CAPÍTULO 11 - Afinidade Mágica

 

- Meus meninos, eu os chamei aqui, antes de mais nada, para me desculpar com vocês.

Snape e Harry se entreolharam, desconfiados, e não disseram nada.

- Sei que não deveria ter caído na gargalhada diante de vocês. Me perdoem. Agora imagino que vocês tenham entendido, inclusive, por que não poderia ser eu a pessoa a lhes dizer o que significava a sua façanha: vocês não me levariam a sério.

- Albus, o que é que você está tramando agora? Fale de uma vez, já estou cansado desses seus meandros sinuosos.

- Meandros sinuosos? Serpenteantes? Curioso, Severus. Gostei da expressão.

- Albus!

- Está bem, calma! O que eu preciso lhes dizer é que... bem... vocês já devem ter reparado... embora vocês sejam pessoas um tanto... distraídas... que... há uma... afinidade mágica entre vocês dois.

- Uma afinidade mágica? - repetiu Harry, intrigado.

- Diretor, não creio que seja conveniente tratarmos disso agora - disse Snape, em tom alarmado.

- Severus, não precisa ter medo. Eu não vou recriminá-los por não terem me contado...

Snape empalideceu. Harry olhava de um para o outro, sem entender nada.

- Eu não pude deixar de notar o que acontece entre vocês.

Harry ficou vermelho. Para onde estaria indo aquela conversa? Será que só agora o Diretor iria interrogá-los sobre o beijo? Por que só agora? E até que ponto aquilo os comprometeria? O Diretor prosseguiu:

- Há uma afinidade mágica muito forte entre vocês. Se não fosse extremamente forte, vocês não conseguiriam ter aberto a porta do Altar de Slytherin. Harry, pela sua expressão estou percebendo que você não sabe do que estou falando. Trata-se de uma afinidade especial que há entre alguns magos, que independe de gênero ou idade. É algo muito raro. E que existe entre vocês. Individualmente, vocês são magos poderosos, mas juntos, o são ainda mais. E não é simplesmente uma soma de forças, é algo exponencial, a força de vocês irá se elevar vertiginosamente se trabalharem juntos. Em uma guerra como a que travamos, e com o papel que cada um de vocês desempenha nela, não podemos desperdiçar esse potencial. Quando tiverem aperfeiçoado a magia conjunta, conseguirão, por exemplo, mover o Graal. Vocês precisam treinar a aplicação dessa magia conjunta. Por isso, fico ainda mais feliz de ver que agora vocês estão se entendendo melhor.

Snape se levantou e andou em círculos pelo escritório do Diretor.

- Sabe os riscos que estaríamos correndo, não sabe?

- Confio em vocês.

- Não é questão de confiança, Albus! Sabe que às vezes esses processos se tornam incontroláveis! Que, muitas vezes, uma afinidade assim levou à loucura um de seus componentes, ou ambos!

Harry não estava gostando nada daquilo.

- É verdade - concordou Dumbledore. - Mas nós não vamos nos arriscar. Vamos seguir um plano de trabalho, e eu vou monitorá-los pessoalmente.

Snape deu um longo suspiro. Harry cruzou os braços.

- Que maravilha. Vocês já decidiram meu futuro, então? Eu não tenho direito a voz?

- Ora, Harry, você está aqui exatamente para dar a sua opinião! - respondeu o Diretor, em tom de mágoa.

- Ah, claro. Só que vocês ficam falando em linguagem cifrada, e nem é Parseltongue.

- Severus está preocupado porque, quando há uma afinidade mágica e os magos que a possuem passam a exercitá-la, o impacto dessa prática sobre a mente do mago é muito intenso. O mago mais forte pode dominar a mente do mais fraco, por exemplo, e causar-lhe sérios danos. Por isso era necessário que houvesse confiança entre vocês.

- Era necessário? Quer dizer que... a nossa... aproximação... não passa de um plano seu? - perguntou Harry, cerrando os punhos.

- Harry, por favor! Você não acha, realmente, que eu tenho tanto poder assim, acha?

Snape, sempre em pé, apoiou a mão sobre o ombro de Harry, provocando a emissão de faíscas mágicas, sob o olhar fascinado de Dumbledore.

- Ainda bem que nem todos vêem essas descargas mágicas que vocês emitem, seria muito embaraçoso... Só quem tem um certo grau de vidência consegue ver - observou Dumbledore. - É como a aura, sabe, Harry? Poucos magos podem vê-la. Vocês conseguem ver as descargas?

- O senhor está tentando se desviar do assunto - despejou Harry. - Nós somos apenas marionetes nas suas mãos. Na verdade, nossa opinião aqui não vale nada. Queiramos ou não, vamos ter de fazer o que determinar.

O velho mago baixou os olhos, e todo o peso de sua idade pareceu cair sobre ele e se refletir em sua expressão.

- Um dia você entenderá, Harry. Pena que, quando isso acontecer, talvez seja tarde demais para eu recuperar o seu afeto.

~*~*~

- Ele só disse aquilo para eu me sentir culpado e ele poder me manipular, não foi? - indagou Harry.

Era a primeira noite de quarta-feira desde a reunião com Dumbledore. Harry e Snape estavam reunidos no escritório de Snape, sentados no sofá junto à lareira, planejando os treinos de Afinidade Mágica.

- Ele tem muitas camadas. Em uma delas, ele tem um profundo afeto por você, isso é certo. Mas a gente nunca sabe com qual camada está falando.

- Er, não é só com ele que isso acontece...

- Como eu lhe disse certa vez, a mente humana, em geral, tem várias camadas. Com algumas exceções - acrescentou Snape.

- Ah, eu me lembro disso. Eu estava falando com uma outra camada sua, naquele momento.

Snape deu um sorriso irônico.

- Tem certeza disso, sr. Potter?

- Argh.

Depois de um breve silêncio, Harry despejou:

- Por falar em camadas, por que não me falou da maldita afinidade mágica?

- Por que deveria ter falado?

- Sev, por favor.

Snape afastou os cabelos que lhe caíam sobre os olhos.

- Eu não sabia o que fazer com aquilo. Ainda não sei, mas agora Albus decidiu por nós.

- Como assim, "o que fazer com *aquilo*"? Você também é um patife manipulador, como Dumbledore, não é? Eu não tenho nada a dizer sobre isso? Você é que decide?

- Eu ainda sou seu professor, embora você nunca tenha me respeitado como tal.

- O fato de ser meu professor não lhe dá o direito de tomar decisões sobre minha vida. Mas não quero discutir com você. Quero que me diga... que me explique... como funciona esse negócio de afinidade mágica. As pessoas que têm isso... se sentem da mesma forma que eu me sinto em relação a você?

- E como seria isso?

Deslizando sobre o sofá, Harry aproximou-se do professor. A respiração de Snape acelerou, o coração começou a bater em ritmo descontrolado. Mirou os olhos verdes, que emitiam brilhos flamejantes. Harry se inclinou para beijá-lo, e o professor estava decidido a repeli-lo de imediato. No entanto... muito ao contrário... ele se viu assistindo, em câmera lenta, à aproximação e, por fim, ao toque suave e cálido dos lábios do garoto. Seus lábios finos se entreabriram, e logo as línguas se encontraram - a princípio um tanto tímidas e desajeitadas, mas depois cada vez mais ousadas. Ondas de magia fluíam de um para o outro, criando faíscas cintilantes. À medida que o beijo se aprofundava, Harry procurava uma posição melhor. Acabou montado no colo de Snape, de frente para ele. Com um gemido gutural, Snape segurou a nuca do menino firmemente com uma das mãos, enquanto a outra lhe agarrava os quadris, puxando-o contra si. Harry sugava-lhe a língua e tentava obter o máximo de contato entre os corpos. Sentindo o desejo que dominava o menino, Snape também sentiu-se enrijescer, e os corpos começaram a ganhar vontade própria, entrelaçando-se cada vez mais.

Quando parecia não haver mais a possibilidade de controle, Snape descolou os lábios dos de Harry e colocou-lhe as mãos nos ombros, para contê-lo. Ofegante, trêmulo, baixou a cabeça por um instante. Depois, reunindo todas as suas forças, empurrou o menino violentamente para o lado.

- Não podemos fazer isso.

- Oh, Merlin.

- Não podemos. Isso não pode continuar. Precisamos ter uma conversa séria.

- Ah! Agora você vai me falar de abelhas e passarinhos?

- Harry, por favor. Não é brincadeira.

Seus olhos se encontraram, e Snape percebeu o desejo estonteante refletido nos olhos verdes. O impulso de agarrá-lo, de beijá-lo de novo, era quase irresistível.

Quase. Respirou fundo.

- Existe uma poção, sabe... Chama-se Castus. É horrível. É uma poção supressora da libido. Tem efeitos colaterais quase tão terríveis quanto o beijo de um Dementor.

Harry estremeceu.

- Você toma isso?

- Não. Ainda não - disse Snape. - Vamos tomar um chá.

Snape se levantou, encheu a chaleira de água e a levou ao fogo, à maneira Muggle. Gostava do ritual do preparo do chá. Mas, no momento, o seu objetivo era ganhar certa distância do menino. Precisava recuperar o controle.

Esperou, em silêncio, que a água ficasse no ponto certo. Tirou a chaleira do fogo, pegou o bule, preparou o chá com a máxima concentração. Levou a chaleira até a mesinha que ficava diante do sofá, entre o sofá e a lareira, e foi buscar as xícaras. Depois pegou uma lata de biscoitos dinamarqueses, e os serviu em um prato. Enfim, sentou-se na poltrona que ficava a noventa graus do sofá onde Harry estava sentado e serviu o chá.

- Harry, não há nada de misterioso na Afinidade Mágica. Ela apenas favorece a união da magia dos magos que a possuem. É claro que essa operação mágica, da união das magias, é altamente complexa e afeta tanto as mentes quanto os corpos dos magos envolvidos. Mas ela não tem, em si, uma expressão sexual.

- *Não* tem?

- Não.

Snape tomou um gole do chá. Harry o fitava, boquiaberto.

- Você quer dizer que... não é ela que faz com que...

- Exatamente. Não é.

- Ah.

- Correndo o risco de ser repetitivo, eu insisto: ela, em si, não impele aqueles que a possuem a fazerem sexo - declarou Snape.

- Sabe, eu estou me sentindo um completo idiota.

- Claro. Você precisava de uma desculpa para se interessar pelo seu abominável professor de Poções, duas vezes mais feio do que uma gárgula - disse Snape, com amargura.

- Não é isso! Como é que você consegue ser mais idiota do que eu? - Harry se ajoelhou ao lado da poltrona de Snape, e levou os nódulos dos dedos até a face do professor, roçando-os nela, em uma suave carícia. - Quem falou que você é feio?

- Legilimência, lembra-se?

- Mas quando? Nas aulas de Oclumência? - Harry segurou-lhe a mão e cerrou os olhos, em expressão de desespero. - Isso faz um século, sabia? Se tentar entrar em minha mente agora, Severus, verá o que realmente... por favor.

Snape levou a mão aos cabelos revoltos do menino.

- Harry... Não era essa a conversa que eu precisava ter com você. Volte lá para o sofá e tome o seu chá, que está esfriando. Senão eu não vou conseguir dizer o que preciso.

- Eu acho que não quero ouvir isso que você acha que precisa dizer.

- Faça o que estou lhe dizendo, Harry.

Com um suspiro, Harry obedeceu. Sentou-se, pegou a xícara na mesinha e um biscoito. Snape esvaziou a sua xícara.

- Vou ser totalmente sincero com você: eu acho que a sociedade mágica impõe barreiras demais à sexualidade. Vivemos uma repressão semelhante à dos Muggles e, na minha opinião, de forma injustificada. No mundo mágico dos meus sonhos, o sexo seria algo tão livre e natural quanto comer, dormir, conversar. A única condição seria o mútuo consentimento. Não haveria barreiras de gênero e nem de idade. Mas não podemos negar a realidade em que vivemos. As barreiras, ainda que a princípio artificiais, estão aí, e são tão fortes que se inseriram em nossos próprios corações e mentes, corpos e almas. Não podemos rompê-las de maneira inconseqüente e irrefletida, pois isso também seria uma violência contra nós mesmos.

Serviu-se de outra xícara de chá e, encarando Harry com firmeza, prosseguiu:

- Como Dumbledore já lhe disse, a Afinidade Mágica independe de gênero ou idade. É algo muito raro. E que existe entre nós. - Os dois fitaram-se longamente. - Você é muito jovem. Não deve se prender ainda a alguém. Se fizéssemos amor, com a Afinidade Mágica, nunca mais seríamos os mesmos.

- Mas isso é ruim? Todas as vezes que nos tocamos... é tão bom!

- É algo irreversível e além das nossas forças normais. Repito, você ainda é muito jovem para uma experiência como essa.

- E quando é que eu vou ter idade o bastante?

- Ninguém pode responder a essa pergunta com certeza, Harry. Não é uma simples questão de números. Aos 17 anos você será considerado maior de idade, e poderá, inclusive Apparate. Mas isso é algo arbitrário, não garante que o mago realmente tenha atingido aquela maturidade. Inclusive há muitos que não conseguem Apparate senão muito mais tarde. Ou nunca! No caso da Afinidade Mágica, os riscos são ainda maiores. Todo o cuidado é pouco.

- Se não tivéssemos essa Afinidade Mágica, você aceitaria...

- Ter relações sexuais com um aluno? De jeito nenhum. As regras do Ministério da Magia são muito claras e proíbem qualquer tipo de relacionamento mais íntimo entre professor e aluno.

- Sabe... Eu não vejo nada de errado no que eu sinto.

Snape fechou os olhos, saboreando as palavras do menino. Seria tão fácil se entregar, deixar rolar. Seria tão mais fácil achar que não havia nada de errado!

- Você não vê. Eu também não vejo. Mas a sociedade, como um todo, vê.

- E o que eu devo à sociedade? Que vida maravilhosa ela me proporcionou até agora?

- Você tem razão, você não deve nada. A ninguém. Mas se você, menino rebelde e insubordinado, se insurgisse contra *essas* regras... a sociedade se vingaria com uma violência incomparável. Seríamos marginalizados totalmente. Eu perderia meu emprego. Iria para Azkaban, com certeza. Claro que eu não quero nada disso, mas falando assim parece que estou alegando motivos pessoais, egoístas... É mais complexo do que isso. O que eu penso é: como *você* ficaria ao me ver apedrejado em praça pública, humilhado?

Harry estremeceu visivelmente. Snape tomou outro gole de chá.

- Ou talvez no fundo as minhas motivações sejam mesmo pessoais. Porque, pior ainda: como eu ficaria vendo você me ver em tal situação de aviltamento?

- Eu entendo. É horrível, eu sei. Eu entendo perfeitamente o que você está dizendo.

- Lembra-se do dia em que você violou a penseira com as minhas memórias? Você não sabe o que eu senti, você não faz idéia. Sinceramente, eu acho que a minha pior memória não é a da humilhação que eles me fizeram passar aos 15 anos, mas a de ter visto você presenciar aquilo tudo.

- Severus! - Harry se ajoelhou outra vez ao lado da poltrona de Snape e tomou-lhe a mão entre as suas. - Me desculpe. Depois de todo esse tempo, eu nunca lhe pedi desculpas. Também porque, por um lado, foi bom eu ter feito aquilo. Foi assim que vi que meu pai não era nenhum santo, como me diziam. E que você... tinha razão em muito do que dizia dele. Mas, de qualquer jeito, eu tinha de me desculpar por ter faltado com a sua confiança.

- Eu não confiava em você. Apenas cometi uma imprudência. O que eu fiz foi... como você me chamou certa vez... patético.

- Parece que hoje vou ter de responder por todos os meus pecados...

- Você... - Aquilo era irritante. Havia algo no menino que o desmontava completamente. Mais uma vez, ele perdera o rumo da conversa. - Esqueça. O importante é que você... entendeu os meus motivos, não entendeu?

- Eu entendi, entendi perfeitamente. Mas eu não vou renunciar a você! Isso não faz sentido! O único jeito de me fazer desistir é você dizer que não me quer.

- Se você entendeu mesmo o que eu falei, por que quer tornar as coisas mais difíceis? O que você quer que eu faça?

- Que me dê algum tipo de perspectiva de resolução dessa situação!

- Eu já lhe disse, enquanto você for aluno, não tem nenhuma perspectiva.

- Então é um beco sem saída, não é? Eu não posso abandonar Hogwarts. Hogwarts é a minha única esperança de um futuro no mundo mágico, e se há algo que eu não quero é voltar ao mundo muggle. Para você, a situação é pior ainda. Hogwarts é a sua vida. Então... você vai dizer que eu sou um tolo Gryffindor, e que isso é uma bobagem romântica, mas eu... vou esperar por você. Falta pouco mais de um ano para eu me formar.

- Por favor, me poupe desses desatinos. Não faz o menor sentido. Você tem 16 anos. Arranje uma namorada ou um namorado e...

- Namorada... Namorado... Palavras ridículas. Você nunca seria um namorado, não é? Eu não quero uma namorada ou um namorado, sabe? Pensando bem, acho que nunca quis, de verdade.

- Você é um menino muito estranho, Harry Potter.

- Eu sei. Afinal, sou o Menino Que Sobreviveu, não sou?

 

Anterior
Próxima
HOME
Baphomet (Índice)
Fanfiction (Índice das Histórias)