CAPÍTULO 9 - O Manuscrito de Slytherin

 

Godric Gryffindor, Helga Hufflepuff, Rowena Ravenclaw e Salazar Slytherin escolheram o local mais mágico de toda a ilha para construir sua escola. Eram terras impregnadas por encantos muito antigos, de magos e bruxas celtas, e talvez outros ainda anteriores. Salazar estava entusiasmado com a perspectiva de poder reunir as crianças mágicas em um castelo e ensiná-los a desenvolverem seus poderes. Até então, com raras exceções, os magos e bruxas viviam isolados, e se tornavam presas fáceis das perseguições dos Muggles. Estava ficando cada vez mais difícil sobreviver no mundo Muggle, e a escola, além de seus aspectos pedagógicos, serviria também para criar uma comunidade mágica.

O início do Manuscrito de Slytherin relatava esse momento histórico da construção de Hogwarts. À medida que Harry e Severus desvendavam o seu conteúdo, surgiam ainda mais dúvidas e perguntas. Como o processo de tradução era lento e cansativo, muitas vezes eles o interrompiam simplesmente para... especular.

- Você acha que eles queimavam bruxos, nessa época? - perguntava Harry.

- Bem, pelas referências que estamos encontrando, Hogwarts foi fundada por volta de 960 dC. Sabemos que a partir de 1230 dC passou a haver uma perseguição institucionalizada da Igreja à feitiçaria, pois foi a época de criação da Inquisição. Mas provavelmente a perseguição que ocorria antes, difusa, era pior ainda, pois cada um se julgava no direito de aplicar a lei em seus domínios como bem entendesse. O ordálio, pelo fogo, pela água ou ainda pelo gelo, era a prática vigente antes que a Igreja a banisse, em 1215 dC.

- Então é compreensível que Salazar quisesse uma separação dos Muggles. Que não confiasse neles. Os filhos de Muggles poderiam contar a seus pais a localização de Hogwarts e seus segredos. Hogwarts ficaria vulnerável.

- Exatamente. O que eu gostaria de saber é quais eram os argumentos de Godric contra isso!

- Será que Dumbledore tem um Manuscrito, ou um Diário de Godric?

- Nunca me disse nada. De qualquer jeito, acho que ele não me diria. Vamos traduzir mais um trecho?

No trecho seguinte, Salazar contava que os quatro fundadores haviam decidido colocar encantos protetores antes mesmo da construção do castelo. Salazar havia optado pelo "Ritual das Sete Serpentes".

- O que é isso?

- Não tenho muita certeza. Não sei se ele se refere a um ritual egípcio, no qual o mago engole sete serpentes...

- Argh!

- Poderia ser também algum ritual indiano. Se ele fosse um Muggle, diríamos que não teria como conhecer um ritual indiano em plena Idade Média na Europa, mas, como um dos quatro magos mais poderosos de sua era, talvez tenha percorrido o mundo e aprendido vários rituais estrangeiros.

- E o encanto que ele criou com esse ritual protege Hogwarts até hoje?

- Se o Dark Lord não encontrou uma forma de anulá-lo...

- Voldemort teve acesso ao Manuscrito?

- Sem dúvida. Ele mesmo deve tê-lo retirado da Câmara dos Segredos, quando ainda era apenas Tom Riddle.

- Então ele teve bastante tempo para traduzir, e já deve saber o que estamos descobrindo agora. Ainda bem que, ao que parece, Salazar não ficou sabendo que encantamentos os outros aplicaram!

~*~*~

Na quarta-feira seguinte, depois de várias linhas sobre a construção do castelo, eles chegaram ao trecho em que Salazar construiu a Câmara dos Segredos para lhe servir de escritório. Salazar levara todos os seus objetos mágicos para lá e, para tomar conta do local, levara o seu... basilisco, que atendia apenas às suas ordens - já que ele era o único Parselmouth em toda a ilha.

- Aha! - exclamou Snape. - Eu sabia que aquela história estava mal contada!

- Escritório? Basilisco? Então era o contrário? A Câmara dos Segredos não foi construída para aprisionar o basilisco, o basilisco é que foi trazido para guardar a Câmara?

- Sempre achei que aquele lugar devia ter uma outra utilidade. Ninguém ergueria uma Câmara tão complexa como a que você me descreveu só para servir de jaula.

- Será que toda aquela história do "Herdeiro de Slytherin" é enganação? Será que Voldemort se aproveitou das lendas para se passar como o Herdeiro?

- Não sei, Harry. Só o que posso deduzir é que todas aquelas lendas do basilisco ter sido deixado para destruir os Muggles são pura balela. Provavelmente quando Salazar saiu de Hogwarts levou os seus objetos mágicos, mas deixou o basilisco. Talvez não tivesse onde colocá-lo, ou talvez o tenha deixado para buscar mais tarde e nunca tenha conseguido voltar...

- E Voldemort conseguiu entrar na Câmara não porque fosse Herdeiro de Slytherin, mas porque sabia Parseltongue. Exatamente como eu.

- Perfeito. A não ser que você também seja Herdeiro de Slytherin...

- Er. Se me lembro bem, Dumbledore disse que Tom Riddle era o único herdeiro de Slytherin.

- E como é que ele pode ter certeza? As famílias mágicas se misturaram muito nesses mil anos. Talvez haja muitos herdeiros de Slytherin espalhados por aí. Vamos traduzir mais um pedaço, Harry.

Nas linhas seguintes, Salazar contava que, em suas pantanosas terras de origem (os fens), haviam ocorrido recentemente várias perseguições de Muggles a magos e bruxas, e que um amigo seu havia sido submetido a um ordálio d'água, que consistia em amarrar a mão direita ao pé esquerdo de uma pessoa e atirá-la na água. Se ela não se afogasse, perdia o processo, porque a própria água não o recebia bem; se ela se afogasse, teria ganho o processo visto que a água não a teria rejeitado.

- Esse negócio é piada, não é?

- Infelizmente é a mais pura verdade.

O amigo de Salazar desaparecera. Salazar não sabia se ele havia conseguido se livrar das cordas e nadar para longe ou se, realmente, se afogara. Outros haviam sido submetidos ao ordálio do fogo: precisaram carregar ferros em brasa.

Severus estremeceu e Harry, abalado, o encarou.

- Que horror! Acho que nem os Death Eaters são tão cruéis.

- Não tenha tanta certeza - disse Snape, sombrio.

- Sev.. você... matou Muggles quando era Death Eater?

Snape se levantou e deu as costas a Harry, nitidamente perturbado.

- Você quer mesmo saber, Harry? Tem certeza de que está preparado para ouvir a resposta? Se eu disser que sim, que matei vários Muggles, que matei velhos e crianças inocentes, como vai se sentir em relação a mim?

- Eu... eu não sei.

- Então vá embora. Não quero mais vê-lo.

Harry tentou pensar em algo para dizer, mas não encontrou. De cabeça baixa, andou até a porta e saiu do escritório.

Não sabia para onde ir. Queria um lugar onde pudesse ficar a sós e chorar, chorar muito. Subiu as escadas correndo e saiu na direção do lago. Sentou-se em uma colina e, abraçando os joelhos, apoiou neles a cabeça.

~*~*~

Severus Snape andava em círculos em seu escritório, cabisbaixo. Esperara tanto tempo por aquela pergunta sem que ela viesse que achara que jamais viria... Que estupidez. Devia saber que os fantasmas do passado jamais o abandonariam. Na verdade, convivia com eles ainda, todos os dias de sua vida. Mas, por uma ilusão absurda, esperara que eles pudessem ficar longe de seu relacionamento com Harry.

Harry era um mago da luz. Destinado a ser o mais poderoso de sua era. Severus fora um tolo em pensar que pudesse haver algum tipo de aproximação entre eles.

~*~*~

Naquela mesma noite, Harry retornou às masmorras. Encontrou Snape na sala de Poções, mexendo o caldeirão.

- Com licença...

- O que está fazendo aqui, Potter?

Harry sentiu um arrepio ao ouvir o mago mais velho retomar o antigo tratamento formal e desdenhoso.

- Vim lhe pedir desculpas.

- Por quê?

- Por ter feito aquela pergunta.

- Já sabe a resposta à pergunta que lhe fiz?

- Se você me disser que sim, que matava Muggles ou magos sob as ordens de Voldemort, eu vou me sentir mal, muito mal. Por todas as pessoas que você matou. Pelos familiares dessas pessoas. Por todos os que as amavam. E também por você. Porque, de qualquer forma, foi algo horrível, e isso nunca vai poder ser apagado. Isso não tem volta. Mas eu não vou deixar de confiar em você. Porque você nunca tentou me enganar. Nunca disse que era... uma pessoa... boa.

- Então eu não sou uma boa pessoa.

- Você é. Mas nunca disse que era.

- Sou um assassino em massa e sou uma boa pessoa?

- Você cometeu erros, mas se arrependeu e... está pagando suas dívidas, trabalhando para a Ordem.

- E se eu lhe dissesse que ainda hoje sou obrigado a fazer coisas horríveis, em nome desse trabalho pela Ordem?

- Eu... sei que você está tentando fazer o que é melhor. Afinal, é uma guerra, não é? E numa guerra... alguém tem de fazer o que você faz. Seria muito ingênuo achar que se ganha guerras com flores ou drops de limão, não é? Desculpe-me, eu já devia ter entendido isso, e devia respeitar os seus... segredos.

Snape soltou a respiração contida.

- Tudo bem. Aceito suas desculpas. Quanto à resposta a sua pergunta, nunca matei ninguém diretamente, mas quantos não matei indiretamente, prestando serviços ao Dark Lord? E quantas mortes eu presenciei, como Death Eater e como espião? Sem mover um dedo para impedir? No fundo, é irrelevante se matei, se fui apenas uma testemunha passiva ou um instrumento indireto para essas mortes.

- Não se torture assim...

- Só estou reconhecendo os fatos. Agora me deixe terminar essa poção em paz.

~*~*~

- Albus, eu achava que ele não seria capaz de matar o Dark Lord, sabe? Desde o primeiro instante em que o vi eu... o odiei. Não era só porque ele se parecia com James, não. É que era demais... Toda aquela magia em potencial, e completamente Gryffindor. Mais do que você, Albus.

- Mais do que eu, não é? No terceiro ano, ele não matou Sirius Black, mesmo com todo o ódio que sentia quando pensava que ele havia sido o traidor de seus pais. E não matou Pettigrew ao saber que ele é que havia sido o traidor. Remus e Sirius matariam Pettigrew. Eu não o mataria, mas talvez os tivesse deixado acabar com ele, conforme as circunstâncias. Mas Harry não fez nada disso... Por que agora você mudou de idéia, Severus?

- Não, não é que eu tenha mudado. É que não sei mais. Primeiro ele parecia confuso, revoltado. Agora ele começa a me assustar.

- Eu acho que ele está melhor agora do que no ano passado. Está aprendendo a se comunicar. Por incrível que pareça, com você.

- É assustador. Às vezes eu acho... que ele se parece comigo.

- Ah, sem dúvida. Finalmente você percebeu. Há muito em comum entre vocês. Mas também há muitas diferenças.

- Como você planeja fazê-lo matar o Dark Lord?

- Pensei que você não acreditasse na profecia.

- Você sabe o desprezo que devoto à Adivinhação. E sempre achei insano jogar a responsabilidade sobre o Mundo Mágico nas mãos de uma criança por causa de uma profecia obscura. Mas você parece acreditar, então eu quero saber quais são seus planos.

- Talvez exista uma outra forma, Severus.

- Como você fez com Grindelwald? Encurralar o inimigo até lhe aplicar um xeque-mate? Forçá-lo à auto-aniquilação?

- Infelizmente não temos ainda meios concretos de fazer isso, nem de saber se é possível. Precisamos continuar a nos armar, de todas as formas.

~*~*~

No trecho final de seu Manuscrito, Salazar descrevia um altar que construíra em uma cripta dentro da Câmara dos Segredos. Construíra-o com as dimensões de um sarcófago egípcio. Acrescentara obeliscos; um negro, voltado para o norte, e outro branco, voltado para o sul. Em um retábulo, sobre o altar, colocara diversos ornamentos místicos. De cada lado do altar, um candelabro. Ao centro, o Graal.

- Por Merlin, Sev, do que esse cara está falando? Tem tudo isso lá naquela Câmara infecta?

- Não sei, meu caro, foi você que desceu lá, não eu...

- Sev, a gente tem de descer lá imediatamente!

- Calma, Harry. Se isso ainda estiver lá, está lá há quase mil anos e não vai desaparecer de uma semana para a outra. E se não estiver mais...

- Não é possível, você é frio demais.

- Não é isso. É que... não quero cultivar esperanças vãs. Salazar deve ter levado tudo o que era importante consigo. E, mesmo que não tenha levado, Tom Riddle já esteve lá, lembra-se?

- Er.

- Vamos preparar essa excursão com cuidado. Que tal descermos à Câmara no próximo sábado? De manhã? Não conte a ninguém o que descobrimos, entendeu? Eu disse a ninguém, e isso inclui o sr. Weasley e a srta. Granger. Deixe-me pensar... Venha com a capa, naturalmente. E traga sua vassoura.

 

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