CAPÍTULO 5 - Séptuor

 

A velha rotina, outra vez. O sarcasmo de sempre nas aulas de Poções, a intimidação quando se encontravam nos corredores. Mas, de alguma forma, Harry sabia que algo havia acontecido. Não tinha como provar, mas desconfiava. Snape havia lhe aplicado um Feitiço do Esquecimento. Apesar disso, o feitiço não apagara a impressão de que algo de muito importante acontecera naquele dia. Lembrava-se do passeio no unicórnio e depois... um estranho branco, que não era exatamente o Nada. Era um branco carregado de... De quê? Era algo indefinível. O que mais o intrigava era a atitude desprendida de Snape, que quisera proporcionar a ele o contato com o belo animal, embora ele próprio não pudesse desfrutar daquela experiência. No entanto, todos os dias Snape renegava essa imagem afetuosa diante de Harry. Ou seja, Snape continuava sendo um mistério, cada vez maior.

Não havia ninguém que pudesse ajudá-lo. Ron não entenderia. A Hermione, ele não queria contar que havia, irresponsavelmente, fugido para a Floresta Proibida, nem os motivos que o haviam levado a isso.

Quanto a Dumbledore... No primeiro dia de aula de Oclumência após a cena com o unicórnio na Floresta, Harry entrara no escritório do Diretor e dissera que não se sentia em condições psicológicas de ter aquelas aulas, no momento. Fizera essa declaração com tanta frieza e desprezo que, aparentemente, Dumbledore entendera que seria inútil insistir. Estranhamente, não lhe perguntara, como Harry esperara, se ele aceitaria voltar a ter aulas de Oclumência com Snape.

Toda aquela situação de indefinição, de isolamento, desgastava os nervos de Harry. A princípio, ele se tornara desatento, ausente. Os amigos e professores percebiam, e lhe perguntavam o que estava acontecendo. Ele dizia que não era nada, ou admitia apenas que estava cansado de não fazer nada, quando havia uma guerra se desenrolando.

Continuava treinando o Exército de Dumbledore e praticando Quidditch. Eram as únicas atividades que o distraíam do tédio mortal de Hogwarts. Fora, é claro, o trabalho com o Manuscrito de Slytherin, que avançava lentamente.

O clima entre eles era tempestuoso. Harry não conseguia se concentrar em nada, o que irritava profundamente o professor.

- Para que serve aquele chifre em cima da lareira?

- Potter, concentre-se no código, senão nunca iremos terminar de decifrar todos os fonemas.

- Custa muito responder uma simples pergunta?

- É uma ptyx.

- ???

- É o único objeto capaz de conter o Nada. Conhece o Nada, pirralho insolente? Não é nada agradável conhecer o Nada...

Harry obviamente não sabia o que dizer a isso. Retornou ao seu silêncio impotente e a decifração dos obscuros códigos.

~*~*~

Na aula de Poções, diante do comportamento dispersivo de Harry, Snape o torturava cada vez mais. A pressão do professor fazia, ao menos, Harry se sentir mais vivo... Perigosamente, Harry passou a provocá-lo.

- Potter, eu não cansei de repetir que não acrescentasse o asfódelo antes que a mistura ficasse roxa?

- Não, senhor - retrucou Harry.

- Como é que é?

- Não, o senhor não disse nada disso! Agora, se quer tirar os pontos de Gryffindor, não é culpa minha, não posso fazer nada, o senhor vai tirar de qualquer jeito, não vai? Por que é que eu tenho de ficar aqui representando essa comédia de humor negro?

A classe toda se entreolhou, atônita. Nos olhos de Slytherins e Gryffindors o mesmo terror se estampava. Ninguém desafiava Snape daquela forma. Até Draco Malfoy estava perplexo demais para dar um de seus risos irônicos. O Professor de Poções se aproximou até ficar a menos de trinta centímetros de Harry.

- Sr. Potter, vá procurar o sr. Filch imediatamente e diga-lhe que está sob detenção. Saia já daqui. E se não for procurar o sr. Filch, o Diretor será informado de seu comportamento.

~*~*~

O sol já estava se pondo quando Harry terminou de limpar o último banheiro, o dos Prefeitos. Não aguentava mais aquele cheiro de amoníaco do detergente que Filch lhe dera. Estava seguindo rumo às escadarias da Torre de Gryffindor quando encontrou... Snape.

O olhar que o professor lhe dirigiu naquele instante parecia transfixá-lo. Além do ódio habitual, havia ali uma profunda mágoa e rancor.

- Compareça ao meu escritório às 20 horas, depois do jantar.

~*~*~

Na hora marcada, lá estavam eles, no escritório de Snape.

- Dessa vez você foi longe demais! Não me responda, não quero ter nenhuma conversa com você. Você não merece que eu me disponha a ouvir as besteiras que diz. Perante a escola você já cumpriu a sua punição. Mas eu vou exigir de você um trabalho extra. Escreva-me um ensaio sobre a relação entre as Poções e a Magia Negra. Sente-se aí na escrivaninha e comece a trabalhar. Só sairá daqui quando houver completado o ensaio. E se estiver pensando em não me obedecer, diga logo para que eu possa levá-lo imediatamente ao Diretor.

Sem abrir a boca, Harry se sentou na cadeira de espaldar alto. Snape colocou um rolo de pergaminho, uma pena e uma pilha de livros em sua frente.

- Selecionei esses livros para você iniciar a pesquisa. São livros básicos, à altura, espero, do seu nível de conhecimento. Mas se tiver alguma dúvida que não consiga esclarecer com eles, ou se quiser aprofundar a pesquisa, a minha biblioteca - indicou, com um amplo gesto, as prateleiras ao redor - está à sua disposição.

Antes de se retirar a seus aposentos particulares, que ficavam atrás do escritório, Snape parou para recolher Ceci em seu canteiro, e levou-a consigo, deixando Harry a sós com os livros.

O primeiro livro que Harry abriu foi "Poções Negras". O livro relatava que havia equivalentes para quase todos os encantamentos das trevas sob a forma de poções. Harry fez algumas anotações em seu pergaminho. Não era incrível? Havia, por exemplo, uma poção que proporcionava ao mago o poder de controlar totalmente o outro, o mesmo efeito alcançado pelo Imperius. Naturalmente o livro não incluía as receitas. Se o fizesse, Snape não o teria entregado a Harry. Já em "As Poções do Caos", magos de uma antiga ordem de Magia Negra, a Ordem do Caos, contavam suas experiências com poções, que eram, para eles, o melhor meio de se dominar a força incontrolável da Magia Negra, que, em geral, se espalha indefinidamente para todas as direções. E em "O Livro das Poções Alquímicas" - que não era, estritamente, um livro de Magia Negra -, havia relatos impressionantes de como as poções alteravam a personalidade do praticante. Harry começava a entender porque Snape era tão... severo, tão rigoroso em suas aulas. Não eram só os riscos decorrentes de um possível erro na poção. A concentração do mago também fazia parte do processo, e ele precisava aprender a dominar a si mesmo.

De repente, Harry ouviu uma porta se abrir. Ergueu os olhos do livro e viu Snape sair de seu quarto, com uma expressão de dor excruciante, segurando o braço esquerdo. Viu-o andar até o console da lareira e remexer em algo.

- Potter, eu vou ter de sair. Vou deixá-lo aqui, terminando a pesquisa. Quando acabar, é só fechar a porta que os encantos protetores serão renovados. Mas não esqueça nada aqui dentro porque, assim que sair e fechar a porta, não conseguirá mais voltar.

- É Voldemort, não é? - perguntou Harry, com uma expressão preocupada.

Snape desviou os olhos, em um gesto nada característico.

- Amanhã conversamos sobre o seu ensaio - limitou-se a dizer, antes de sair, apressado.

Logo depois da saída de Snape, Harry não conseguiu mais se concentrar na pesquisa. Perguntava-se por que Voldemort teria chamado Snape, o que poderia estar acontecendo. Mais uma vez, Harry se revoltava pelo fato de estarem lhe ocultando tudo. Como poderia derrotar Voldemort, se sempre o mantinham fora do jogo?

Não havia, infelizmente, nada que ele pudesse fazer no momento. Esforçou-se para se concentrar no ensaio.

Aqueles livros lhe mostravam que havia uma forte ligação entre as Poções e a Magia Negra. Talvez fosse isso o que Snape estivesse tentando lhe mostrar. Que, se prestasse mais atenção ao estudo de Poções, aprenderia, indiretamente, recursos de Magia Negra.

Quando Harry terminou o trabalho, olhou para o relógio. Meia-noite. Absorvido em sua pesquisa, não notara a passagem do tempo. Meia-noite e Snape não voltara ainda. Inquieto, olhou para a base da lamparina que iluminava a sua folha de pergaminho. Era uma estatueta da Angústia, em ônix, com os braços erguidos ao céu, segurando a lamparina - a única fonte de luz no salão escuro. O escritório parecia vazio e sem sentido sem Snape. Aquilo era o Negro total. A morte da Fênix. Harry começou a entrar em desespero, considerando a idéia de que Snape pudesse não voltar, e não conseguindo suportá-la. Levantou-se e percorreu o salão vazio. Sobre a console... nenhuma ptyx! Snape a levara consigo? O único objeto que pode conter o Nada... Mas o Nada, agora, parecia preencher completamente aquele lugar. E, se Snape não voltasse, aquele horrível Nada preencheria também a alma de Harry.

No canto, ao fundo do escritório, o espelho de cristalomancia, redondo, côncavo, todo negro, exceto por um reflexo... de um brilho dourado. De onde viria aquele brilho? Da janela que dava para o Norte? Obviamente as janelas das masmorras não davam para nenhum lugar externo, mas talvez houvesse algo no pátio interno que provocasse aquele brilho. Não. Era mais provável que aquilo fosse o reflexo da decoração dourada do próprio espelho, onde unicórnios atacavam uma ninfa com labaredas de fogo. As asas negras do espelho se fecharam sobre o brilho dourado agonizante, deixando apenas o reflexo do cadáver da ninfa, cada vez com menos nitidez. No entanto, em meio à vaga neblina que cercava o cadáver ninfa, de repente... as sete estrelas da Ursa Maior, o séptuor, cintilaram, e uma música etérea se espalhou pelo salão.

Nesse momento, Harry olhou para a porta e viu Snape. Tudo parecia se fundir em um vórtex de emoções. Lembrou-se do beijo, da intensidade daquele momento, que agora retornava mesclada a outras sensações. O coração batia acelerado. Lembrava-se de tudo agora, e Snape estava ali, vivo. Vivo, mas, Harry notou então, todo enlameado e ensanguentado.

O séptuor e toda a força das emoções que percorriam Harry se refletiram nos olhos de Snape. Antes que pudesse entender plenamente o que ele mesmo estava fazendo, Harry jogou-se nos braços do mago mais velho.

 

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