CAPÍTULO 4 - Bubhall

 

A guerra da Ordem da Fênix contra os seguidores do Dark Lord prosseguia, mas Harry acompanhava tudo à distância. Hogwarts, que nos quatro primeiros anos se revelara cheia de surpresas e segredos compartilhados entre os amigos, agora não passava de uma rotina massacrante e solitária. Ron e Hermione, como prefeitos, estavam sempre ocupados. E Harry não conseguia se abrir com eles, contar de suas preocupações. Tivera de lhes contar que passava as quartas-feiras trabalhando em um projeto secreto da Ordem com Snape, porque eles, é óbvio, não haviam acreditado naquela desculpa das "aulas de reforço em poções". Mas, como Dumbledore lhe pedira segredo, não pudera revelar nada além disso.

Talvez fosse a falta do que fazer, ou talvez ainda resquícios das lembranças da noite da Dama Verde, mas Snape não lhe saía dos pensamentos. Era um enigma que Harry não conseguia decifrar.

Certa vez, em um final de tarde, Harry localizou no Mapa dos Marauders o pontinho Severus Snape em uma sala das masmorras que não era, normalmente, utilizada para aulas. Diante dele havia outro pontinho com a inscrição: Blaise Zabini. Os dois pontinhos se mantinham a uma certa distância, mas em constante movimento. Era um posicionamento estranho, aquele. O que estariam fazendo? De repente, o pontinho Blaise Zabini foi lançado contra uma parede! Em seguida, o pontinho Severus Snape se aproximou do pontinho Blaise Zabini, depois se distanciou outra vez.

Desde esse dia, Harry passou a vigiar Snape pelo mapa em todos os seus momentos de folga. E descobriu que não só Blaise Zabini, como mais três Slytherins, um do sexto ano, Basedow Wolke, uma menina do sétimo, Karen Khan e - maldição - Draco Malfoy! se revezavam enfrentando Snape naquele mesma sala. Parecia... um clube particular de duelos Slytherin.

Ao ver Snape duelar com Draco Malfoy, uma raiva intensa o assaltou. Snape se recusava a dar aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas a Harry, mas dava aulas particulares a Draco Malfoy? Harry vestiu a capa da invisibilidade e seguiu para as masmorras. Passou pela sala das aulas de Poções e pelo escritório de Snape, e chegou junto à sala abandonada onde eram travados os duelos. A porta estava fechada; Harry levou a mão ao trinco e a entreabriu.

Como os dois duelistas estivessem muito entretidos na luta, conseguiu entrar e fechar a porta sem ser notado. Sentou-se ao chão, em um canto junto à porta, e ficou assistindo. Snape gritava instruções a Draco o tempo todo, e este prestava atenção em tudo o que o mestre lhe dizia. Sempre que acertava um golpe mais violento em Draco, o mestre fazia questão de verificar se o aluno estava bem. Draco não se abalava. Harry nunca esperara ver um Draco tão dedicado.

De olhos fixos no duelo, Harry não percebeu um vulto vaporoso se aproximar.

- Aha! Como ousa invadir os domínios do Rei de Slytherin, insolente Gryffindor? Renda-se ou irei destripá-lo e pulverizar-lhe os ossos!

O Barão Sangrento! Por um instante, Harry ficou paralisado. Draco e Snape se voltaram na direção para onde o Barão seguia, ou seja, na *sua* direção! Então Harry se levantou de um salto, segurando a capa sobre si com firmeza. Abriu a porta e saiu correndo pelos corredores das masmorras, tentando manter a capa sobre si. O Barão, sempre mais rápido, ficava tentando atrapalhá-lo.

Um grito se ouviu no corredor:

- Petrificus Totalus!

~*~*~

- Finite Incantatem.

Harry ergueu a cabeça, apoiou-se nos cotovelos e olhou ao redor, desconcertado. Estava em um sofá, em frente a uma lareira, no... escritório de Snape! De relance, com o canto do olho, Harry viu Ceci fitá-lo com preocupação. Snape se aproximou e parou a poucos centímetros, com seu porte imponente, parecendo assomar diante de Harry.

- Afinal, o que o maior quebrador de regras de todo o mundo mágico, o célebre Harry Potter, estava aprontando dessa vez? Estava me espionando?

Harry baixou a cabeça e não disse nada. Afinal, a pergunta era realmente boa, e ele mesmo não sabia como responder sem se meter em mais encrencas.

- Perdeu a língua, sr. Potter?

- Er... Eu... não sei, senhor.

- Não sabe! Será que algum espírito o possuiu, vestiu a sua capa e o trouxe até as masmorras?

- Não, senhor.

- Então? Qual é a explicação? Responda logo, já fui paciente demais.

A proximidade do corpo do mago mais velho o perturbava. Antigamente, tudo o que Snape lhe transmitia era medo e repulsa. Agora as emoções eram muito mais complexas. Havia também vergonha, dor, humilhação e... Não sabia como qualificar aquela outra emoção. Desejo? Atração?

- Estou esperando, sr. Potter, e já faz muito tempo, que me explique por que ousou invadir a privacidade de minha Casa.

- Por que está ensinando duelo a Draco Malfoy, Blaise Zabini e outros Slytherins... "por fora"?

- Não tenho nenhum interesse em lhe revelar nada a respeito da forma como dirijo minha Casa. E não posso tolerar que venha nos espionar! Vou relatar seu comportamento ao Diretor.

- Por que o senhor tutora os Slytherins e diz a mim que Dumbledore o proíbe de ensinar Artes das Trevas?

- Já lhe disse que isso é problema meu. Se tiver algum questionamento a fazer a esse respeito, fale com o Diretor.

Um longo silêncio se seguiu. Harry se levantou e aproximou-se do canteiro de Ceci. Estendeu a mão para ela, e ela se enroscou sinuosamente em seu braço.

- Sr. Potter, ninguém lhe ensinou que dar as costas a um professor é uma atitude desrespeitosa?

Harry largou Ceci com delicadeza em seu canteiro e andou lentamente até a lareira. Sobre o console, avistou um estranho objeto, aparentemente um chifre, todo enrolado como um caracol. Um tanto distraído, pegou o chifre-caracol nas mãos. Ao fazê-lo, sentiu uma estranha vibração. Levou o misterioso objeto ao ouvido e escutou um intenso rumor. Era como o eco das ondas marinhas. Devolveu o chifre ao console e se virou novamente para o professor.

- Todo mundo parece saber qual o seu papel nessa guerra. Só eu, o "Garoto de Ouro", fico aqui, feito barata tonta, tentando entender qual é o meu.

- Fico surpreso com essa declaração, sr. Potter, já que é evidente que se esmera em cumprir o seu papel de procurar encrencas - despejou Snape.

Pela primeira vez Snape estava certo ao dizer aquilo, pensou Harry. O problema era que nem ele mesmo sabia o que estava querendo. O problema era exatamente esse: ele não sabia o que queria de Snape. Mas uma profunda raiva - de tudo, de todos, talvez acima de tudo dele mesmo - o invadiu. Precisava fazer algo drástico, porque senão aquela raiva o engoliria.

- É isso mesmo. Esse tempo todo o senhor me dizia isso e não era verdade. Eu podia dizer, com sinceridade, que a encrenca é que me encontrava. Mas agora eu cansei de ser a... a presa. Cansei, entende! Odeio você, e também odeio Dumbledore - gritou Harry, e saiu correndo, batendo a porta do escritório.

~*~*~

Após um instante de hesitação, Snape achou que era melhor ir atrás de Harry. Naquele estado em que se encontrava, provavelmente o Gryffindor ia se envolver em alguma confusão. Subiu correndo as escadas, e chegou ao Grande Salão a tempo de vê-lo lançar-se para fora do castelo. Aquilo era ridículo, perseguir um aluno daquela forma, mas o que iria fazer? Poderia chamar sua vassoura, mas na Floresta Proibida - pois tudo indicava que era para lá que o pirralho se dirigia - só se podia andar acima das árvores e, assim, seria mais difícil encontrá-lo.

Harry passou ao largo da cabana de Hagrid e penetrou na Floresta Proibida. Corria velozmente, mas Snape não o perdia de vista. A mata, no entanto, ia ficando cada vez mais cerrada. Era preciso saltar sobre troncos, virar o corpo ou abaixar a cabeça para desviar de galhos, cuidar para não enroscar o manto em todo aquele emaranhado. Era muita irresponsabilidade, o pirralho ia lhe pagar por aquilo. E se o Dark Lord ou um Death Eater o encontrasse? Fora de Hogwarts, Harry estava desprotegido.

O crepúsculo se aproximava. Snape já estava cansado de desviar de galhos e cipós quando, chegando a uma vasta clareira, encontrou Harry parado, fitando o horizonte. A oeste, junto ao sol poente, um unicórnio passeava calmamente.

Snape se aproximou de Harry que, sem sequer se voltar para ele, lhe disse:

- É muito bonito, não é? Sabe, no quarto ano a gente estudou unicórnios com a professora Grubbly-Plank e depois com Hagrid, mas eu estava mais preocupado com Hagrid e com aquele maldito Torneio Tribruxo, nem estava ligando para os unicórnios. Agora, no meio dessa corrida idiota, quando vi o unicórnio foi como se uma energia, uma força mais poderosa do que eu, me fizesse parar e ver como estava sendo louco...

- Dizem que eles são um bom presságio - observou Snape, com um brilho nada característico nos olhos ao desviá-los do belo animal para Harry. - Se você quiser, posso lhe ensinar um antigo encantamento em gaélico... Você não é exatamente uma donzela virgem, mas... Acho que ele virá até você.

Harry arregalou os olhos.

- Mesmo? Por que o senhor mesmo não diz o encantamento?

Snape estendeu o braço, puxando a manga para mostrar a Marca das Trevas.

- Com isso aqui, ele jamais se aproximará de mim.

Harry o fitou com uma expressão de tristeza, talvez compaixão. Snape se aproximou e começou a lhe ditar as palavras, que Harry repetia logo em seguida.

O Bubhaill
Tiugainn leamsa 's dèan cabhaig 's théid sinn thairis a null
Dh' eilean uasal na Gàidhlig rinn ar n-àrach 'nar cloinn.

Assim que Harry pronunciou a última palavra, o unicórnio virou-se para eles e seguiu em sua direção. Snape se afastou um pouco, de olhos fixos na alva crina esvoaçante do animal. O unicórnio se aproximou de Harry até ficar ao alcance de suas mãos. Então, como se movido por fios invisíveis, ajoelhou-se diante dele.

Sorrindo para Snape, Harry montou no unicórnio. Este se ergueu e começou a trotar. Sem saber como dirigir o animal, Harry simplesmente se deixou conduzir por ele. O unicórnio percorreu toda a clareira em círculo, até voltar ao local de onde havia partido. Ali, Snape os esperava, fitando-os com olhos de assombro. Era uma visão e tanto, o jovem mago, irradiando magia, e o unicórnio branco, símbolo da magia branca e da pureza. Como um mago tão jovem podia irradiar tanto poder? Que estranha mistura, poder e fragilidade ao mesmo tempo...

Quando Harry e o unicórnio milagrosamente chegaram junto a ele, Severus Snape achou que estava sonhando. Harry fez menção de apear. Snape lhe estendeu os braços. O corpo esguio do jovem mago se entregou aos braços do mago mais velho. Os corpos se roçaram antes que os pés de Harry tocassem o chão e, como que por pura magia, seus lábios se uniram. Nesse momento, a magia que deles emanava se fundiu por um breve instante, criando brilhos e reflexos de várias cores. As estrelas da Ursa Maior, o septuor, brilhavam intensamente no céu que os envolvia, e uma música etérea impregnava os ares. Todas as sensações pareciam se fundir, deixando-os tontos, embriagados. Por um paradoxo, aquele momento era infinito, mas não poderia durar muito, senão eles não resistiriam à força da magia. Quando se separaram, era porque, se aquilo durasse mais um instante, eles não conseguiriam nunca mais retornar à terra, ao mundo real.

Harry respirou fundo e sacudiu a cabeça, com olhos vidrados.

- O que... o que foi isso?

Ainda sem fôlego, atônito, Snape não respondeu.

- Isso não foi apenas um beijo, não é? - insistiu Harry.

- É, não foi.

Um longo silêncio se seguiu.

- Vamos voltar ao castelo. Aqui não é seguro - declarou o professor, em tom imperativo.

- Não vai mesmo me explicar o que aconteceu, vai?

- Não, Potter. E mais. É melhor que você esqueça o que aconteceu e que voltemos a nos tratar como sempre nos tratamos.

- Sei. Eu sou o menino idiota, pirralho insolente, tolo Gryffindor. E você é o velho seboso, professor sádico, nojento Slytherin.

- Exatamente.

- Vá para o inferno. Não pode negar o que acaba de acontecer! Foi como se as estrelas tivessem descido à terra e nossos corpos se transformassem em puro brilho e música.

- E o que vamos fazer com isso? Você tem 16 anos. Eu tenho idade para ser seu pai. Você é meu aluno. Você é Gryffindor, eu sou Slytherin. Eu tenho essa linda Marca em meu braço, que me coloca sob o domínio daquele mago que talvez seja o mais poderoso e que, com certeza, é o mais maléfico da terra, e cuja maior obsessão é aniquilar você.

- Não importa que eu só tenha 16 anos. Nunca vou esquecer o que aconteceu hoje. É algo infinitamente maior do que essas ridículas diferenças de idades ou Casas. Quanto a Voldemort, de qualquer jeito a profecia diz que terei de enfrentá-lo.

Severus Snape, você está sendo idiota, pensou Snape com seus botões. O menino é muito jovem, não vai entender nunca. Do jeito que as coisas estão, ele não vai mais deixá-lo em paz. Não há outro jeito.

- Você é muito jovem, e acredita em todos esses ideais românticos dos Gryffindors. Coragem e ideal são importantes, mas não são tudo. - Os olhos negros se fixaram nos verdes, parecendo transpassá-los. - Obliviate.


 

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