Capítulo XIV - Sobre o Tabuleiro


 

Harry estava dormindo calmamente. Severus também. A reação de Sirius ao saber por Dumbledore do que havia acontecido fora, primeiro, de pânico. Depois, quando chegara naquela mansão que só lhe trazia más recordações e vira que Harry estava vivo, o pânico cedera, e uma leve esperança começara a brotar. Junto à esperança, surgira também uma profunda raiva de Dumbledore. Como o Diretor pudera esconder de todos eles que Harry era uma Horcrux? E com que direito? Sirius balançou a cabeça. Por que o velho sempre se cercava de mistérios e o mantinha apartado das decisões sobre seu afilhado? Será que, depois de tudo o que ele, Sirius, fizera, Dumbledore ainda não confiava nele? Harry estava desacordado agora e por mais que Dumbledore insistisse que tudo estaria bem quando ele acordasse, Sirius não ousava confiar.

Dumbledore lhe dissera que ele podia voltar para casa, que ele o avisaria quando Harry acordasse, mas Sirius não quisera sair do pé da cama de casal onde Dumbledore havia colocado Harry e Severus, exatamente no quarto que havia pertencido aos pais de Sirius. Agora Dumbledore estava em seu escritório, em uma entrevista com uma comissão de gigantes. Os conchavos de guerra não podiam parar, nem quando seu afilhado e esperança do Mundo Mágico estava desacordado, talvez correndo risco de vida.

Sirius deixara um curto bilhete a Remus. Isso também o deixava preocupado. Já era tarde, quase meia-noite, e Remus não havia aparecido. E isso era, também, culpa de Dumbledore, que atribuíra a Remus uma missão quase suicida. Não havia sido fácil para Remus passar a conviver com os lobisomens. Naquele meio, ele era considerado um traidor por ter estudado e lecionado em Hogwarts.

Harry se mexeu, despertando Sirius de suas amargas reflexões. De imediato, Severus também se mexeu, virando-se de lado e passando um braço ao redor de Harry. Sirius sorriu intimamente ao ver o gesto possessivo e tocou também o braço de Harry com a mão. Harry abriu os olhos.

- Sirius?

Sirius não se lembrava de jamais ter-se sentido tão feliz. Harry estava de volta.

- Olá - disse apenas, e mesmo aquela única palavra saiu meio gaguejante.

Harry deu um sorriso sonolento, e Sirius abraçou-o, com cuidado.

Severus murmurou alguma coisa. Sirius se reergueu e olhou para ele.

- Olá. Estava preocupado com você também.

- Espero que não vá querer me abraçar - resmungou Severus.

- Ugh, não, eu já tomei banho hoje - respondeu Sirius, divertindo-se muito ao ver Severus franzir o cenho, ofendido. - A não ser que eu lance um Feitiço de Limpeza em você primeiro.

- Lembra-se da última vez que você tentou? - perguntou Severus, com um sorriso irônico nos lábios.

- Oh, sim, seu desgraçado. Você lançou um feitiço que me cobriu de merda da cabeça aos pés. Nunca vou me esquecer daquele feitiço: Scatify.

Uma voz vinda de trás interrompeu a continuação da esgrima verbal entre eles.

- Ei, tem uma orgia aqui e ninguém me convidou?

- Moony! Chega mais. Tem lugar pra você também.

Severus fez uma cara de nojo, e Harry riu. Remus deu-lhe um beijo rápido mas cheio de promessas.

- Tudo bem por lá?

Remus tirou um papelzinho do bolso e leu em voz alta:

- "Você tem amigos onde menos espera. Eles não irão lhe faltar."

- Ueba! - exclamou Harry.

- Até agora ele não nos contou nada de útil - resmungou novamente Severus.

~*~*~

Na noite seguinte, Harry estava de novo no número 12 de Grimmauld Place: Dumbledore convocara uma reunião da Ordem da Fênix. Quando Dumbledore chamara Severus, Sirius e Harry, na noite anterior, havia-lhes contado que estava convidando os membros da Ordem um a um, relatando-lhes que Sirius estava vivo e explicando os motivos pelos quais eles haviam encenado a sua morte. Segundo Dumbledore, agora que todas as Horcruxes haviam sido destruídas, era melhor que a Ordem soubesse que Sirius estava vivo, para que ele pudesse integrar suas atividades.

A reunião se iniciara como uma grande festa, com todos reunidos na cozinha do porão, que havia sido transfigurada em um salão. Sobre a longa mesa, jarros de suco de abóbora, cervejas amanteigadas, salgadinhos e doces.

O centro das atenções, naturalmente, era Sirius. Harry não conseguia nem vê-lo no salão, porque ele estava sempre cercado de gente querendo saber detalhes de sua "morte".

Ginny, Ron, Hermione e os Gêmeos estavam lá, embora não houvessem sido convidados: as Orelhas Extensíveis de Ginny haviam captado uma conversa entre Arthur e Molly a respeito de "uma reunião decisiva" e "preparações para enfrentar Você-Sabe-Quem", e logo a notícia se espalhara entre os irmãos Weasley e Hermione, que estava passando alguns dias na Toca. Depois de várias discussões, eles haviam decidido ir. Como eles não haviam sido informados de que Sirius estava vivo, levaram um susto monumental. Ron quase havia desmaiado. Os Gêmeos e Ginny foram logo interrogando Sirius e não o deixaram mais em paz.

Além de Severus, Sirius e os amigos de Harry, estavam no salão os principais membros da Ordem: Mad-Eye Moody, Kingsley Shacklebolt, Nymphadora Tonks, Hestia Jones, Elphias Doge, Dedalus Diggle, Minerva McGonagall e todos os Weasleys exceto Percy. Remus não fora - estava, mais uma vez, entre os lobisomens. E Hagrid, também ausente, provavelmente estava ainda tentando convencer os gigantes a não aderirem a Voldemort.

Harry passou o tempo todo junto a Ron e Hermione e tentou responder como pôde às suas perguntas. Não era fácil narrar as aventuras de caça às Horcruxes em poucos minutos. Restou a promessa de que eles iriam se encontrar um dia para colocar as histórias em dia. De longe, Harry observava Severus conversando com McGonagall. Era evidente que Severus gostava de conversar com ela. Harry sabia que Severus respeitava, em especial, todos os outros chefes de casa, mas seu relacionamento com McGonagall era mais próximo e afetuoso - daquele jeito torto de Severus, sempre trocando provocações - do que com todos os outros.

- Caramba, Harry, por que você fica olhando para o Snape desse jeito? - perguntou Ron, de repente, fazendo o sangue afluir para o rosto de Harry. - Até parece que... Uh... Harry?

- Er... Eu falei pra vocês, de como estamos nos dando bem, nós quatro. Todos somos amigos, agora.

- Que maravilha! - exclamou Hermione. - Esse deve ter sido um período muito rico para você. Você deve ter aprendido muitas coisas.

- É, acho que aprendi. Teve momentos divertidos... e outros apavorantes.

- Sei, Harry, mas o jeito como você olha para o morcego seboso e, ugh, o jeito que ele olha pra você, não é de amizade não.

- Ron, essa é uma longa história. Não posso contar agora.

Ron fitou-o com um ar desconfiado.

- Você é gay?

- Ron! - exclamou Hermione.

- Por quê? - disse Harry. - Você tem algum preconceito contra gays?

- Ugh, não. É só que... é estranho, pensar que o meu melhor amigo...

Harry riu e olhou para o teto.

- Não se preocupe. Você não é meu tipo.

- Qual é o seu tipo? Morcegos sebosos?

Hermione deu-lhe um peteleco no braço.

- Ronald Weasley!

- Tudo bem - disse Harry. - Eu sabia que isso não ia ser fácil...

- Eu vi como vocês estavam se entendendo bem aquele dia, em que você me chamou ao escritório do professor Snape para perguntar sobre o Graal. Era evidente que havia alguma coisa entre vocês. Por isso eu não fiquei surpresa. Não sei como Snape é pessoalmente, e confesso que a idéia de que vocês estão juntos é bem estranha para mim, mas não vou julgar você antes de saber a história toda - declarou Hermione.

- Obrigado. Certas pessoas - disse Harry lançando um olhar fulminante a Ron - deviam ser mais compreensivas.

- Tudo bem, cara, vamos mudar de assunto - disse Ron.

Um silêncio muito constrangedor se estabeleceu, e Harry ficou agradecido quando Dumbledore tocou um sino para chamar todos a se sentarem para ouvirem o que ele tinha a dizer.

- Senhoras e senhores, um momento crucial se aproxima...

Mas uma dor profunda atingiu o braço de Harry, e ele se voltou para Severus. Voldemort o estava chamando. Harry viu Severus se levantar e sair em silêncio do salão.

~*~*~

Albus caminhava, pensativo, por seu escritório em 12 Grimmauld Place. Todos haviam ido embora, exceto o grupo de membros da Ordem que estava de guarda no Quartel-General: Nymphadora Tonks, Mad-Eye Moody e Hestia Jones. Severus já havia voltado da reunião dos Comensais da Morte e feito seu relato; Remus havia lhe transmitido pelo Floo os últimos informes sobre a situação entre os lobisomens; Hagrid e Madame Maxime estavam novamente nas montanhas a oeste de Minsk, tentando uma nova abordagem na qual Albus tinha muitas esperanças: Madame Maxime esperava convencer as mulheres dos líderes gigantes de que seria tolice entrar em guerra. Riddle armara o seu tabuleiro: Fenrir era seu contato entre os lobisomens; Golgomath, o líder dos gigantes, deveria conduzir seus comandados para apoiar os Comensais da Morte; e os Dementadores respondiam diretamente aos irmãos Lestrange.

Albus montara, também, seu tabuleiro. Não podia fazer nada quanto aos irmãos Lestrange, mas Dementadores não eram inimigos assim tão temíveis. Quanto aos dois outros elos, Albus esperava poder rompê-los e diminuir o impacto do ataque.

Os membros da Ordem já haviam recebido suas instruções. Tudo estava preparado.

Albus concentrou o olhar sobre o cálice que brilhava ao centro do escritório. Só lhe restava uma coisa a fazer.

~*~*~

Na tarde do dia 27, como havia sido combinado, a maioria dos membros da Ordem da Fênix estava dentro da mansão Black. Albus chamou Severus e Harry ao seu escritório e fez com que se reunissem ao redor do Graal.

- Quero que toquem no Graal junto comigo. Vamos compartilhar nossas magias e nos fortalecermos.

Os dois olharam-no com desconfiança. Eram tão parecidos, os dois, e conheciam-no bem demais... Por sorte eles eram, também, obedientes.

Quando todos tinham suas mãos em cima do cálice, Albus fechou os olhos e se concentrou. A sensação de transmitir sua magia era inebriante - ele se sentiu leve como se flutuasse. Quando acabou e retirou sua única mão saudável do cálice, ele se sentia fraco, mas a leveza não o abandonara.

Severus o amparou. Estranho. Albus não achava que estivesse tão fraco, mas os dois olhavam para ele como se estivesse a ponto de desfalecer.

- Albus, o que você fez? - indagou Severus, com aquela irritação que Albus bem conhecia, e sabia que ocultava um profundo afeto.

- Não se preocupem. Vamos cumprir agora o que combinamos.

Albus sentou-se à sua escrivaninha, pegou da pena e escreveu:

O quartel-general da Ordem da Fênix fica no número 12 de Grimmauld Place, em Londres.

Então ele entregou o pedaço de pergaminho a Harry.

- Entregue a Nymphadora, por favor, e peça-lhe que envie sua coruja a Draco Malfoy. Vá com ele, Severus. Devo conversar a sós com o jovem Malfoy.

- Você não está bem - protestou Severus. - Deixe-me ficar.

- Eu posso emprestar a Capa da Invisibilidade a Severus - sugeriu Harry.

Albus sorriu. Já esperava que Severus fosse se oferecer para ficar. Severus, sempre o espião, e sempre protetor.

O cérebro de Albus previra tudo aquilo, mas o coração estava apertado.

~*~*~
Nota: Como Baphomet II foi escrito antes das explicações de J.K. Rowling a respeito do Feitiço Fidelius, preciso alertá-los de que, em Baphomet II, considera-se que, quando o Fiel do Segredo morre, o Feitiço Fidelius se extingue.

 

 

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Ptyx, Março/2006