Capítulo V - A Taça
Na manhã seguinte, Severus acordou Harry bem cedo, transfigurou o sofá de volta à sua forma normal e mandou Harry de volta a seu quarto. Eles se encontraram de novo depois do café da manhã, no quarto de Harry, para sua prática de magia conjunta. Assim que Severus fechou a porta, Harry o abraçou. Severus segurou-lhe os ombros com firmeza e o afastou. - Harry, isto é sério. Estamos aqui para praticar. - Oh, só um beijinho... - Quando terminarmos o treino. - Tudo bem - resmungou Harry. Depois de várias semanas de prática, não havia nada que não conseguissem fazer juntos, e ver sua magia começar a fluir naturalmente das duas varinhas e combinar-se era uma experiência muito agradável para Severus. Eles haviam atingido um nível elevado de comunicação por meio de Legilimência e conseguiam até mesmo lançar feitiços não-verbais juntos. Agora eles só precisam aperfeiçoar a sincronia, o foco e a técnica. Já Oclumência era algo totalmente diferente. Harry conseguia contratacar e ler a mente de Severus quando Severus tentava ler a sua, mas raramente conseguia bloquear Severus. Talvez isso ocorresse porque Harry se sentia confortável com suas próprias emoções; ou talvez isso se devesse ao vínculo entre eles - Harry não queria cortá-lo. Qualquer que fosse a explicação, Severus estava preocupado e não sabia como ajudar Harry a superar o que Severus considerava uma fraqueza. - No quintal de Bellatrix há um olmeiro. Quando eu era criança, eu ia brincar lá com ela e suas irmãs. Ela herdou a casa dos pais, você sabe. Junto a esse olmeiro, havia uma arca do tesouro enterrada - contou Sirius. - E você acha que ela escondeu a taça lá? - perguntou Harry. - Se conheço Bellatrix, foi exatamente o que ela fez. Sirius passara o dia todo planejando cada detalhe do que eles deveriam fazer, e dando instruções a Remus e Harry. À noite, quando Snape levou a mão ao braço, Sirius olhou para Remus. - Preciso ir - disse Snape, olhando para Sirius e Remus, e então mais longamente para Harry. - Tenha cuidado. - Você também, Severus - disse Harry enquanto o corpo de Snape desaparecia. - Remus, por favor, conte aí dez minutos no relógio - pediu Sirius. - Acha que é o bastante? E se ela se atrasar? - perguntou Remus. - Bellatrix, se atrasar para um encontro com seu amado mestre? Nunca! - disse Sirius. - Vocês estão prontos? - Estamos. - Nós iremos aparatar direto no quintal. Não queremos, de jeito nenhum, entrar na Mansão de Bellatrix. Aquela casa não é só mal-assombrada, é cheia de armadilhas - avisou Sirius. - Harry, você vai lado-aparatar comigo, já que não tem ainda licença para aparatar. Harry olhou para o teto. - Tá, eu sei. Você já falou isso dez vezes, Sirius. - resmungou Harry Quando Remus anunciou que os dez minutos haviam passado, Sirius deu o braço a Harry, que o segurou. Sirius olhou para Remus, que assentiu com a cabeça, e eles aparataram. Assim que seus pés pisaram em terra firme outra vez, Sirius olhou para Harry e viu que ele estava inteiro. Respirou fundo, aliviado. Então olhou em torno e surpreendeu-se com o que viu. O gramado do quintal de Bellatrix se transformara em um campo de asfódelos. Com suas folhas estreitas e flores brancas, os asfódelos formavam um tapete verde e branco por sobre a terra. Só que, de repente, o tapete florido se abriu, e a terra começou a ceder. - Sirius - gritou Harry, mas Sirius não podia fazer nada, pois já estavam todos sendo tragados pela terra, que se abria em abismo, a uma velocidade vertiginosa. O grito de Harry ainda ecoou enquanto eles caíam. A consciência retornou-lhe aos poucos. Sentiu dores e uma coceira pelo corpo. A custo, abriu os olhos, e um arrepio percorreu-lhe a espinha. Ratos e insetos de todos os tipos o cercavam. Sentou-se rápido, sacudindo o corpo e distribuindo tapas para todos os lados. Olhou ao redor, em busca de Harry e Remus. Eles estavam caídos junto a ele, também cercado pelos ratos, baratas e até mesmo aranhas. Morcegos voavam ao seu redor, e ao ver um deles mergulhar na direção de Harry, Sirius correu para espantá-lo. Afastou de Harry tantos bichos quantos pôde. Mais adiante, Remus estava levantando, parecendo em forma, como se não houvesse caído em um abismo ainda há pouco. Remus correu para eles e ajudou Harry a se sentar. Sirius sacou sua varinha, e começou a afugentar os bichos com jatos de fogo. Quando conseguiu afastá-los de Harry e Remus, criou um círculo de fogo ao redor dos três. - Vocês estão bem? - Pronto pra outra - respondeu Remus. - Tudo bem - disse Harry. Mantendo o círculo de fogo ativo, Sirius olhou ao redor. Eles estavam em uma espécie de caverna, muito alta e muito ampla - ele não conseguia sequer enxergar os seus limites. A terra que se abrira para os engolir provavelmente se fechara de novo sobre eles. Sirius voltou-se novamente a Harry e viu os olhos do afilhado se arregalarem. Harry olhava para cima, como se algo estivesse vindo do alto, por trás de Sirius. Sirius se virou, com a varinha em riste, e seu coração parou por vários segundos diante da visão que o esperava. - Meu Deus, Sirius, é um Barriga-de-Ferro Ucraniano! - exclamou Remus, em voz baixa. Sirius viu um pé rugoso, áspero, com unhas horrivelmente longas; olhando um pouco mais para cima, como que hipnotizado, viu um corpo maciço recoberto por escamas metálicas cinzentas, e depois a imensa cabeça, onde olhos vermelhos profundos brilhavam com uma ira satânica. O grande animal rolou a cabeça e rugiu, soltando uma torrente de fogo de por entre as presas de sua boca na direção deles. - Corram - gritou Sirius, disparando ele mesmo em uma corrida vertiginosa caverna adentro. O problema era... aquela caverna teria saída? O Barriga-de-Ferro lançou outro jato de fogo, quase atingindo Harry, que corria um pouco à frente de Sirius, à sua direita. Por sorte, o dragão era pesado demais, e lento, e logo eles conseguiram chegar a uma distância que ele não conseguia alcançar com suas chamas. Sirius forçou-se a relaxar. Foi quando avistou o olmeiro opaco, enorme, seus ramos e galhos seculares estendidos em todas as direções. Era uma estranha visão, o olmeiro dentro da caverna. Não combinava. Mas Sirius não tinha tempo para esse tipo de reflexão. - Harry, Remus, nós o encontramos. Por que vocês não aparatam daqui enquanto eu escavo em busca da arca? - De jeito nenhum - disse Harry, decidido. Sirius conhecia aquele tom: ouvira-o em James muitas vezes. James jamais recuara diante do perigo, e Harry herdara isso dele e de Lily. E a expressão no rosto de Remus também não deixava margem para dúvidas: Remus também iria até o fim a seu lado. - Muito bem. Então vocês dois me dão cobertura. Lentamente, o Barriga-de-Ferro se aproximava de novo. Sem pensar mais, Sirius apontou a varinha para a terra sob o olmeiro e tentou o óbvio: - Accio arca! Imediatamente, seres monstruosos começaram a surgir de todos os lados: Quimeras, Graphorns, Runespoors, Quintapeds... Em desespero, Sirius começou a atacá-los desvairadamente. De repente, sentiu a mão de Remus em seu ombro. - Padfoot, eles não são reais. São fantasmas. Só então Sirius reparou que eles tinham uma consistência etérea, transparente. Remus sentou-se ao solo e começou a cavar a terra, e Sirius o imitou. Os fantasmas de monstros ficavam passando diante deles, deixando-os arrepiados. - Não acha que devíamos tentar levitar a terra ou... Remus o interrompeu. - Acho que Bellatrix deve ter colocado proteção contra qualquer tipo de magia. Vamos cavar com as mãos mesmo. Uma língua de fogo roçou a mão de Sirius, e ao erguer os olhos, Sirius viu o dragão muito próximo e Harry apontando a varinha para ele. - Protego! O jato de fogo que o Barriga-de-Ferro lançara se voltou contra si mesmo. - Muito bem, Harry! - gritou Sirius. - Continua cavando aí, que eu seguro as pontas - respondeu Harry. Sirius voltou a cavar. Por um minuto, pensou se não cavaria de modo mais eficiente em sua forma de Animagus, mas afastou a idéia ao perceber que como Padfoot ele não seria capaz de defender a si próprio e aos companheiros. O dragão lançava urros medonhos cada vez que Harry repelia seus ataques. A terra estava cheia de sanguessugas que grudavam em seus corpos, mas Sirius nem parava para pensar. Finalmente, sentiu algo duro e áspero sob as unhas. Logo, Remus e Sirius estavam puxando uma pesada arca de madeira, toda carcomida pela umidade e os bichos, para fora da terra. - Cistem Aperio! - gritou Remus, e a arca se abriu. Sirius mal podia acreditar. Ali estava a taça, reluzente em seu ouro, imaculada e intacta, apesar da arca apodrecida onde estava guardada. - Não toque nela, Moony. Preciso pronunciar o encanto de extração da Horcrux primeiro. Sirius apontou a varinha para a taça. - Expellianimula! Um brilho verde saiu da taça no exato instante em que o dragão dava um urro terrível e se consumia em chamas. Suas pernas traseiras oscilaram e toneladas de carne escamada caíram ao chão, fazendo a terra estremecer. - Ele morreu! - exclamou Harry, virando-se para Sirius. - Você conseguiu extrair a Horcrux? - Consegui. - Então vamos embora! - Não - disse Remus. - Vamos repor tudo no lugar, inclusive a taça, para que Bellatrix não perceba que estivemos aqui. Remus já colocara a taça dentro da arca e fechara a pesada tampa. Sirius ajudou-o a colocar a arca no buraco que haviam aberto, e os três a cobriram de terra novamente. Sirius levantou-se e apontou a varinha para o dragão morto. - Evanesco! - Bem, se Bellatrix for observadora, irá notar que seu monstrinho de estimação desapareceu - disse Remus. - Mas quanto mais dificultarmos as coisas para ela, melhor. - Certo, pessoal. Todos prontos para Aparatar? - perguntou Sirius, estendendo o braço para Harry e preparando-se para a desagradável sensação com a qual jamais se acostumara. Severus estava cansado do discurso arrogante do Lord das Trevas a seus asseclas. Enraivecido pelo fato de ter de desistir de seu plano de atacar Hogwarts e informado por Severus que Dumbledore se retirara ao Quartel-General da Ordem, o Lord das Trevas repetira suas cansadas ameaças e cobranças a todos. Quando a reunião terminou e Severus achou que poderia voltar para "casa" e ver se os seus "companheiros" haviam encontrado a taça e se Harry estava bem, o Lord das Trevas o chamou e pediu que permanecesse para conversar com ele. Aquelas conversas em particular nunca eram um bom sinal. - Severus, gostaria de deixá-lo a par de certos... acontecimentos... - Pois não, meu Lord. Sinto-me honrado com a sua confiança. - Veremos se você se mostra à altura! - Não irá se decepcionar comigo. - Como eu disse, veremos. - Os olhos do Lord das Trevas pareciam escorrer sangue, de tão vermelhos. - Como você pode imaginar, o fracasso de Malfoy no episódio do Departamento de Mistérios, um ano atrás, me desagradou imensamente. - E com razão, meu Lord. - Isso não pode passar em branco. Por isso, encarreguei o filho dele de cumprir uma missão: ordenei-lhe que mate Dumbledore. Severus sentiu uma súbita tontura. - Mas... meu Lord... trata-se de uma criança! Ele dificilmente terá condições de derrotar um mago da envergadura de Dumbledore. O Lord das Trevas deu uma gargalhada. - Eu sei disso, Severus. Essa é apenas a minha vingança contra Lucius Malfoy. - Entendo. E há algo que eu possa fazer, para ajudá-lo nesse... plano? - Por enquanto não. Mas fique de olho tanto no garoto como em Dumbledore, e me informe dos acontecimentos. Severus se inclinou diante do Lord e aparatou de volta à Cornualha com mais um peso sobre seus ombros. |
Ptyx, Novembro/2005
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