CAPÍTULO 12

Quando as Estrelas Arremessaram suas Lanças

 

A Sala da Requisição era o lugar perfeito para praticarem Afinidade Mágica. Eles requisitaram que sua magia ficasse convenientemente isolada e que ninguém pudesse localizá-los.

- Nossa primeira lição, obviamente, será o "Gira e Sacode". Tire a sua varinha para fora.

- Er.

- Isso. Eu também vou tirar a minha.

Harry olhou para o teto.

- Agora vamos aproximar nossas varinhas... até que se encostem. Isso. Lado a lado. Segure com força. Agora vamos lá: gira e sacode.

- Quer parar com isso?

- Isso o quê?

- Essas insinuações... obscenas. Isso, "obscenas" é uma palavra que combina com você. Com essas suas insinuações obscenas, eu não consigo me concentrar.

- Insinuações obscenas? - Um sorriso perverso rasgou o rosto do professor. - Isso é fruto da sua mente adolescente, entupida de hormônios.

Sempre trocando farpas e travando batalhas verbais, eles praticaram as primeiras lições de Feitiços. Severus materializou uma pena azul e colocou-a sobre uma grande mesa ao fundo da Sala.

- Vamos lá. Vamos ver se conseguimos fazer subir. Juntos.

Harry fez uma careta para Snape antes de se concentrar no encantamento.

- Wingardium Leviosa!

Nada aconteceu.

- Er. Não está dando certo.

- Acontece que cada um de nós está querendo "mandar" no encantamento, e acaba anulando a magia do outro. É um encantamento muito simples de se fazer conjuntamente, porque não há escolhas envolvidas. É só mandá-la levitar, não temos de escolher entre mandá-la para a direita ou a esquerda, por exemplo. Então não deveria haver conflito entre nossas intenções. Mas, mesmo assim, *estamos* em conflito, e a magia não flui. Pense que, na verdade, nós já fizemos algo mais complicado do que isso, quando abrimos a porta do Altar de Slytherin. "Alohomora" é bem mais complexo que "Wingardium Leviosa"!

Logo eles conseguiram deixar de tentar influir na magia um do outro e a pena azul levitou. Então eles a fizeram circular pela sala.

- Agora vamos tentar com a mesa.

Levitar a mesa não exigiu maiores esforços do que levitar a pena. No entanto, por um instante Harry se desconcentrou, e a mesa veio ao chão, com um violento estrondo. Um dos pés se quebrou.

- "Reparo" é um encantamento mais complexo. Na minha programação, nós só o veríamos lá pela quinta aula. Mas já que a circunstância se apresenta...

Os dois apontaram as varinhas para a mesa, sintonizaram as mentes e pronunciaram o encantamento. De repente, não só aquele pé foi consertado como a mesa ganhou mais dezenas de pés.

- Potter, que idéia foi essa?

- Eu? Quem disse que fui eu?

- Quem mais poderia pensar numa mesa-centopéia?

- Sei lá. Você é que é o professor, você é que tem de dar as explicações.

- Muito bem. Acho que o superestimei. Vamos deixar esse encantamento para mais tarde.

- "Me superestimou"! Você é que é um péssimo professor!

~*~*~

Eles se aproveitavam da versatilidade proporcionada pela Sala da Requisição. Certa noite de abril, depois de mais de uma hora tentando, infrutiferamente, dominar Feitiços de Troca, eles se instalaram em confortáveis sofás e, recostados, divertiam-se invocando, conjuntamente, neve encantada - quente e seca. Era bonito ver os flocos caindo. Num ímpeto criativo, Snape resolveu adaptar um encantamento para eles criarem também uma aurora borealis dentro da Sala.

- Sabe, Feitiços de Troca são complicados para nós porque precisamos nos concentrar na mesma imagem ao mesmo tempo.

- Poderíamos trocar esses flocos por estrelas... Não seria bonito, uma chuva de estrelas?

- Você consegue imaginar nitidamente uma estrela? Poderíamos tentar com a Legilimência. Deixe-me penetrar sua mente - disse Severus, em seu tom mais sedutor. - Eu... não vou espionar nada. Só quero entrar e plantar uma estrela...

Por um instante, Harry saboreou a sensação de enlevo que a voz de Severus e a imagem poética lhe transmitiam. Então se zangou. Não era justo que Snape lhe falasse naquele tom depois de todo aquele discurso sobre qualquer relação mais íntima entre eles ser proibida. Snape o provocava e depois o rejeitava.

- Por que temos de criar a *sua* estrela, e não a *minha*?

- Sempre esses jogos de poder. Assim fica complicado.

- Quem falando! - Harry cruzou os braços. - A estrela que eu imaginar nunca vai ser igual à sua.

Snape parecia atravessá-lo com os olhos.

- Sirius? Você ainda me culpa pela morte dele?

Harry suspirou.

- Não mais do que a mim mesmo ou a Dumbledore.

- Mas me culpa, mesmo assim.

Harry baixou os olhos, sem dizer nada.

- Creio que nunca serei capaz de perdoar a Sirius ou a James - declarou Snape. - Por isso, não vou lhe pedir desculpas pelo que aconteceu a Sirius. Eu o faria de novo, nas mesmas circunstâncias. Não sou uma pessoa que perdoe facilmente.

- Eu sei. Acho que eu também não sou.

- Por enquanto, acho que é o melhor que podemos conseguir, não é? Sei que não parece muito, mas é um começo. Muito bem. Vamos criar uma estrela... juntos. Com a Legilimência.

Lentamente, seus pensamentos foram se misturando, se fundindo. Do caos, começou a se formar uma estrela. Talvez não fosse a estrela bailarina de Nietzche, mas pulsava, cintilava e ofuscava.

Logo, eles estavam sob uma chuva de estrelas.

~*~*~

O que eles percebiam, aos poucos, era que a magia que produziam conjuntamente não era exatamente como a magia individual de nenhum dos dois, mas tinha elementos de ambos. E, mais surpreendente ainda, não era magia branca nem negra - mesclava as duas forças.

~*~*~

Em maio, seguindo a programação de Snape, eles começaram a treinar um dos mais difíceis encantamentos mágicos: o Patronus.

- Pensei na possibilidade de usarmos um Boggart, já que o seu Boggart assume a forma de um Dementor, mas... você já pensou em qual pode ser o nosso Boggart conjunto?

- Er... Voldemort.

- E aí não vai adiantar nada lançar um Expecto Patronum! Enfim,vamos ter de treinar assim mesmo. Não são as condições ideais, pois mesmo que consigamos produzir um Patronus aqui, não quer dizer que estejamos preparados para enfrentar os Dementors com ele. Mas, pelo menos, vamos descobrir qual é o nosso Patronus conjunto.

- Duvido que você seja capaz de lançar um Patronus... Será possível que Severus Snape tenha algo agradável em que pensar?

- Harry Potter fervendo em um caldeirão cheio de ratazanas, salamandras, aranhas e outros ingredientes abomináveis?

- Sério, Sev, qual é o seu Patronus?

- Não vou lhe contar. E não adianta tentar ler minha mente!

Mas Harry estava se tornando um mago cada vez mais poderoso, e Severus sabia que não conseguia lhe opor a mesma resistência de antes.

~*~*~

Não conseguiram, na primeira aula, produzir o Patronus. Na aula seguinte, quando Snape deu a ordem para que unissem suas forças e tentassem, uma vez mais, lançar o Patronus, Harry deu o golpe. Fingiu que tentava, mas não colocou intenção no encanto.

A figura imponente e soberana de Albus Dumbledore surgiu diante deles, com uma expressão grave e serena, envolta em uma névoa cor de prata. Após um breve instante de perplexidade, Snape se voltou para Harry, furioso.

- Seu trapaceiro, verme traiçoeiro...

- Então... é ele! Como pude ser tão cego? Você o ama... - Harry fitou Severus, de olhos arregalados. - Você o ama... desde que era criança... Tudo o que você fez... foi por amor a ele.

- Pare com isso, Harry, saia de minha mente!

- Desculpe, você não estava resistindo.

- Não que eu não tenha tentado! - Snape o fuzilou com os olhos. - Parece que agora sou um Squib perto de você. Que você pode fazer o que quiser com a minha mente, divertir-se como bem entender.

- Eu não estou me divertindo! Nem um pouco!

- Bem, então nós temos *mais* alguma coisa em comum!

- Sev, me desculpe. Eu não fiz por mal. E, embora eu não tenha essa mesma identificação com Dumbledore, embora eu não goste dele nem confie nele, agora entendo você muito melhor. Mesmo você sendo esse patife seboso que é.

~*~*~

Era a terceira aula em que tentavam o Patronus conjunto e... nada. Snape não sabia mais o que fazer.

- Sev... Qual é a melhor lembrança que você tem... comigo? De algo que tenhamos compartilhado?

- É por isso que nunca vamos conseguir. Não tenho nenhuma lembrança boa de algo compartilhado com você.

A forma como olhava para Harry, no entanto, desmentia suas palavras. Na verdade, só de pensar em Harry a seu lado, algo se iluminava no fundo de sua alma sombria.

- Harry, me dê sua mão.

- Ah! É tão bom sentir a sua magia se misturar com a minha assim, fisicamente, não só mentalmente!

- A idéia é que o contato físico auxilie a fusão mental. Deixe a sua mente aberta. Vamos unir nossas mentes. Isso, assim mesmo. Pense em mim, Harry, e eu pensarei em você. Três, dois, um...

- Expecto Patronum! - disseram, em uníssono.

E uma serpente-leão, em brilhos prateados fantasmagóricos, surgiu diante deles. Era o Baphomet.

Maravilhados, os dois se abraçaram. Mas nenhum dos dois estava preparado para a força da descarga mágica provocada pelo contato. Lentamente, o Baphomet se dissipou nos ares. Snape tentou se desvencilhar, mas Harry o segurou e o empurrou contra a parede. Harry parecia dominado por uma força sobrenatural.

- Pare, Harry. Isso está ficando incontrolável.

- Não! Não me faça parar.

Harry não queria saber. Não era justo aquilo. Há seis anos o Mundo Mágico o preparava para matar ou morrer, negando-lhe o afeto de uma família e colocando em risco - senão matando realmente - a vida daqueles a quem amava. E agora não o deixava ficar com a pessoa a quem desejava. Não o deixava viver. Era claro que Severus pensava como ele, que também o desejava. Então não havia motivo para que parassem, dizia para si mesmo. Em desespero, colou os lábios aos de Severus. Este tentou afastá-lo, mas Harry segurou-lhe os quadris e, gemendo, comprimiu-se contra seu corpo, ao mesmo tempo em que aprofundava o beijo quente e brutal. As ondas de magia os envolviam, em múltiplas cores.

Mais uma vez, Snape tentou se libertar, mas Harry era muito mais forte que ele, e o dominava, magica, fisica e mentalmente.

- Por favor, você precisa parar - insistiu. - Eu não tenho força para resistir, está entendendo?

- Não, não diga isso.

Harry esfregava-se ritmicamente contra o corpo do professor. Tentando aumentar ainda mais a fricção, Harry segurava os quadris Severus com firmeza. As ondas que os envolviam começavam a adquirir tons cinzas, sombrios, mas Harry nem percebeu. Não percebeu também que Snape, a partir de certo momento, não conseguia mais reagir. Harry mergulhou para mais um beijo. Enlouquecido, começou a tentar abrir a infinita série de botões do manto de Snape. No exato instante em que ia pronunciar um encanto para se livrar de vez das roupas do professor, algo de muito estranho aconteceu. O tempo pareceu se deter e, lentamente, Harry viu Snape desfalecer em seus braços.

- Severus?

Teve de usar de toda a sua força para amparar o professor. Por sorte, como estavam na Sala da Requisição, uma cama hospitalar se materializou sob o corpo de Snape.

- Severus, por favor, acorde!

Pálido como um cadáver, Snape mal respirava.

Harry dirigiu-se à lareira - que, na verdade, antes não estivera ali, e sob cujo console havia a quantidade necessária de Floo powder -, e entrou em contato com o escritório do Diretor.

- Harry, o que houve?

- Diretor, o Professor Snape desmaiou. Poderia trazer Madame Pomfrey aqui na Sala da Requisição?

- Já estou indo!

~*~*~

A Sala foi completamente transformada em uma enfermaria, onde Madame Pomfrey encontrava todos os medicamentos de que necessitava.

- Como ele foi chegar a esse estado? Os sintomas são de alguém que foi submetido a um Imperius durante várias horas.

Dumbledore olhou para Harry com expressão preocupada. Harry enterrou o rosto nas mãos.

- Eu... não tive a intenção... Eu não sabia que exercia um efeito tão poderoso sobre ele... Ele é o professor, não é? Sempre achei que ele fosse mais forte do que eu!

- Poppy, peço-lhe a máxima discrição em relação a esse assunto - disse Dumbledore. - É um problema relacionado a Afinidade Mágica. O professor Snape foi submetido a um estado de tensão além de suas resistências.

- Afinidade Mágica? Por Merlin, quando vocês vão parar de brincar com fogo? - Madame Pomfrey meneou a cabeça, inconformada, e foi buscar a poção mais adequada para submeter ao paciente.

Ao erguer novamente a cabeça, Harry deparou com o olhar implacável de Dumbledore.

- Estou muito decepcionado com você. O seu comportamento irrefletido colocou em risco a vida do Professor Snape. Espero que tenha consciência da gravidade do que fez e que isso nunca mais se repita.

~*~*~

Já era alta noite. Madame Pomfrey se retirara e o deixara tomando conta de Severus. Não, ele não ia sair dali enquanto Severus não recuperasse a consciência, enquanto não tivesse certeza de que Severus estava bem.

Dessa vez ele realmente pusera tudo a perder. Agira exatamente como seu pai em seus piores momentos, não? Então ele também podia ser odioso e desprezível como James. Não sabia pronunciar um Imperdoável, mas era tão cego e egoísta que conseguira extrair quase até o último sopro de vida da pessoa que agora era a mais importante para ele. Agira como um estuprador, desrespeitando totalmente a vontade do outro, impondo-se pela força.

Como se desculpar de algo tão fundamentalmente errado? Não seria de admirar se Severus nunca mais quisesse vê-lo outra vez. Aliás, se Harry conhecia bem Severus Snape, era exatamente isso o que iria acontecer.

Era o fim do sonho da Afinidade Mágica. Pelo menos nenhum dos dois enlouquecera, não é? Será que não? Na verdade, Harry planejava seriamente se jogar no lago, e sem nenhuma gillyweed. Seria um belo modo de pôr fim a tudo. A não ser que, com a sua maldita sorte, ele fosse resgatado pelo Giant Squid. Que poderia ser seu pai. Que *deveria* ser seu pai. Sim, porque, se Lily Evans tivesse mantido a coerência e casado com o Giant Squid em vez de com James Potter, todos os seus problemas nunca teriam existido.

- Se você fosse filho do Giant Squid, teria um cérebro mais aproveitável, menino estúpido.

- Severus! Finalmente... - Harry segurou-lhe a mão. - O que...

- Esqueça. Eu não estou zangado com você.

- Como assim? Depois do que eu lhe fiz? Severus, eu...

- Eu já sei o que você está pensando. Um monte de asneiras, como sempre. É claro que você *não* é James Potter. É muito estranho que seja eu a pessoa a lhe dizer isso, depois de tudo!

- Você não está bem, não é? Vou chamar Madame Pomfrey e...

- Estou perfeitamente bem. Pare de fazer drama. É tudo muito simples. Você tem só 16 anos e está atingindo um nível de magia muito elevado, e de forma muito rápida. Você não está acostumado a isso e não consegue controlar toda essa magia. Ainda mais com a Afinidade Mágica operando.

- Sev... Eu não mereço a sua compreensão. A gente precisa parar com essas lições. Tudo isso é muito perigoso.

- Bobagem. Estamos em um nível bastante avançado, seria um desperdício pararmos agora. É a arma mais poderosa que temos para derrotar o Dark Lord.

- Mas eu não confio em mim mesmo, e não quero colocar a sua vida em risco.

- Mais uma vez, a síndrome do herói. Continua se achando muito especial, não é?

- Vou chamar Madame Pomfrey. E você precisa descansar. Depois a gente conversa.

Snape deu um grunhido.

 

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