CAPÍTULO 10 - O Graal

 

O banheiro de Moaning Myrtle continuava interditado. Snape empurrou a porta e os dois entraram, em passos silenciosos. Nem sinal de Moaning Myrtle, que devia estar passeando pelos encanamentos.

Aproximaram-se da pia e da torneira com a serpente entalhada.

- Abra - disse Harry em Parseltongue.

A torneira emitiu um forte brilho e começou a girar. Então a pia se moveu, expondo o largo cano.

- Eu vou na frente. Espere um pouco antes de entrar, para não cair em cima de mim - disse Snape, afastando Harry e entrando no cano. O escuro úmido e frio o envolveu antes da queda vertiginosa. Segundos intermináveis transcorreram até que aterrizasse no piso úmido do túnel de pedra.

- Lumos!

Logo, Harry aterrizou a seu lado.

Adentraram o túnel, envolto em sombras. Ratos corriam para todos os lados fugindo de seus pés.

Finalmente, chegaram à parede com as duas serpentes entrelaçadas esculpidas. Seus olhos de esmeralda cintilavam. Harry adiantou-se e sussurrou:

- Abram.

As serpentes se separaram, desvendando-lhes o interior da Câmara.

Com a máxima cautela, entraram. A mesma atmosfera esverdeada e lúgubre, as colunas sinuosas. Tudo estava como Harry encontrara em seu segundo ano. Exceto, esperava ele, o basilisco. Snape observava tudo com tanto interesse e atenção que Harry não pôde deixar de perguntar:

- Como se sente, entrando no santuário de Slytherin? É a realização de um velho sonho, para você?

- Não é irônico? Quando eu tinha a sua idade, sonhava que era o Herdeiro de Slytherin! Agora um Gryffindor me traz ao santuário de Salazar! Eu o odeio, Harry Potter, cada vez mais!

Harry abriu um sorriso cintilante.

Aproximaram-se da gigantesca estátua de Salazar. O rosto simiesco, a longa barba, a postura imponente.

- O basilisco estava lá dentro? - perguntou Snape.

- É. Saiu pela boca de Salazar.

- É assustador, mas eu queria ter visto isso! Por que trouxeram o inútil do Lockhart e não eu?

- Por que você mesmo mandou ele vir, não se lembra? E naquela época eu tinha mais medo de você do que de um basilisco. - Os olhos verdes tinham um brilho divertido ao encontrar os negros. - Como se você fosse nos deixar vir!

- Claro que eu não teria deixado! Um menino de 12 anos enfrentando Tom Riddle e um basilisco!

- Oh, o Diretor sabia que eu viria. Praticamente me mandou vir.

- É frustrante, exasperante até. Ele sempre nos deixa no ar, tentando adivinhar sua estratégia. - Snape olhou para Harry com um ar inquisitivo. - Acha que ele deixou que você viesse para... testar você?

- Para me testar ou para me ensinar algo, não sei bem.

- E o que foi que você aprendeu?

- Er... Algo a respeito de escolhas. Que eu sou responsável pelas minhas escolhas. Só que o exemplo que ele me deu, na época eu achei genial, agora acho muito idiota. Ele disse que a razão pela qual o Chapéu me colocou em Gryffindor e não em Slytherin foi porque eu escolhi assim. Só que eu não sabia nada de Slytherin nem de Gryffindor, agi por puro preconceito. Não vejo nada de maravilhoso nisso.

- Mas quando você tinha 12 anos, era importante para você saber... ou pensar... que havia escolhido certo.

Os dois magos fitaram-se por um breve instante. Harry começava a acreditar que estavam alcançando um nível superior de entendimento, acima de tolos preconceitos como aquelas divisões infantis e artificiais de Casas.

- E agora? - perguntou Harry. - Por onde começamos a procurar a cripta?

- Eu começaria pela estátua. Por isso lhe disse para trazer a vassoura. Se o basilisco estava dentro dela, talvez estivesse guardando algo valioso.

Aproximaram-se da estátua e a contornaram, observando atentamente à procura de fendas ou serpentes, e tateando em busca de partes que se deslocassem. Completaram a volta sem encontrar nada que pudesse lhes facilitar o acesso a algum outro lugar.

- Era o que eu temia. Vamos ter de entrar pela boca. - sentenciou Snape. - Você sabe a senha para abri-la, não?

- Ugh. Eu não vou dizer o que Tom Riddle disse. Nem morto.

- O que ele disse? Diga no meu ouvido.

Harry sussurrou-lhe:

- "Fale comigo, Slytherin, o maior dos quatro de Hogwarts!"

- Isso é mais uma bobagem daquele megalomaníaco insano. Peça só para ele abrir e pronto.

- Fale comigo, Slytherin, poderoso mago! - sibilou Harry.

A boca da estátua começou a se abrir.

- Eu vou na frente - disse Snape. - Se um basilisco cabe lá dentro, provavelmente uma vassoura na horizontal também cabe. Mas não sabemos se cabem duas.

Os dois montaram em suas vassouras e decolaram. Snape seguiu na direção da boca, devagar, e entrou. Viu-se cercado pela mais completa escuridão.

- Lumos!

Então gritou para Harry:

- Vou tentar ir descendo em espiral. Venha atrás de mim.

Aquela descida parecia interminável. Harry já estava ficando enjoado quando, enfim, o espaço se ampliou e ele conseguiu ficar no mesmo nível que Snape. As paredes a seu redor eram de puro cristal, e emitiam mil cintilações.

- Por Merlin! - exclamou Snape.

- Essa cripta deve estar no centro da terra, de tanto que descemos.

Ao colocarem os pés em rocha firme, não acreditaram. Estavam cercados de cristais, em uma cripta imensa e que se prolongava em um túnel sombrio, aparentemente em curva.

- Esse Slytherin não era mesmo um mago qualquer, hein? - comentou Harry.

Snape empinou o nariz e fitou Harry com aquela sua expressão de "lamba minhas botas, tolo Gryffindor".

- Vamos procurar o Altar de Slytherin.

- Só pode ser por aquele túnel ali.

- Lumos! - disse Snape outra vez, com ar resignado.

Por entre reflexos de arco-íris que se espalhavam em todas as direções, eles seguiram, até chegarem a uma porta dupla fechada, com um uroborus servindo de tranca.

- Isso realmente já está ficando repetitivo - comentou Snape, indicando a serpente a Harry.

- Abra!

No entanto, nada aconteceu. Snape adiantou-se e disse:

- Alohomora!

Nada. Snape tentou todos os encantos que conhecia, em vão.

- Vamos tentar o Alohomora juntos - sugeriu Harry.

Snape suspirou, descrente. Olhou para Harry, que apontou a varinha e iniciou a contagem:

- Três, dois, um...

- Alohomora!

O uroborus se desfez, e a porta se abriu. Eles entraram e viram-se diante do altar descrito por Salazar em seu Manuscrito: os obeliscos, o retábulo, os candelabros, o altar com um cálice ao centro.

~*~*~

- Eu disse a você: o Graal é solitário e falido.

- Sev... Aquilo tudo deve ter algum significado. Deve servir para alguma coisa.

Eles não tinham mais nada a decifrar, seus encontros das noites de quarta-feira já deveriam ter terminado, mas, enfim, quem precisava saber disso? Dumbledore? Tudo bem, logo ele iria saber. Se é que já não sabia, por seus próprios e obscuros meios.

Era a tarde daquela mesma manhã em que haviam entrado na Câmara dos Segredos, e os dois estavam de volta ao escritório de Snape. Haviam resolvido deixar o Altar de Slytherin intacto. Snape dissera a Harry que era muito perigoso levar objetos mágicos para fora da Câmara sem que se fizesse um estudo mais aprofundado a respeito deles. Poderiam ser armadilhas, como o Diário de Riddle. Além disso, eles não haviam conseguido mover o cálice, tirá-lo de seu lugar - era como se estivesse pregado ao altar. Então era isso, eles haviam encontrado o Graal, mas não sabiam para que ele servia...

- Vamos conversar com o Diretor - disse Snape, vencido. Detestava admitir que precisava do velho mago. - Talvez ele saiba.

~*~*~

- Vocês o quê? - Dumbledore arregalou os olhos. - Vocês encontraram o Graal e não sabem o que isso significa?

O velho mago caiu na mais estrondosa gargalhada. Dobrou-se todo em sua cadeira roxa estofada e parecia prestes a sair rolando pelo chão.

Snape e Harry se entreolharam, a princípio surpresos e depois zangados. Muito zangados.

- Albus, controle-se!

O Diretor precisou de mais alguns instantes para se recuperar.

- Ah, ah. Meninos, vocês são muito engraçados.

- Eu não estou vendo graça nenhuma - declarou Harry.

Snape estava chocado demais para falar.

- Meus meninos, vocês realizaram o sonho de todo mago: encontraram o Graal - Dumbledore precisou se controlar para não cair na gargalhada outra vez. - Querem um drops de limão?

- Não, Albus, faça o favor de parar com essa tortura. Fale de uma vez.

- Calma, meninos. Como eu dizia, vocês realizaram o maior de todos os sonhos. Só isso.

Snape e Harry se entreolharam outra vez.

- E daí? - perguntou Harry, cada vez mais irritado.

- E daí que a última coisa que se faz numa hora dessas é perguntar "e daí"! Comemorem ou esqueçam, façam qualquer coisa, mas não perguntem "e daí".

- Albus!

- Eu não vou contar pra vocês qual foi a piada. Se eu contar, agora, não vai ter a menor graça!

- Piada, mas que piada? A gente veio aqui pedir um esclarecimento e o senhor fica rindo na nossa cara.

- Já chega. Vamos embora, Potter - disse Snape, indignado.

~*~*~

- Er - disse Harry, quando passaram pela gárgula. - Vou falar com Hermione. Quem sabe ela possa ajudar. Quer vir comigo?

Snape hesitou. Não tinha a menor vontade de falar com a sabe-tudo Gryffindor. Não simpatizava nem um pouco com ela, e já fora suficientemente humilhado naquele dia. Mas também não conseguia suportar a idéia de que Harry ficasse sabendo algo antes dele, e pudesse, depois, não lhe contar.

- Leve-a ao meu escritório.

Pelo menos lá, ele estaria em seu território. Não se sentiria tão desamparado.

~*~*~

Ao lado de Harry, Hermione entrou no escritório do Professor de Poções com uma expressão de viva curiosidade.

- Srta. Granger.

- Boa tarde, professor Snape.

- Sentem-se no sofá, e fiquem à vontade. Vou trazer o chá.

Hermione olhou para Harry, franzindo as sobrancelhas. Harry apenas sorriu e foi buscar Ceci para apresentar a Hermione. Ceci, agora, já estava com mais de um metro de comprimento.

- Então esta é Ceci! Nunca havia visto uma jibóia dourada. É muito bonita.

A princípio, Hermione ficou com um certo receio de segurá-la, mas logo deixou que a cobra, apoiada no sofá, lhe enlaçasse o braço.

Snape serviu o chá para todos e colocou uma travessa com biscoitos ao centro da mesinha.

Harry - interrompido várias vezes por Snape - contou a Hermione toda a história de suas pesquisas. Os olhos de Hermione brilhavam. Ela sempre se interessara pela história de Hogwarts, devorara todos os livros que encontrara a respeito, e não conseguia resistir a um desafio intelectual. Quando chegaram ao final do relato, aqueles olhos dardejantes voltaram-se do amigo para o professor e deste novamente para o amigo, incrédulos.

- O Graal? Será que é mesmo o Graal? - perguntou, sentando-se à beira do sofá, como impaciência, como que prestes a se levantar e... fazer alguma coisa. Observando-a, Harry sorriu, reconhecendo ali o impulso Gryffindor de ação que, muitas vezes, sobrepujava a postura crítica e intelectual que levaria qualquer um a classificá-la como uma Ravenclaw.

- Esse é o problema, Hermione, como vamos saber?

- Srta. Granger, confiamos na palavra de Slytherin e encontramos um cálice no local onde ele dizia estar o Graal. Mas não temos como confirmar se é ou não. Talvez Slytherin estivesse enganado. Talvez estivesse mentindo. Talvez Riddle tenha levado o Graal e deixado um cálice comum em seu lugar. Enfim. Há muitas possibilidades.

- Hermione, o que a gente queria saber é... para que serve o Graal?

- O professor Snape não sabe?

Snape fitou-os como se estivesse prestes a lançar o Avada Kedavra sobre ambos.

- Se a srta. está perguntando se conheço as lendas do Graal, é óbvio que conheço. O que eu gostaria de saber é se esse instrumento tem alguma utilidade para nós, hoje.

- Ah, sim. Vamos refletir juntos a respeito do que sabemos do Graal. Na versão monástica da história...

- ... o Graal é associado à paixão de Cristo - completou Snape.

Harry suspirou. Aquilo estava virando um duelo de sabe-tudos.

- Exatamente. O Graal é o cálice da última ceia, o cálice que recebeu o sangue de Cristo, quando este foi retirado da cruz - prosseguiu Hermione.

- Dizem também que o Graal foi trazido dos céus pelos anjos neutros - comentou Severus.

- Anjos neutros? - perguntou Harry.

- Durante a guerra, no céu, entre Deus e Satã, entre o bem e o mal - explicou Hermione -, algumas hostes angélicas se colocaram do lado de Satã, e outras, do lado de Deus. O Graal foi trazido, através do caminho do meio, pelos anjos neutros. O Graal representa o caminho espiritual que se estende entre os pares de opostos, entre o medo e o desejo, entre o bem e o mal. O Graal representa a realização das mais altas potencialidades espirituais da consciência humana.

Harry olhou para a tapeçaria do Leão e a Serpente, sobre à lareira, bem à sua frente. Severus seguiu o percurso de seu olhar.

- Eu diria que a separação cristã entre matéria e espírito, na verdade, castrou a natureza. O Graal talvez fosse uma tentativa de reunificação? - sugeriu Snape.

- Eu diria mais que o Graal se tornou o símbolo de uma vida autêntica, uma vida que se move entre os pares de opostos, o bem e o mal, a luz e as trevas. Se todo ato na vida desencadeia pares de opostos, o melhor que podemos fazer é pender na direção da luz, na direção da harmonia, criando relacionamentos que resultem da compaixão, da compreensão. É disso que trata o Graal.

- Se foi isso que nós encontramos... - disse Harry.

Os olhos verdes encontraram os negros.

- Se foi isso que vocês encontraram, é algo muito precioso - concluiu Hermione.

 

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