Capítulo VIII - Uma Casa Torta



Eles seguiram montanha acima. Chegando ao topo, viram que se tratava, aparentemente, de uma casa em forma de cubo, com portas e janelas, mas sem telhado.

Aterrizaram.

- Alohomora! - gritou Sirius, e a porta se abriu.

Harry foi o segundo a entrar no cubo. Viu-se em um saguão de entrada, semelhante ao de Hogwarts: amplo, cavernoso, com armaduras ladeando a porta. Curiosamente, toda a casa parecia consistir apenas em um saguão de entrada... com um lance de escadas para um andar superior que não deveria estar lá.

- Estranho - comentou Severus, ecoando os pensamentos de Harry. - A casa não tem dois andares, vista de fora.

- Muito estranho mesmo - concordou Remus. - Talvez seja apenas um terraço?

- Não havia nenhum terraço também - replicou Severus.

Sirius já estava subindo as escadas. Harry seguiu atrás, com Severus quase colado a ele.

- Lumos! - disse Sirius.

Todos ficaram boquiabertos ao se verem dentro de um outro saguão, com outro lance de escadas e portas para todas as direções. As portas estavam abertas. A porta diante deles dava para a cozinha, com um forno a lenha; a porta à esquerda dava para uma sala de jantar, com uma longa mesa de madeira e bancos, e paredes decoradas com brasões e tapeçarias; a da direita, para uma sala de estudos, com duas mesas, cadeiras e estantes repletas de pergaminhos; a de trás dava para um banheiro bastante rústico.

- Isso é incrível! - exclamou Remus. - Agora tenho certeza de que isso foi feito por Rowena. Esse espaço é mais do que criativo, é...

- Irritante - declarou Severus, mas Harry sabia que ele estava deslumbrado.

- Vamos nos dividir - ordenou Sirius. - Cada um de nós entra em uma dessas peças e examina cada objeto com o máximo cuidado. Estamos procurando, a princípio, uma varinha. Mas tudo é suspeito.

- Você examina o banheiro - disse Severus, claramente irritado por receber ordens de Sirius.

- Melhor para mim. Não tem muito que procurar por lá. Você fica com a sala de estudos, espertinho.

Severus arqueou uma sobrancelha e dirigiu-se à sala de estudos. Harry sabia que era exatamente para lá que ele queria ir. Remus foi para a cozinha; Harry, para a sala de jantar.

Harry olhou embaixo das mesas e bancos, sacudiu as tapeçarias, olhou atrás dos brasões. Nada. Voltou à sala central, onde Remus e Sirius já estavam. Severus ainda levou algum tempo para voltar. Ninguém encontrara nada que se parecesse com uma varinha ou que lhes chamasse a atenção de modo especial.

- O que vocês acham de subirmos a outra escada? - perguntou Sirius.

- Vamos lá - disse Harry, pisando no primeiro degrau.

Mas Sirius o segurou.

- Nada disso. Eu vou na frente.

Harry olhou para o teto, mas deixou Sirius passar à sua frente. Ouviu Sirius pronunciar Lumos outra vez.

Estavam em um quarto de casal. Uma sólida cama com baldaquino, cortinas luxuosas e o brasão de Ravenclaw por cima. Havia também duas arcas, um banco, um grande suporte para velas, tapeçarias nas paredes, um tapete no chão, uma lareira e... outro lance de escadas conduzindo ao andar superior. Severus abriu uma das arcas e começou a revirá-la. Continha requintadas roupas em estilo medieval, muito bem conservadas. Remus vasculhou a outra arca, repleta de documentos, enquanto Sirius verificava a cama e Harry, as tapeçarias. Severus ainda estava guardando tudo dentro das arcas quando Sirius começou a subir as escadas para o andar de cima.

No quarto andar, eles se viram em uma oficina, com um tear, mesas e armários com vários tipos de ferramentas que eles observaram meticulosamente. Severus, em especial, não se contentava enquanto não houvesse revirado tudo em cada armário. Havia também um outro lance de escadas conduzindo ao andar superior.

- Já estou ficando cansado - reclamou Harry.

- Ânimo - disse Sirius, subindo os degraus de dois em dois.

Harry seguiu atrás dele e não entendeu nada quando se viu em um saguão de entrada igual ao que havia no andar térreo.

Harry olhou para Severus e viu que ele empalidecera. Remus, por sua vez, tinha o cenho franzido. Mas Sirius já estava abrindo a porta pela qual eles haviam entrado na casa. Ou, pelo menos, era o que Harry pensava.

Sirius saiu, seguido por Severus. Harry saiu a seguir, com Remus atrás. Harry sentiu um forte mal-estar ao ver que, em vez de saírem para a montanha, eles haviam saído... na sala de estudos do andar de cima. Harry estava começando a ficar bastante confuso.

- O quê... O quê está acontecendo?

A sala tinha janelas em todas as três paredes que não a da porta. Remus foi até a parede oposta à porta, puxou a cortina e olhou pela janela.

- Como eu pensei: esta janela dá para o andar térreo.

- Mas esta não é a sala de estudos do primeiro andar? - perguntou Harry.

- É.

- Não estou entendendo nada.

- Eu tenho uma teoria, Harry, mas... gostaria de fazer ainda algumas experiências - disse Remus.

Severus, que estava examinando novamente os pergaminhos, meneou a cabeça.

- Espero que não demore, Lupin. Isso não está me cheirando nada bem.

Remus dirigiu-se ao poço da escada. Harry sentou-se em uma das mesas de estudo, e Sirius sentou-se a seu lado.

- O saguão de entrada continua lá embaixo - anunciou Remus, de volta.

- Mas ele está aqui ao lado também - protestou Harry.

- Eu sei - disse Remus.

Severus se aproximou. Harry sentia a intensidade de sua irritação.

- Explique-se, Lupin. Já.

- Sentem-se todos. - Remus tirou algumas moedas do bolso. Severus havia se sentado em frente a Harry; Remus sentou-se a seu lado, diante de Sirius. - Esses fenômenos estão acontecendo porque esta casa é um tesseract.

- Um o quê?

- Um hipercubo - disse Severus, tanto para si mesmo quanto para Harry. - Entendo... Fascinante! - Severus olhou de modo mais firme para Harry, como quando queria lhe explicar algo que julgava importante. - O tesseract é uma figura quadrada, com uma quarta dimensão, assim como um cubo tem três e um quadrado duas.

Harry tentou visualizar, mas não conseguiu chegar nem perto.

Remus, contudo, havia transfigurado suas moedas em cubos maleáveis e estava montando uma construção com oito cubos em forma de uma dupla cruz invertida - quatro empilhados em torre, um em cima do outro, e mais quatro cubos saindo das faces expostas do segundo cubo da torre.

- Estão vendo? O cubo de baixo era o saguão de entrada. Então subimos para o primeiro andar, com cinco cubos dispostos em cruz. E depois os outros dois andares, com um cubo/peça cada um: o quarto e a oficina.

- Certo. Mas como isso explica que saindo do térreo tenhamos voltado ao primeiro andar? - perguntou Sirius.

- É que esta figura que eu construí é um tesseract visto em três dimensões, quando, na verdade, ele possui quatro. Para imaginá-lo em quatro dimensões, você teria de enfiar o cubo de cima no cubo de baixo e dobrar os cubos do lado até encontrarem o de cima. - Remus apontou a varinha para o modelo, fazendo com que os cubos de dobrassem da maneira indicada e entrassem uns nos outros.

Harry esbugalhou os olhos.

- Ahn? Que loucura é essa?

- Essa Rowena era um gênio mesmo, hein? - disse Sirius.

- Isso tudo é muito interessante, mas o problema é que não encontramos a varinha de Rowena em nenhum lugar - disse Severus. - Revistamos todos os cômodos meticulosamente.

- Talvez nem seja a varinha que precisamos encontrar - disse Harry, desanimado.

- Vamos sair daqui, comer alguma coisa, descansar, e ver se temos alguma idéia? - sugeriu Sirius.

Remus coçou a cabeça.

- Não estou certo de que saibamos como sair dessa casa.

- O quê? - exclamaram os outros três.

Harry se levantou, desceu as escadas correndo, abriu a porta da frente e se viu fitando seus amigos na sala de estudos outra vez.

Remus sorriu.

- Eu ia avisar a você que isso não daria certo...

- Hmpf. Eu devia saber. Mas precisava tentar.

- Muito bem, Lupin - disse Severus, por entre os dentes. - Qual é a brilhante idéia?

Remus se levantou e foi até a janela da parede à esquerda.

- Ah-hah. Muito interessante.

- O que é? - perguntou Sirius, juntando-se a ele.

Harry e Severus também se aproximaram. A janela dava diretamente para a cozinha, em vez de dar para fora. Harry foi até o canto em que a sala de estudos e a cozinha se encontravam com o saguão central em um ângulo de noventa graus.

- Isso é impossível - protestou Harry. - Essa janela está a uns cinco metros da cozinha.

- Não num tesseract - disse Severus. - Se você abrir essa janela e sair por ela, estará na cozinha.

Harry fez exatamente o que Severus sugeriu. Foi até a janela, abriu-a, e...

- Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah....

Foi muito rápido. Harry caiu de uma altura de vários metros. Por sorte, caiu sobre uma grama alta e macia. Estava fora da casa. Levantou-se e flexionou alguns músculos doloridos. Não entendia como aquilo ocorrera, mas era ótimo, porque encontrara uma saída. Contornou a casa, entrou novamente pela porta da frente, atravessou o saguão de entrada, subiu até a sala de estudos.

Sirius e Severus correram para ele e perguntaram o que havia acontecido.

- Encontrei uma saída - anunciou Harry, triunfal. - Caí para fora. Vocês podem fazer o mesmo, mas é bom saírem de vassoura.

- Você se machucou, Harry? - insistiu Sirius.

Severus tateava-lhe o ombro que estava dolorido. Harry notou que Severus sabia exatamente o ponto em que Harry mais sentia dores. Claro; ao se aproximar de Harry, Severus sentia a mesma dor.

- Não se preocupem, estou bem. Vamos sair e fazer o que Sirius sugeriu, comer alguma coisa, descansar e depois voltar aqui?

- Harry, eu acho que não é assim tão simples - disse Remus. - Numa figura quadridimensional, um homem tridimensional tem duas escolhas cada vez que cruza uma linha de junção, como uma parede ou um limiar. Em geral, ele fará uma volta de noventa graus na quarta dimensão, só que não sentirá isso nas suas três dimensões. Fiquem junto à porta e vejam.

Remus saiu pela mesma janela pela qual Harry caíra há poucos momentos. Assim que desapareceu, eles escutaram sua voz vinda da cozinha.

- Compreendem? - Remus saiu pela porta da cozinha à sala central e todos entraram novamente na sala de estudos.

- Você quer dizer que podemos escolher entre cair lá fora, como Harry fez, ou sair na cozinha? - perguntou Sirius.

- De certa forma. O que acredito é que Harry se orientou subconscientemente. Ele queria, em seu subconsciente, achar a saída, e a achou.

Severus balançou a cabeça.

- Gostaria de não depender de nenhum subconsciente.

- Concordo, Severus, é assustador - disse Remus.

- Ainda mais com um subconsciente como o seu - concordou Sirius.

- O seu deve ser bem mais aterrorizante - rosnou Severus.

Harry pensou que seria uma competição bem difícil, aquela. Qual dos quatro teria imagens mais assustadoras em seu subconsciente? Harry estremeceu só de pensar.

Depois de um longo silêncio, Sirius foi o primeiro a falar.

- E se tentarmos voltar à oficina e verificar as janelas?

- Matematicamente, a oficina deve dar para as quatro peças laterais deste andar - sentenciou Remus. - Mas vamos lá, não custa tentar.

Subiram as escadas e entraram na oficina. O tear e os armários de ferramentas continuavam no mesmo lugar.

- Se eu entendi como funciona o hipercubo, este quarto deve ficar dentro de todos os outros - ponderou Severus.

- Isso mesmo - disse Remus. - Vamos ver. Acho que esta janela deve dar para a cozinha.

Remus puxou a cortina da janela do lado norte. Não dava para a cozinha. Harry sentiu uma vertigem, e todos eles tentaram agarrar-se à cortina para não cair.

- Feche isso, Lupin! - gritou Severus.

A janela dava para baixo, em vez de para fora, e a altura era assustadora. Harry avistou, bem lá embaixo, as torres de um castelo.

- Hogwarts!

- Estamos olhando para baixo de algum ponto em cima do castelo de Hogwarts - disse Sirius. - Mas não me perguntem como isso pode ser.

- Acho que o espaço dobrou-se através da quarta dimensão, e que estamos olhando para além da dobra - disse Remus.

Severus deu as costas à janela e foi para o lado leste da sala.

- Vamos experimentar as outras janelas.

Harry o seguiu. Quando Severus abriu a cortina, eles se depararam com uma paisagem marinha. Um vasto oceano e o céu azul. Só que o oceano ficava acima do céu. Era de dar enjôo, ver as ondas quebrando lá no alto.

Sirius e Remus estavam do outro lado da sala, na janela do lado oeste.

- O que há desse lado? - perguntou Harry.

Sirius estava branco.

- Nada.

- Como assim, nada?

- Absolutamente nada. Ou melhor, o nada absoluto. É horrível.

- Acho que olhamos para um lugar onde o espaço não é - filosofou Remus.

- Na deste lado, podemos ver o oceano e o céu. Só que o oceano está em cima e o céu está em baixo - resumiu Harry.

Severus já estava seguindo para a janela sul, a única que faltava.

- Severus, espere - disse Harry. - Remus disse que o nosso subconsciente interfere no modo como as coisas funcionam aqui. E se todos tentássemos imaginar aquilo que mais queremos que aconteça?

- Meu subconsciente está aqui. Não tenho como me livrar dele, e não acredito que seja necessária nenhuma concentração para ativá-lo - declarou Severus.

Harry achou que não valia a pena discutir. Viu Remus, depois Sirius, fecharem os olhos para se concentrarem, e fez o mesmo. Tentou visualizar a varinha de Rowena Ravenclaw.

Quando abriu os olhos outra vez, Severus havia puxado apenas a pontinha da cortina e estava espiando.

- O que você está vendo, Severus? - perguntou Harry.

Severus se virou, com uma expressão enigmática.

- Um café em estilo rústico, com mesinhas de madeira e guarda-sóis do lado de fora. Não há ninguém do lado de fora, mas vi um bruxo de cabelos brancos entrando lá dentro.

- Er, parece que nosso subconsciente está com fome - comentou Harry. - O que vocês acham?

- Vamos almoçar, é claro - disse Sirius, transfigurando seus cabelos em castanho-claros, com leves brilhos avermelhados, tornando-os curtos, eliminando qualquer vestígio de barba e mudando a cor dos olhos para castanhos também. - Que tal?

Harry levou um susto. Não que Sirius tivesse ficado feio; de modo algum. Ele apenas parecia mais... suave. Não era fácil se acostumar com aquela outra imagem de seu padrinho. Severus, por sua vez, fez uma careta de repulsa.

- Não sei se eu o reconheceria se o encontrasse na rua - disse Remus, sorrindo.

- Então está ótimo.

~*~*~

Chamava-se Rainbow Cafe, e era uma cabana hexagonal, revestida em madeira. Harry estava meio cansado de cubos e outros poliedros, mas o local era muito agradável, cercado de árvores. Lá dentro, as paredes eram cor de creme; as mesas, as cadeiras e o assoalho eram em madeira de cor clara; toalhas em xadrez vermelho e branco, padrão que se repetia nas cortinas das janelas. Os lustres eram em forma de campânula.

O café estava vazio, a não ser por uma garçonete loira e por um balconista que entrara na cozinha assim que eles haviam chegado. Eles preferiram ficar nas mesas do lado de fora. Era mais fresco e agradável. Pegaram dois cardápios com a garçonete e saíram.

Sentaram-se nos bancos que ladeavam uma das mesas de madeira, sob um guarda-sol gigante: Harry e Severus de um lado, Sirius e Remus do outro. Severus abriu o cardápio e Harry se apoiou em seu ombro para ler junto com ele.

Vários tipos de hambúrguer e peixe, camarões graúdos... O prato que parecia mais interessante era o "Café da Manhã Gigante", que o cardápio dizia ser uma refeição "para durar o dia todo": salsichão escocês (Lorne), ovos fritos, batatas fritas e tomates. Foi o que Harry pediu. Sirius pediu o mesmo.

Severus pediu camarões com guarnição de salada, e Remus pediu um hambúrguer vegetariano que Harry não quis nem saber como era feito.

Todos pediram cervejas amanteigadas. Eles estavam cansados e famintos, e não conversaram muito durante o almoço.

Eles não iam pedir sobremesa, mas a garçonete fez tanta propaganda dos sorvetes que eles quiseram experimentá-los. Harry escolheu "O Monstro de Loch Ness": três bolas de sorvete de chocolate mentolado, calda de menta, chocolate de Cadbury e chantilly com flocos de chocolate; Sirius preferiu o "Massacre dos Mosquitos Escoceses": três bolas de sorvete de baunilha, calda de framboesa, biscoitos tipo Oreo esmigalhados mais chantilly e uma cereja. Remus optou pelo "Chocolate Assassino": Bolinho de chocolate gigante fatiado e enterrado sob três bolas de sorvete de chocolate, coberto com molho de chocolate e framboesa e flocos de chocolate mais chantilly e uma cereja. Severus pediu o "Chocolate Assassino" também, mas sem creme e sem cereja.

Dessa vez, entretanto, em vez da garçonete que os estava servindo, quem trouxe os sorvetes foi um homem velho, de cabelos brancos não muito longos. Quando ele se aproximou, Harry quase engasgou e cuspiu fora sua cerveja. Era Florean Fortescue.

Sob os olhares surpresos dos quatro bruxos à mesa, Fortescue piscou para Harry, distribuiu os sorvetes, depositou a bandeja sobre a mesa, materializou uma cadeira à cabeceira e sentou-se.

- Vocês vieram na hora certa.

- Ficamos aliviados em vê-lo com saúde, sr. Fortescue - disse Remus, saudando-o polidamente com um gesto de cabeça. - Estava nos esperando?

- Pode-se dizer que sim, de certa forma. É uma longa história, que eu vou tentar resumir. Provavelmente já terei concluído quando seus sorvetes acabarem.

- Por que a pressa? - perguntou Severus, com ironia.

- Oh, sr. Snape, no mundo de hoje, cada segundo é precioso. Os sorvetes estão derretendo, e isso é um crime. Sirvam-se, por favor.

De repente, o "Monstro de Loch Ness" não parecia ter mais a mesma graça. Harry estava ansioso por ouvir o que Fortescue tinha a dizer.

- Se vocês chegaram até aqui, é porque devem ter seguido nossos passos. Devem saber, portanto, que nós encontramos o esplumeor de Rowena em 1947. Éramos jovens e entusiastas das idéias medievalistas. Acreditávamos que Riddle compartilhava de nossas idéias. Procuramos juntos pela varinha de Rowena, e não encontramos. Combinamos de voltar um outro dia e continuarmos as buscas. Mas Riddle nos traiu: veio aqui um dia, sozinho, encontrou a varinha de Rowena e a transformou em uma Horcrux.

- Se ele veio sozinho, como vocês descobriram que ele fez tudo isso? - perguntou Sirius.

- Sr. Black...

Sirius arregalou os olhos.

- Como... como soube?

- Oh, eu fui muito amigo de seu pai. Ele era do nosso grupo, como vocês devem saber... Os seus gestos me lembram os dele. Não se preocupe. Não revelarei seu segredo, se não revelarem o meu.

- Isso é conversa mole - protestou Severus. - Ollivander é Legilimente. Ele usou poção Polissuco para se disfarçar de garçonete, e os dois ficavam conversando lá dentro o tempo todo enquanto nós comíamos. Foi Ollivander quem contou a Fortescue a identidade de Black.

Sirius, Harry e Remus soltaram vários tipos de exclamação, entre surpresos e indignados, e Fortescue caiu na gargalhada.

- Brilhante! E como chegou a essa conclusão, sr. Snape?

- Senti um óbvio cheiro de poção Polissuco quando a garçonete se aproximou. Então notei o modo como ela olhava bem dentro dos olhos de cada um de nós. Tive de usar Oclumência para bloqueá-la.

- Muito esperto, muito esperto. - A garçonete apareceu à porta, e Fortescue deu-lhe uma piscadela. - Mas por favor, comam seus sorvetes e me deixem prosseguir a história.

Harry olhou para o sorvete um tanto desconfiado. Aquela história estava mal contada. E se o sorvete estivesse envenenado? Mas Severus olhou fixo para ele e tranqüilizou-o colocando uma grande colher de "Chocolate Assassino" na boca.

Fortescue pigarreou.

- Pois foi exatamente isso. Riddle ainda não era Legilimente nem Oclumente naquela época. Ollivander é bem mais velho do que ele, e já era um bom Legilimente. Não foi difícil, para ele, descobrir o que Riddle havia feito, em detalhes. Riddle havia encontrado a varinha de Rowena exatamente no ponto central do esplumeor, no centro geométrico do tesseract. Ela estava invisível, mas ao concentrar a mente e passar exatamente por aquele ponto, era possível pegá-la. Ele o fez; aplicou o feitiço de Horcrux sobre a varinha e, arrogantemente, acreditando que só ele seria capaz de encontrá-la, deixou-a no mesmo lugar. - Fortescue passou os olhos sobre todos ao redor da mesa, e respirou fundo. - Ollivander me contou o que vira na mente de Riddle e nós três voltamos aqui, para recuperar a varinha.

- Nós três? - perguntou Sirius.

- Ollivander, eu e seu pai.

- Meu pai? Meu pai encontrou o esplumeor com vocês? Quando o senhor dizia "nós", a quem exatamente se referia?

- Ollivander, seu pai e eu, como já disse.

Um silêncio atônito tomou conta da mesa, mas Fortescue parecia ter pressa em continuar.

- Seu pai era um homem muito teimoso e arrogante, sr. Black. Ele se apossou da varinha. Insistiu em que ele era o mais capacitado a escondê-la. Ollivander e eu sempre fomos de paz, e acabamos deixando-o levar a varinha consigo. Além disso, nenhum de nós sabia o que era exatamente uma Horcrux, e muito menos como destruí-la. De certa forma, seu pai nos tirou um peso dos ombros.

Sirius gemeu.

- Não me diga que a varinha também estava em Grimmauld Place esse tempo todo!

Nesse momento, a garçonete se transformou novamente em Ollivander - os cabelos brancos revoltos, os olhos em forma de lua - e sentou-se à outra cabeceira, cumprimentando a todos com polidez, mas com um brilho longínquo em seus olhos lunares.

- Calma, sr. Black - disse Ollivander. - Chegaremos a esse ponto em breve.

- Voldemort voltou e descobriu que vocês haviam levado a varinha? - perguntou Harry.

- Florean e eu conversamos muito sobre isso, e concluímos que não é estilo de Vocês-Sabem-Quem voltar sobre seus passos. Por isso, achamos que a intenção dele era usar a varinha de Rowena, já que, como vocês sabem, é impossível para ele derrotar Harry usando sua varinha atual. - Ollivander pousou os olhos sobre os de Harry por um longo tempo. - Nós supomos, e isso é apenas uma suposição nossa, que ele deva ter vindo aqui e descoberto que a varinha não estava mais onde ele a havia deixado. Então ele mandou seus asseclas nos atacarem. Como eles não são muito inteligentes, não nos atacaram ao mesmo tempo. Atacaram a sorveteria de Fortescue primeiro. Assim que vi o estado em que haviam deixado a sorveteria dele, eu soube quem eram e o que procuravam. Saí de cena o mais rápido que pude. Não queria ter pela frente aquela corja, e muito menos Vocês-Sabem-Quem.

- No entanto, a varinha não estava com nenhum de vocês dois - concluiu Remus.

- Não. Teixo, trinta centímetros, cordas de coração de dragão... - Ollivander estendeu a mão e pegou a varinha que Sirius deixava sobre a mesa. - É uma bela e poderosa varinha, sr. Black.

O assombro foi geral.

- Quê?! M-mas... - gaguejou Harry.

- Quando saí de Azkaban - explicou Sirius -, eu não tinha mais minha varinha. Encontrei esta em Grimmauld Place. Sabia que não era dos meus pais, nem de Regulus. Se fosse de um deles, não a teria usado. Não sabia de quem era. Ela se adaptou bem a mim, e eu a ela.

- Parabéns, sr. Black. Esta é a varinha de Rowena Ravenclaw.

~*~*~

Quando todos recuperaram o fôlego depois da revelação, Severus se levantou, claramente nervoso.

- Tudo parece perfeito, mas não estou convencido. Há algo errado.

- Por que acha isso, Severus? - perguntou Harry.

- Não é muita coincidência eles - Severus indicou Ollivander e Fortescue com um gesto de cabeça - estarem aqui, exatamente aqui, e nos contarem isso tudo? Como Fortescue escapou do ataque dos Comensais da Morte? Por que os dois vieram exatamente para cá, ou seja, para o lugar onde seria mais óbvio procurá-los?

Fortescue se ergueu, mantendo-se à cabeceira da mesa. Ollivander também se ergueu e deu a volta, juntando-se a ele.

- Senhores, Ollivander e eu somos apenas a projeção do seu inconsciente coletivo. Tudo o que estão vendo... o Café, os sorvetes... foi projetado por vocês mesmo, em conjunto. Tudo o que nós revelamos eram fatos que já estavam no seu subconsciente.

- A teoria da escolha inconsciente de Remus! - exclamou Sirius.

- Isso é absolutamente incrível. Eu sei que a minha teoria previa essa possibilidade, mas...

- Vocês se lembram de que eu pedi que todos nos concentrássemos antes de Severus abrir a cortina da última janela? - perguntou Harry.

- Quer dizer então que... Não. Não acredito que meu subconsciente tenha contribuído para isso - protestou Severus, apontando para a mesa repleta de taças vazias de sorvete.

Sirius deu uma risadinha irônica.

- Inclusive a sua garçonete loira, com Polissuco e tudo. Admita, Snape: nós formamos um quarteto e tanto. - Sirius estendeu-lhe sua varinha. - Por favor, queira extrair a Horcrux, já que... é a minha varinha.

- Por que eu? Por que não pede ao seu querido lobisomem?

- Não quero pôr em risco a vida dele.

Severus estreitou os olhos para ele.

- Como posso saber que a sua maldita varinha não irá me amaldiçoar, como o anel fez com Albus?

- Severus, estou usando essa varinha há quase um ano. Se estivesse amaldiçoada, creio que eu não estaria aqui para contar a história. Albus me disse que não foi o feitiço de Horcrux que o amaldiçoou: foi um feitiço colocado no anel, especificamente. Albus ensinou você como extrair a Horcrux de um objeto?

- Claro que ensinou. - Severus suspirou e pegou a varinha de Sirius. Depositou-a sobre um dos bancos e apontou sua varinha para ela. - Expellianimula!

Um brilho verde saiu da varinha e se espalhou por toda a região do café. Quando o último fulgor se esvaiu, Sirius recolheu a varinha.

- Sr. Ollivander, sr. Fortescue, foi um grande prazer encontrá-los. Até breve. Vamos, pessoal. Harry, venha cá. Vamos voltar para casa.

 

Notas:
1. A trama a respeito do tesseract foi emprestada do conto clássico de ficção científica "And he built a crooked house", de Robert A. Heinlein.
2. O "Rainbow Cafe" (e seu cardápio!) baseiam-se em um café real perto de Loch Ness. Não vou mencionar o nome do local porque seus donos provavelmente não o gostariam de ver associado a uma história slash ;-).

 

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Ptyx, Dezembro/2005