Capítulo X - Culpa



Sirius estava muito preocupado com Harry. Fazia duas noites que Snape não dormia em casa e não dava nenhuma notícia. Na primeira manhã depois da partida de Snape, eles haviam falado com Albus, que lhes havia contado que Snape recuperara o medalhão, mas decidira ir para sua casa, no norte da Inglaterra. Albus dissera que Snape estava bem e que eles não se preocupassem.

Entretanto, mesmo depois de ouvir as palavras de Albus, Harry não ficara tranqüilo. Insistia em que estava sentindo que Severus estava mal, e que queria vê-lo.

Remus e Sirius haviam tentado de tudo, mas Harry não se aquietava. Ficava andando pela casa e perguntando onde era a casa de Severus, e como faria para chegar lá. O único que poderia dizer isso era Albus, mas todas as vezes que Harry o chamara, ele respondera a mesma coisa: dê um tempo a Severus.

De manhã, naquele que era o segundo dia em que não viam Snape, Remus havia perguntado a Sirius se queria que ele passasse o dia com eles, e Sirius havia dito que não era preciso, que Remus estava prestes a fazer um rombo na ligação entre os lobisomens e Voldemort e que era importante que Remus estivesse com os lobisomens naquele momento. Mas agora Sirius estava arrependido de não ter pedido a Remus para ficar, porque tudo o que tentara com Harry não funcionara. Harry andava pela casa como um zumbi. Não comia, não dormia. Só ficava falando sozinho - ou com Severus, como ele dizia. A única coisa que Sirius queria agora era ir até a casa de Snape e trazê-lo de volta. Nem que, para isso, precisasse dar-lhe um ou dois socos. No nariz.

Remus voltou mais cedo, à tardinha, porque estava preocupado com Harry. Quando Sirius lhe contou que Harry estava cada vez mais nervoso e que não quisera comer nada, Remus chamou Dumbledore novamente pelo sistema de Flu. Sirius viu-o falar com o Diretor.

- Albus.

- Oh, olá, Remus. Como vai Harry?

- Ele está péssimo. Acho até que está com febre, mas quem é que o segura na cama? Você não consegue falar com Severus, fazer com que ele volte?

- Infelizmente, Severus é muito teimoso. Pensei que uma noite de sono pudesse fazê-lo mudar de idéia, mas parece que me enganei. Acho que já é tempo de explicar a situação toda a vocês. Venham para cá, vocês três. Vou isolar o meu quarto aqui, para que ninguém entre.

~*~*~

Albus serviu um chá a todos - provavelmente com uma poção tranqüilizante, porque Sirius se sentiu subitamente mais leve, e até Harry se acalmou visivelmente. Quando Harry já estava calmo e lúcido, Albus mostrou-lhes uma garrafa e contou-lhes que Severus havia, a seu pedido, guardado deles um segredo até aquele momento. Um segredo do qual ainda se arrependia. Um segredo tão grave que Albus lhe pedira que tirasse de seu cérebro as memórias relativas a ele, para que Harry - que lia a mente de Severus com certa facilidade - não viesse a descobrir em momento errado.

- Severus me pediu que mostrasse o conteúdo dessas memórias a vocês, e eu concordo com ele que não há como protelarmos mais essa revelação. Só lhes peço que assistam toda a seqüência e que reflitam com muito cuidado antes de tirar alguma conclusão.

Dumbledore tocou a tampa da garrafa com sua varinha e a abriu. Despejou a substância prateada sobre a pensieve. Os fios brilhantes rodopiaram sobre a superfície da bacia, e Harry, Remus e Sirius se inclinaram por sobre ela.

~*~*~

A primeira memória mostrava Severus no Hog's Head. Harry sentiu uma profunda emoção ao vê-lo tão jovem e, ainda assim, tão taciturno e preocupado. O bar estava lotado de gente conversando em voz alta. Por mais que Severus se esforçasse, ele não conseguia deixar de trombar nos bêbados que surgiam em seu caminho. Lentamente, ele atravessou o bar até chegar a uma escadaria. Em silêncio, ele subiu os degraus e parou junto a uma porta fechada, contra a qual colou o ouvido. De repente, alguém o empurrou. A porta se abriu e Harry viu Trelawney e Dumbledore lá dentro. Trelawney estava dizendo, na voz grave e pastosa que usava quando fazia profecias "verdadeiras":

- Aquele que tem condições de derrotar o Lord das Trevas se aproxima... Nascido daqueles que três vezes o desafiaram, nascido ao final do sétimo mês...

Dumbledore fitou Severus com surpresa; Trelawney parecia imersa em um transe. Nesse momento, Severus foi puxado pelas roupas por um homem, que o empurrou escada abaixo. Forçando os olhos, Harry reconheceu Aberforth, irmão de Dumbledore e barman do Hog's Head. Como em câmera lenta, Harry viu Severus quase perder o equilíbrio no meio da escada e continuar descendo aos tropeções e bater as costas contra o balcão do bar.

Harry relutou em reconhecer a verdade do que estava vendo. Era terrível demais: fora Severus que escutara a profecia de Trelawney.

A memória foi se esvaindo e, antes que Harry pudesse olhar para Sirius ou Remus, ou ter alguma espécie de reação, a próxima memória já estava se formando sobre a penseira. Em meio à escuridão, surgiu a imagem de Voldemort. Não com a beleza juvenil daquele Tom que Harry vira na Câmera Secreta, nem com o rosto desfigurado de agora, mas com as marcas de sua degeneração já impressas em suas feições.

O mesmo Severus da imagem anterior, jovem e taciturno, estava ajoelhado diante de Voldemort. Ver Severus naquela posição submissa causava revolta, tristeza e mágoa em Harry.

- Mestre, eu estava no Hog's Head, seguindo Dumbledore, como me mandou, e presenciei uma cena curiosa. Uma sibila profetizou diante dele que está para nascer aquele capaz de derrotá-lo.

- Uma profecia? Alguém que irá me derrotar? Quem?

- Ela só disse que ele nascerá no sétimo mês deste ano, filho de pais que três vezes o desafiaram.

- Fez muito bem em me contar isso, Severus.

Severus esboçou um sorriso satisfeito, mas não havia brilho em seus olhos.

- O Mestre sabe a quem se refere?

- Ainda não. Mas isso é muito grave. Precisamos saber, Severus. A qualquer custo. E destruir imediatamente essa criança.

Por um instante, Severus pareceu estremecer. Logo se recompôs, no entanto.

- Com certeza, Mestre.

Enquanto a memória se dissipava, Harry cerrava os punhos. Maldito. Severus fora o responsável pela morte de seus pais! A raiva se misturou à dor. Harry pensou em se afastar da penseira. De que valia ver mais alguma coisa? Mas a cena que começou a se formar exerceu uma atração quase hipnótica sobre ele. Severus apareceu, seu rosto transfigurado pela dor. Não havia lágrimas em seu rosto, mas sua expressão era de completa desolação.

- Ele vai matar Lily, James e seu filho recém-nascido. E a culpa será minha.

Estavam no escritório de Dumbledore. Os dois estavam em pé. Dumbledore o fitava com severidade, sem dizer nada. Severus recostou-se em uma coluna, como se não conseguisse mais se manter em pé.

- Não posso... - Severus se esforçava, mas quase não conseguia falar. - Não posso suportar essa culpa. Eu poderia lhe dizer que nunca imaginei que pudesse ser o filho de James e Lily o menino a que a profecia se referia. Eu poderia lhe dizer que, se eu não contasse ao Lord das Trevas, correria um risco muito grave, já que fui visto em um lugar público e muito provavelmente havia outros simpatizantes dele ou espiões por ali. Eu poderia lhe dizer que não dava grande valor a adivinhações, que sempre as considerei charlatanice, e que não esperava que o Lord das Trevas fosse atribuir tanta importância ao fato. Mas nada disso eliminaria a minha culpa. Nada disso apagaria todo o mal que causei, tudo o que já fiz de sórdido e hediondo até agora.

Dumbledore continuava fitando-o em silêncio, como se esperasse algo mais de Severus. Este, enfim, ergueu os olhos para ele e estendeu-lhe a varinha.

- Eu entrego minha vida em suas mãos. Não mereço viver. Mas se houver algo que eu possa fazer para impedir a morte de Lily, James e seu filho, eu o farei.

Harry conhecia Severus bem demais para duvidar de suas palavras. Sabia que Severus tinha a alma dilacerada naquele instante. Mais do que nunca, talvez ainda devido à afinidade mágica que havia entre eles, Harry sentia a dor de Severus

Dumbledore não pegou a varinha que Severus lhe estendia. Em vez disso, segurou-lhe os dois ombros com firmeza.

- Se está mesmo arrependido, você irá me ajudar a derrotar o Voldemort. Não será um caminho fácil o que eu lhe pedirei para trilhar. Mas você terá uma importância fundamental nessa luta.

Os dois magos se fitaram longamente, e no rosto de Severus, além da dor e da raiva de si mesmo, surgiu uma expressão decidida.

Os olhos de Harry se encheram de lágrimas.

~*~*~

Remus respirou fundo quando a última imagem se esvaiu. Não sabia o que pensar. Não sabia sequer o que sentir. Era muito, e tudo ao mesmo tempo.

Severus contara a profecia a Voldemort e, assim, causara a morte de James e Lily. Mas não o fizera com esse fim expresso, e se arrependera. Remus acreditava na sinceridade do arrependimento de Severus. Não havia como duvidar disso, vendo-lhe a expressão. Ou havia? Estaria Severus enganando-os aquele tempo todo? Não, não era possível.

Afinal, Albus acreditara nele. E Harry, que possuía um vínculo mágico com ele... Oh, Deus! Como estaria se sentindo Harry?

~*~*~

Sirius correu a amparar Harry assim que a última memória chegou ao fim.

- Você está bem?

Harry nem conseguia falar. Sirius levou-o até uma poltrona e agachou-se diante dele. Não importavam seus sentimentos agora. Não importava o ódio que sentira de Snape quando vira o que ele fizera. Não importava a dor de saber que a morte de James poderia não ter ocorrido, não fosse por Snape. E também não importava o modo como o arrependimento de Severus evocara algo dentro de Sirius, levando-o a, de um modo quase inexplicável, sentir empatia por ele. Não. Só importava Harry.

- Harry?

Harry ergueu os olhos vermelhos para ele.

- Ele não queria ter feito isso. É horrível, saber que foi ele, mas... ele não queria.

Albus se aproximou dos dois.

- Severus se arrependeu amargamente de todas as suas ações quando era Comensal da Morte, mas, acima de tudo, do que você viu na penseira.

Sirius sabia o que era se sentir culpado. Ele sempre se sentira culpado pela morte de James e Lily, por não ter aceitado ser o seu Fiel do Segredo.

Como se estivesse lendo seus pensamentos, Albus disse:

- O que vocês precisam entender é que o culpado pela morte de James e Lily não é outro senão Tom Riddle e, em grande parte, Peter Pettigrew. Severus errou, sim. Mas ele não sabia que a profecia se referia a você, Harry. E desde então, Severus não fez mais do que lutar para se redimir e tentar consertar seu erro da melhor forma possível.

- Onde ele está agora? Por que foi embora? - perguntou Harry.

- Ele está desolado, porque eu o incumbi de uma tarefa que lhe parece injusta e terrível. Sob minhas ordens, ele fez um Voto Perpétuo com Narcissa Malfoy.

Remus arregalou os olhos.

- Um Voto Perpétuo? Mas isso é muito... perigoso!

- Tem toda razão. Eu jamais pediria a Severus que se submetesse a algo assim se as circunstâncias não o exigissem.

- O que é um Voto Perpétuo? - perguntou Harry.

- É um voto pronunciado por dois magos, sob a supervisão de um terceiro, e que, se for descumprido, acarreta a morte daquele que o descumpriu - explicou Remus.

- E o que Severus jurou? - perguntou Harry, trêmulo.

- Severus prometeu proteger Draco Malfoy, e cumprir a missão dele caso ele fracasse - esclareceu Albus.

Uma onda de revolta invadiu Sirius, fazendo-o se levantar e voltar-se para Albus.

- Severus jurou que irá matá-lo se Draco falhar?

- Talvez não seja preciso que cheguemos a esse ponto - disse Albus, em voz suave. - Não vamos nos precipitar.

Harry se levantou de chofre.

- Vocês estão todos loucos? Que jogo é esse que estão jogando? Severus, matar você? Você é como um pai para ele. Ele o venera como a um deus! Ele... - Harry tombou novamente na poltrona, desconsolado. - Ele deve estar muito, muito mal.

Sirius segurou o braço de Harry.

- Acho que é melhor nós irmos para casa e refletirmos a respeito de tudo isso.

- Sirius tem razão - disse Remus. - Acho que nenhum de nós tem condições de dar uma opinião ou de tomar uma decisão equilibrada em um momento como este.

~*~*~

Sentado no sofá da casa em St Mellyan, Sirius tentava processar todas aquelas informações, ordenar todas as emoções em conflito.

Em meio a tudo aquilo, quase nem pudera pensar sobre seu irmão Regulus. Saber que Regulus havia feito algo importante para destruir Voldemort dava-lhe, pela primeira vez, orgulho do irmão. Era triste pensar que, se eles fossem mais próximos, poderiam ter-se ajudado mutuamente. Regulus também devia ter sido vítima do sentimento de culpa, e fizera algo para se redimir. Sirius gostaria de poder tê-lo ajudado. Sentiu, mais do que nunca, a perda do irmão.

Snape causara a morte de James. Snape se arrependera e vinha, há dezessete anos, tentando consertar seus erros. Snape até salvara a vida de Harry uma ou duas vezes por causa disso, e estava lutando junto com eles para destruir Voldemort. Agora, Snape fora obrigado a fazer um Voto Perpétuo com Narcissa Malfoy e estava fadado a matar Dumbledore se o imbecil e inepto do filho de Lucius Malfoy fracassasse. Sirius não queria se sentir culpado se Severus morresse para salvar Harry e o Mundo Mágico. Já havia muita culpa espalhada por todo lado.

Sirius escutou Harry gritando com Remus na cozinha:

- O que é que Dumbledore quer? Ele está jogando Severus no mesmo inferno de onde Severus estava tentando sair há dezessete anos! Severus estava conseguindo sair. Tudo estava dando certo, e agora...

Harry subiu correndo as escadas, deixando Sirius novamente imerso em suas reflexões.

A imagem de Severus entregando a varinha a Albus, o rosto de Severus desfeito em culpa, era muito forte. Fazia-o lembrar-se daquele momento louco em que ele fora atrás de Peter para tentar redimir a culpa que ele próprio sentia e vingar a morte do amigo. Ele também errara. Ele também era responsável pela morte de James. Ele também estava tentando se redimir, e sabia quão impossível era se livrar do sentimento de culpa.

Mais do que isso. Ele também fora uma espécie de vítima dos planos maquiavélicos de Albus Dumbledore. Ele tivera de morrer para seu afilhado, tivera de partir-lhe o coração em nome desses planos. Era algo dessa ordem que Severus teria de enfrentar, ao ver-se diante da necessidade de matar a seu mentor e, assim, enfrentar o ódio e a repulsa de todos os aliados da Ordem da Fênix, a quem ele, na verdade, servia.

Em nome de seu amigo James, Sirius gostaria de odiar a Severus. Mas Harry, filho de James, amava a Severus e compartilhava com ele um vínculo muito forte. Era uma decisão muito, muito difícil.

Remus sentou-se a seu lado, acordando-o de seus pensamentos.

- E então, amor? O que você acha?

- Não sei, Moony. Nunca me senti tão dividido.

Remus entrelaçou os dedos aos seus, e ficou em silêncio a seu lado por longos minutos.

- Moony... Você ficaria zangado se... se eu fosse buscar Snape?

Remus o fitou com surpresa, depois sorriu.

- Zangado? Não. Eu ficaria orgulhoso.

- Orgulhoso?

- Acho... que somos todos filhos de Albus, de alguma forma. Segundas chances, você sabe. Albus deu uma segunda chance a ele, a você e a mim também.

- A você? Mas você nunca fez nada de errado.

- Oh, Sirius... Eu sou um lobisomem, você se esquece? Quantas vezes, em nossas travessuras e brincadeiras inconseqüentes, não colocamos a vida de outros colegas em risco? Albus não sabia disso naquela época, mas depois soube, e nunca me repreendeu por nada.

Sirius olhou para seu companheiro com expressão de dúvida. Sabia que Remus se sentia culpado pela sua própria condição, e duvidava que a avaliação dele fosse objetiva. A verdade é que Albus também estava usando Remus.

- No seu caso, é diferente.

- Não tenho tanta certeza. Mas isso não importa agora. O que importa é que Severus mereceu a segunda chance que Albus lhe deu.

- Aquele morcego seboso. Ele conseguiu, não é? Não sei como, mas ele conseguiu: nós vamos acabar perdoando-o.

Remus deu um riso um tanto histérico.

- Não acho que ele se sinta exultante no momento.

- Você acha que James nos perdoaria por isso?

- James pelo menos entenderia que Harry precisa de Severus agora. Além disso, James salvou a vida dele uma vez, não foi?

Aquilo era outra coisa de que Sirius gostaria de poder esquecer: a Cabana dos Gritos. Novamente, a culpa. Um daqueles muitos momentos em que ele se deixara levar por um impulso e acabara colocando em risco pessoas a quem amava. Ele era adolescente, é verdade, mas Severus não era muito mais velho do que ele quando se juntara aos Comensais da Morte.

- Moony, você sempre foi o mais sensato de nós todos... Acha mesmo que é sensato perdoarmos o morcegão?

- Dessa vez não estou conseguindo ser muito sensato, Padfoot. Tudo o que sei é que confio nele, e detesto ver Harry sofrer.

- Então está decidido. Eu vou lá.

Harry apareceu no meio da escada. Provavelmente estivera espionando-os o tempo todo...

- Diga a ele que eu o perdôo, sim?

~*~*~

- Black. Vá embora. Você é a última pessoa com quem eu gostaria de falar.

- Grande novidade! - disse Sirius, tirando o pó de fuligem da roupa e olhando ao redor. Uma sala cheia de livros velhos, e com uma atmosfera embolorada. Típica de Snape. - Escute, baixe essa varinha. Estou aqui por causa de Harry.

Foi como se Sirius houvesse lançado um Cruciatus em Snape. Ele baixou a varinha, e seu rosto estampou um sofrimento extremo.

- Ele está bem?

- Não, seu idiota, ele não está!

Se Snape houvesse se transformado em uma borboleta dourada ali mesmo Sirius não teria ficado tão surpreso quanto ficou ao ver Snape baixar a cabeça, parecendo envergonhado. Sirius esperou que ele dissesse alguma coisa. Depois de um longo instante, Snape ergueu os olhos, com um ar mais perdido do que nunca.

- Eu sinto muito. Se eu soubesse o que aconteceria, nunca teria permitido que se estabelecessem vínculos mais profundos entre Harry e eu.

Sirius não sabia lidar com um Snape derrotado.

- Er... Escute, eu não sei como você conseguiu isso, mas Harry é totalmente louco por você. Albus nos mostrou as suas memórias secretas e...

A expressão de Severus se contorceu em agonia.

- Ele deve me odiar agora, então.

- Não, Severus. Ele me pediu para dizer-lhe que ele o perdoa.

Severus franziu o cenho.

- Perdoa? Depois de ter visto aquilo? Ele não deve estar raciocinando. Você viu também?

- Sim. E Remus também.

- O que você está fazendo aqui, então? Não viu que eu sou o responsável pela morte de seus amigos? Dos pais de Harry?

- Amo meu afilhado, e ele está sofrendo por sua causa. Ele precisa de você.

- Se amasse Harry como diz, iria querer me ver o mais longe possível dele.

- Não. Você é importante na luta contra Voldemort. Albus diz que você é fundamental. Que sem você, Harry não terá a menor chance. A afinidade mágica entre vocês será determinante para a nossa vitória. Além disso, nós passamos uma semana vivendo juntos na mesma casa, e eu observei o modo como você se comporta, especialmente com Harry. Custa-me muito dizer isso, mas eu confio em você.

Severus fitou-o com espanto absoluto. Era a primeira vez, em toda a sua história de brigas infindáveis, que Sirius conseguia silenciá-lo. E Sirius nem podia comemorar!

- Albus contou a mim e a Harry a missão que lhe atribuiu - continuou Sirius, aproveitando o momento de perplexidade de Severus. - Eu não queria estar em sua pele. Você vai precisar de apoio. Nós... Harry, Remus e eu... estaremos a seu lado. Se não pudermos estar a seu lado no momento em que você tiver de cumprir sua missão, pelo menos estaremos antes e, com certeza, depois.

- Depois! Não haverá depois para mim!

- Não diga isso. Pense em Harry, em como ele ficará se algo lhe acontecer. Não há mais volta. O vínculo entre vocês dois já é indissolúvel. Ele precisa de você. Sem você, ele vai entrar em depressão, e vai se tornar um alvo fácil para Voldemort.

Sirius viu que Severus estava quase entregando os pontos.

- Acha mesmo que sou tão importante assim para ele?

- Tenho certeza. Acha que eu viria aqui, se não achasse?

Os lábios de Severus se curvaram em um sorriso torto.

- Não espera que eu confie na sua avaliação, espera?

- Uma vez na vida, pelo menos, você poderia ser sensato. Venha comigo, Severus.

Lentamente, Severus assentiu, e Sirius soltou a respiração que estava prendendo.

~*~*~

Assim que Sirius e Severus saíram da lareira na casa de St Mellyan, Harry correu para Severus e eles se abraçaram. Remus se aproximou, sorriu para Sirius e o beijou.

- Meu herói - sussurrou-lhe Remus ao ouvido. - Sabia que sairia vitorioso.

- Não foi nada fácil - respondeu Sirius.

Os dois voltaram seu olhar para o outro casal, que continuava abraçado como se um quisesse fundir-se ao outro ali mesmo. Por fim, Severus segurou Harry com firmeza pelos ombros e o afastou um pouco, para fitá-lo.

Eles se olharam por um longo tempo, como se não precisassem de palavras. Era um pouco frustrante observá-los, porque eles pareciam estar em um mundo à parte.

- Vamos jantar já - disse Remus. - Aqui nessa casa ninguém se alimenta direito há dois dias. E Severus, pelo jeito, também não comeu mais nada desde que saiu daqui. Está que é só osso.

Sirius ajudou Remus a pôr a mesa. Harry se deitara no sofá com a cabeça sobre o colo de Severus, que lhe acariciava os cabelos revoltos. Sirius parou para observá-los, por um instante. Eles estavam infringindo as regras estabelecidas por Remus, mas nem se davam conta de nada. Ambos pareciam tranqüilos, juntos, depois do pesadelo. Tranqüilos como dois anjos.

Sirius voltou à cozinha.

- Você viu a expressão deles, lá na sala? Parecem dois anjinhos.

- Eu vi. Padfoot, acho que devíamos deixá-los ficar juntos, pelo menos esta noite.

- Se deixarmos por uma noite, não vamos conseguir separá-los nunca mais.

- Isso é verdade. Acho... que deveríamos deixá-los ficar juntos definitivamente, então.

Sirius franziu o cenho.

- Não acha que isso seria... uma capitulação completa?

Remus caiu na gargalhada.

- Sem dúvida! Mas a verdade é que nós já capitulamos, não é? Vamos jantar. Depois resolvemos isso.

Todos estavam meio tímidos na hora do jantar. Eles haviam se acostumado a um relacionamento cheio de provocações mútuas, e agora pareciam estar pisando em ovos. Falaram sobre a comida, o clima, a temporada de desova dos salmões e a indústria de estanho na Cornualha - assuntos razoavelmente seguros. Mas depois do jantar, Sirius postou-se diante de Severus e Harry, que estavam novamente no sofá, e anunciou:

- Eu vou levar o baú de Severus para o seu quarto, Harry. - Sirius não se surpreendeu ao ver os dois arregalarem os olhos para ele. - É, é isso mesmo. Vocês entenderam. Quanto à cama, acho que um feitiço de expansão resolverá o problema de vocês.

Remus aproximou-se de Sirius por trás e enlaçou-o pela cintura.

~*~*~

Severus instalou-se confortavelmente na cama ao lado de Harry e relaxou.

- Sinto dizer-lhe que o seu padrinho enlouqueceu de vez.

- Só porque que ele reconheceu que é bobagem tentar nos separar?

- Não sei como funciona aquela cabeça destrambelhada. Só sei que eu é que não iria reclamar, não é? - Severus aconchegou-se mais junto a Harry. - Naquela última manhã que dormi aqui, você se lembra? Eu estava lá em baixo, no sofá, e gozei quando você se masturbou.

- Mesmo? Eu achei que havia sido só um sonho. Acho que eu perdi o controle do vínculo. Quando estou acordado, eu consigo controlar o que compartilhamos. Bem, se dormirmos sempre juntos de agora em diante, isso não vai ser um problema, não é?

- Há formas de controlar o que compartilhamos mesmo quando estamos dormindo. Vamos ter de treinar isso. - Severus suspirou. - Infelizmente acho que hoje não terei energia para celebrarmos a contento a nossa primeira noite juntos.

- Hmpf, eu sei, eu também estou pregado. Emoções demais para um só dia.

- Amanhã de manhã nós daremos um jeito de compensar o tempo perdido.

 

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