senhor e mais o Sr. Weasley, o Sr. Longbotton e a Srta. Abbott devem permanecer na classe ao final da aula.

Lá de seu púlpito, Snape podia ver Weasley, Granger e Potter cochichando. Provavelmente se queixando de quão injusto era o morcegão seboso. Maravilha. O ano começava muito bem.

- Hoje vamos estudar o preparo da Poção de Esculápio. - Snape sacudiu a varinha na direção do quadro-negro. - Os ingredientes a serem utilizados e o modo de preparo estão no quadro. Vocês têm meia-hora para preparar a poção.

Mais cochichos dos Gryffindors. Por que, oh, por que precisava haver uma Casa como Gryffindor? Snape nunca tivera problemas com os Hufflepuffs e os Ravenclaws.

A aula transcorreu sem maiores incidentes. Provavelmente com a ajuda da Srta. Granger, os Potter, e Longbotton haviam obtido um resultado mediano em suas poções. E a poção de Weasley ficara realmente boa. Sorte de principiante, provavelmente.

Quando o último aluno - Hannah Abbott - chegou junto à sua escrivaninha para lhe entregar a poção, Snape a guardou e levantou-se.

- Muito bem. Estão dispensados, todos, exceto os alunos que mencionei anteriormente.

A classe se retirou em atropelo.

- Sr. Potter, aguarde ao fundo da sala. Falarei com o senhor por último. Os demais, aproximem-se.

Com um gesto de impaciência e praticamente batendo os pés no assoalho, Potter dirigiu-se à última fileira. Hannah Abbott, que já estava lá na frente, limitou-se a esperar. Neville se aproximou, trêmulo. No rosto de Ron Weasley, uma expressão de preocupação e repulsa. Os três se reuniram diante da escrivaninha de Snape, que se sentara.

- Senhores, senhorita. Como sabem, não deveriam estar cursando esta matéria. Só o estão fazendo devido à intercessão da chefe da casa de Gryffindor. Mas isto não significa que eu os considere aptos e que vá deixar vocês se comportarem como se o fossem. Exijo de vocês uma dedicação especial a esta matéria. Caso não atinjam o nível do resto da classe, terão de cursar aulas de reforço. Portanto, apliquem-se. É só isto. Sr. Weasley, apresente-se às 20 horas em meu escritório para cumprir a detenção.

- Sim, senhor - disseram Longbottom e Abbott. Weasley limitou-se a franzir o nariz.

Os três se retiraram em silêncio, e Harry Potter se aproximou da mesa do odiado professor.

- Potter, a cena que eu presenciei quando entrei em minha classe, agora há pouco, não deve se repetir. Eu já agüentei demais a sua arrogância. Não admito que trate a nenhum dos alunos de minha Casa ou de outra Casa qualquer desta forma. O senhor não é especial, não é melhor do que ninguém.

- Escute aqui - respondeu Potter. - Malfoy...

Snape se levantou, em um gesto dramático.

- Cale-se - disse, em voz baixa, em seu tom mais perigoso. - Você estava explorando os sentimentos do seu colega, porque o pai dele está na prisão.

- O pai dele é um...

- Eu sei muito melhor do que você quem é o pai dele! Não é esta a questão. Dez pontos a menos para Gryffindor. Na minha classe não existe filho disso ou filho daquilo, está entendendo? Draco é um aluno, muito melhor do que você, aliás, e tem o direito de ser respeitado. - Snape saiu de trás da escrivaninha, contornou-a, e aproximou-se do aluno, assomando diante dele. - O senhor devia saber respeitar a situação de Draco, sendo, como é, filho de um notório covarde e canalha.

Os olhos de Potter se arregalaram e o sangue fugiu-lhe ao rosto. Um tremor de raiva o percorria enquanto fuzilava Snape com os olhos. Snape devolveu-lhe o olhar com um arrepio de prazer. Tinha o menino sob controle. Podia obter dele a reação que desejasse. Aquilo era extremamente divertido e excitante.

- Isso não é justo - resmungou Potter por entre dentes. - Não pode falar assim do meu...

- Menos vinte pontos, sr. Potter. Não se esqueça de me tratar por senhor, sempre que se dirigir a mim. E se não parar de questionar as minhas decisões, vou lhe dar detenção durante todas as noites da semana.

A expressão de Potter, agora, revelava toda a dor da impotência. Ah. Valia a pena ter de suportar o menino por esses raros instantes em que ele o tinha sob total domínio.

Potter já estava saindo, considerando-se dispensado, quando Snape o chamou de volta.

- Potter.

- O que é... senhor?

- A chefe de sua Casa me autorizou a aplicar todas as detenções necessárias a fim de emendar o seu comportamento. E ela será informada de seu comportamento lamentável de hoje.

Potter baixou a cabeça e saiu, praticamente se arrastando para fora da classe. Snape o viu sair, satisfeito por haver, mais uma vez, conseguido humilhar o menino e, ao mesmo tempo, com uma estranha sensação de vazio dentro de si.

 

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Ptyx, Junho/2004