Capítulo VI - Vagalumes



Quando Severus chegou na casa de Lupin na pequena vila pesqueira de Saint Mellyan, os outros ocupantes da casa já haviam chegado. Quem lhe abriu a porta foi Harry. A primeira coisa que Severus notou foi que Harry havia estava com vários machucados pelo corpo.

- O que foi isso? O que aconteceu?

Harry deu de ombros.

- Havia alguns ratos e insetos nojentos por lá.

- Mas você está sangrando! Ratos? Você pode pegar uma doença.

- São só uns cortes. Eu só vi depois do banho. Sabe como é, eu estava coberto de lama.

- Venha já aqui que eu vou fechar esses machucados - disse Severus, tirando as vestes de Harry, fazendo-o deitar no sofá onde Severus dormia e ajoelhando-se junto a ele.

- Sirius não vai gostar de me ver de cuecas na sua frente.

- Ele que vá para o inferno. Aliás, onde estão os dois cachorrinhos?

- Sirius está lá em cima, tomando banho, e Remus foi comprar essência de murtisco para passar nos nossos machucados.

- Não é uma má idéia. Mas eu posso cuidar de você.

Severus começou a tocar os ferimentos de Harry com a varinha para fechá-los. Concentrou-se e entoou os feitiços. Enquanto isso, Harry acariciava-lhe o rosto e os cabelos.

- Conte-me a grande aventura. Estou muito cansado para usar Legilimência agora - disse Severus.

Harry contou-lhe a história toda, desde quando eles haviam Aparatado em um campo de asfódelos até o momento em que haviam encontrado a arca e a taça e voltado para casa. Severus acompanhou a narrativa com muito interesse. Achava, sinceramente, que Black e Lupin haviam sido muito imprudentes, e que os três haviam tido sorte em escapar com vida.

Quando Harry acabou seu relato, olhou bem dentro dos olhos de Severus, e Severus estremeceu.

- Você está usando Oclumência comigo - declarou Harry, em tom decepcionado.

- Tenho direito a um mínimo de privacidade.

Harry pareceu ofender-se.

- Tudo bem. Mas se você está preocupado com alguma coisa e vai ficar bloqueando sua mente o tempo todo, isso vai ser muito desgastante para nós.

Severus suspirou.

- Infelizmente você tem razão. Devo abrir mão de qualquer privacidade. Os seus poderes de Legilimência superam os meus de Oclumência, e a tensão que eu precisaria usar para manter minha mente fechada seria não só desgastante como inútil.

Harry olhou para o teto.

- Também não precisa fazer drama!

- Estou falando sério.

Severus encarou Harry com firmeza para deixar que Harry visse as imagens em sua mente. As imagens de Voldemort contando-lhe que havia mandado Draco matar Dumbledore.

- Draco?! Voldemort enlouqueceu de vez?

- Não sei. Receio que tudo seja um plano para me testar.

- Como assim?

- Não sei, Harry. Agora ponha as vestes de novo. Se eles nos virem assim, vai ser um pandemônio.

~* ~* ~

Quando todos terminaram seus banhos, eles conversaram com Dumbledore pelo Flu, jantaram e foram para seus quartos. Sirius estava tão exausto das aventuras do dia que não conseguiu dormir. Como sentisse sede, levantou-se para ir até a cozinha tomar um copo d'água.

Ao descer as escadas, notou algo diferente no sofá ocupado por Snape: o sofá Chesterfield de couro parecia mais largo do que o habitual. Aproximou-se. Que estranho! Snape estava comprimido contra o encosto; à sua frente, havia uma protuberância quase tão extensa quanto o corpo dele. E a cabeça de Snape... não estava inteira. Apenas a parte de trás da cabeça estava ali. Faltava a parte da frente, inclusive o famoso nariz.

Depois do susto inicial, Sirius entendeu o que estava acontecendo. Sacou de sua varinha e puxou a Capa da Invisibilidade e os cobertores de cima de Snape e Harry.

- Levicorpus!

Vítima do feitiço que ele próprio criara, Snape foi suspenso nos ares pelo tornozelo, e Harry também.

- Vocês acham que eu sou bobo, é? - rosnou Sirius. - Pensaram que eu não ia descobrir? Eu não nasci ontem, não!

Snape e Harry ficaram totalmente atordoados por alguns intantes.

Harry foi o primeiro a reagir:

- Sirius, deixe a gente descer!

Snape conseguiu agarrar Harry, mesmo de cabeça para baixo, e sussurrar-lhe algo ao ouvido. Então, assombro dos assombros! Mesmo sem usar varinha, eles conseguiram anular o feitiço e fazer uma volta completa nos ares, pousando no chão delicadamente.

Sirius estava pasmo e, quando reagiu, Snape já havia invocado sua varinha, que deixara na mesinha de centro, diante do sofá. Sirius e Snape gritaram ao mesmo tempo "Expelliarmus!" e foram lançados um para cada lado da sala. A essa altura, Harry também pegara sua varinha, e colocou-se entre os dois.

- Parem já com isso!

- Saia da frente, Harry. Minha luta é com ele - disse Snape, fazendo um movimento lateral para que seu feitiço não pegasse em Harry - Incarcerous!

Sirius se desviou do feitiço e procurou um ângulo em que não atingisse Harry para lançar um feitiço estuporante. O raio vermelho passou raspando em Harry e não atingiu Snape. Harry se virou para ele, furioso, e gritou:

- Expelliarmus!

Sirius teve de se desviar de Harry também. Harry tentou lançar um Expelliarmus em Snape também e falhou. A partir daí, o caos se estabeleceu. Harry, Snape e Sirius iniciaram um verdadeiro balê, lançando um feitiço atrás do outro feitiços e se desviando de tudo e de todos. Vasos e outros objetos de decoração começaram a se quebrar, e até uma janela foi atingida.

- Furnunculus!

- Oppugno!

- Locomotor Mortis!

Os feitiços se sucederam sem tréguas até que Sirius sentiu o corpo ficar rígido e imóvel. Ainda teve tempo de olhar para Snape para ver se ele o havia atingido. Mas Snape e Harry estavam tão rígidos e imóveis quanto ele mesmo. Um feitiço congelante. Mas quem o lançara?

Sirius não conseguiu entender o que ocorrera até que Remus apareceu diante deles, o rosto transfigurado pela fúria, e arrancar a varinha das mãos de cada um deles.

- Seus moleques! Que idade vocês têm, cinco anos? O que estão pensando? Olhem só o que vocês fizeram com a minha casa! Fora daqui, todos vocês. Vocês vão dormir na rua. Mobilicorpus!

Remus fez com que eles levitassem até a cozinha, sem se preocupar se eles esbarravam nas portas e nas paredes. Remus abriu a porta dos fundos da casa com um Alohomora e, assim que eles saíram, lançou um Finite Incantatem sobre eles e fechou a porta, prendendo-os no quintal.

- Brrr. - Harry sacudiu o corpo como um cachorrinho. - Odeio feitiços congelantes.

- Maravilha - resmungou Snape. - Veja só o que você fez, Black.

- Eu? Quem é que rompeu o nosso acordo e levou Harry para dormir no sofá?

- Ei, que conversa é essa, eu fui porque eu quis.

- Você é menor de idade - disse Sirius, em tom severo. - A sua vontade não importa. Ele é que deveria ser responsável e...

- Ah, é assim? A minha vontade não importa?

- Não foi isso que eu quis dizer, Harry.

- Vocês querem parar com essa discussão inane? - rosnou Snape. - Eu vou dormir no quartinho dos fundos. Afinal, Lupin me disse que era lá que eu poderia fazer minhas poções. Até levei o meu material para lá esta manhã. Eu ia começar a preparar a Wolfsbane amanhã.

- Como assim, ia? - perguntou Sirius.

Snape deu de ombros.

- Preciso de tranqüilidade para preparar essa poção. Se não tiver as condições ideais, é muito arriscado.

A lesma viscosa estava tentando chantageá-lo! A idéia de que a segurança de Remus estava nas mãos de Snape e que Snape agora deveria estar fulo de raiva não parecia trazer bons presságios.

- O melhor que temos a fazer é mesmo ir para o quarto dos fundos - disse Sirius, seguindo para lá e abrindo a porta com um "Alohomora".

Era um quarto acarpetado, de dimensões bem reduzidas e sem nenhuma mobília, apenas um closet. Remus usava aquele quarto para se refugiar nos dias em que se transformava.

- Podemos dormir aqui no chão - disse Harry.

Sirius abriu o closet.

- Por sorte, é aqui que Remus guarda as roupas de cama e banho. - Sirius puxou três cobertores e três travesseiros e distribuiu um para cada um. - Você fique daquele lado, junto à parede esquerda, Snape; você do lado oposto, Harry. Eu fico no meio, entre vocês.

Snape se sentou junto à parede, ao lado de seu baú, e Harry se sentou do outro lado, como Sirius mandara. Sirius esperara mais resistência da parte deles, mas eles pareciam cansados demais para discutir.

- O pior é que eu estou morrendo de sede - resmungou Sirius, ainda em pé. - Eu estava indo pegar um copo d'água quando vi que havia algo anormal no sofá.

- Tudo bem, mas não vamos começar de novo essa discussão - gemeu Harry.

Em silêncio, Snape abriu o baú com as suas coisas e retirou uma garrafa verde.

- Severus... Isso não é o que eu estou pensando, é?

- Absinto! - exclamou Sirius, ajoelhando-se junto a Snape. - É tudo o que eu preciso agora.

Os lábios de Snape se curvaram em um sorriso irônico.

- Cuidado, Sirius. O absinto de Severus não é um absinto normal - avisou Harry.

- Eu sei. Nada do que esse cara faz é normal.

Sirius esperava que Snape retrucasse com algum impropério, mas Snape parecia concentrado no que estava fazendo: transfigurando alguns potes vazios em copos, e servindo um para cada um deles. O que ele deu a Harry continha apenas um terço da quantidade dos outros dois.

- Acho que você não deve tomar isso, Harry - disse Sirius.

- A quantidade que eu servi a ele vai só deixá-lo sonolento - retrucou Snape.

Sirius olhou para os dois com desconfiança, pegou o copo e esperou que Snape desse o primeiro gole.

Snape meneou a cabeça ao ver que ele estava esperando.

- Não está envenenado, Black. Se eu quisesse matar um de vocês, já o teria feito há muito tempo.

Snape deu um demorado gole, e só então Sirius animou-se a experimentar a bebida.

O gole desceu-lhe pelo esôfago incendiando cada célula.

- Uau!

Harry, que tomara metade da sua dose só com um gole, riu.

- Vá com calma, garoto. Isso não é cerveja amanteigada - avisou Snape a Harry.

Eles continuaram bebendo em silêncio por alguns minutos. Sirius estava começando a se sentir maravilhosamente bem e confiante. Lembrou-se do duelo, seus movimentos alucinados, as varinhas girando nos ares. A raiva inicial começou a se dissipar. Olhou para seus companheiros de refúgio com curiosidade.

- Caras, como é que vocês conseguiram desfazer o Levicorpus sem usar varinhas? Aquilo foi demais!

Harry abriu um sorriso orgulhoso.

- Estamos praticando magia conjunta sem varinhas essa semana. Mas ainda não tínhamos conseguido fazer algo tão difícil quanto isso. Foi lindo, não foi, Severus?

Sirius viu um brilho despontar nos olhos de Snape.

- Foi... interessante.

- Interessante - Sirius imitou Snape, fazendo cara de enfado. - Interessante o caramba, foi genial. Vocês vão acabar dominando o mundo, se continuarem assim. É como se vocês fossem... uma entidade. Dois em um. Eu sinto isso. Snape, Harry... Snarry. Isso, Snarry. Como se fosse um animal fantástico.

Harry trocou olhares com Snape e disse, em voz baixa:

- Ele já tá pra lá de Marrakech.

Snape deu um sorriso irônico, que Sirius achou estranho, fascinante.

- Estou num salão vazio, misterioso e escuro e onde nada tem nome - engrolou Sirius. - O mistério da fênix me desafia com suas infinitas possibilidades de transformação. Eu sei o que você está pensando, mas não, é muito mais do que isso, Snape. - O líquido fluía, e desaparecia em suas veias como um vagalume piscando na noite, desaparecendo apenas para reaparecer em seguida. Será que Snape estava sentindo aquilo também? E Harry? - Vocês... não sentem o mesmo que eu?

Snape o fitou com olhos límpidos e penetrantes.

- A Dama Verde é fugaz. Ela busca o núcleo feito de um só instante, enquanto o que é não se desequilibra no instante seguinte.

Naquele momento, Sirius soube confusamente que aquela era uma intuição que não duraria um instante sequer além do próprio instante; alguém inesperadamente entendia o seu âmago, atravessava-o com olhos sem surpresas.

- As águas do rio da morte são tão corrosivas que destroem todos os vasos, exceto um. A garrafa de veneno repousa sobre o console da lareira, mas não há mais nada ali, nem mesmo um ptyx. No entanto, vocês são capazes de anular o nulo, e juntos nós iremos preencher o nada - ele disse, deitando-se sobre o carpete e fechando os olhos.

Risadas cristalinas povoaram seus sonhos de uma magia colorida e brilhante que unisse todas as vibrações diferentes em uma sinfonia harmônica.

~* ~* ~

Quando Remus acordou, foi até o quarto dos fundos e encontrou os três dormindo como anjos. Tocou um sininho para acordá-los e foi saudado por um coro desafinado de resmungos.

- Rapazes, se prometerem se comportarem, eu deixo vocês entrarem e tomarem café - anunciou.

- A gente vai se comportar, Moony - respondeu Sirius.

- Vocês, todos vocês, prometem não duelar mais dentro de casa? - perguntou Remus.

Severus fez uma careta.

- Se ele não houvesse me atacado, eu...

Remus o interrompeu.

- Você e Harry precisam prometer que seguirão as regras estabelecidas anteriormente.

Severus olhou para Harry.

- Seguiremos as suas regras.

- Então eu prometo não duelar dentro de casa - disse Sirius.

- Tudo bem - disse Harry.

Estranhamente, todos pareciam mais amigáveis uns com os outros. Remus se perguntou se aquela garrafa verde e os copos espalhados pelo carpete teriam algo a ver com aquilo.

 

Anterior
Próxima
HOME
Baphomet (Índice)
Fanfiction (Índice das Histórias)

 

Ptyx, Novembro/2005