CAPÍTULO 3 - O Brilho Verde do Avada Kedavra

 

As lembranças daquela noite da Dama Verde eram confusas para Harry. Mas algo era certo: Snape agira de modo muito diferente do habitual. Falara a Harry com admiração, mais do que isso, com profunda reverência. Será que a poção alterava completamente a personalidade, os sentimentos da pessoa? Harry não se sentira tão diferente assim. Sentira-se ele mesmo, apenas mais... lúcido, mais ligado a tudo o que o cercava, mais sensível. E aquele momento em que Snape segurara sua mão, o que fora aquilo? Algo tão intenso que chegara a doer. Seria só o efeito da poção?

Imerso em dúvidas, Harry tinha ainda de enfrentar as aulas de Oclumência com Dumbledore, que eram extremamente penosas. Sentia-se totalmente exposto diante do sábio mago da luz. Como se este, vendo toda a miséria que dominava o adolescente, tentasse envolvê-lo com sua magnânima compreensão. Só que aquele tipo de bondade cósmica, superior e impessoal que era inerente ao velho mago feria, massacrava Harry. E isso o fazia sentir-se ainda mais culpado, ainda mais errado e... ainda mais revoltado.

Se o presente era perturbador, também não ajudava nada pensar no que o futuro lhe reservava. Ele estava destinado a ser vítima ou assassino. O futuro do mundo mágico estava em suas mãos. Ele, que não sabia sequer lançar uma Maldição Imperdoável. O pior é que ninguém parecia preocupado com isso, em prepará-lo para o embate final. O novo professor de DADA era patético, ridículo. Mesmo com sua pouca experiência, Harry achava que sabia muito mais do que ele.

Todas essas dúvidas excruciantes o levaram a tomar uma inesperada decisão. Que envolvia Severus Snape, em cujo escritório ele estava naquela noite, trabalhando na decifração do Manuscrito de Slytherin.

- Professor?

- Potter?

- Eu... Er...

- Potter, esse seu problema de articulação realmente é espantoso e extremamente irritante. Fale de uma vez.

- Professor, eu gostaria que o senhor me ensinasse Defesa contra as Artes das Trevas.

Uma sobrancelha negra se arqueou.

- Como é que é?

- Gostaria que me ensinasse Defesa contra as Artes das Trevas.

- Potter, eu sou o seu Professor de Poções. O seu professor de Defesa contra as Artes das Trevas é...

Harry o interrompeu:

- Eu sei disso. Mas... Acho que o senhor é o mais preparado para ensinar essa matéria.

Snape arregalou os olhos.

- E como você foi chegar a essa brilhante conclusão?

- Bem... Sirius me disse... - Os olhos de Snape se estreitaram ao ouvir o odiado nome - que o senhor, quando entrou em Hogwarts, já entendia mais de Artes das Trevas do que a maioria dos alunos do sétimo ano. E o senhor sabe, Sirius não iria reconhecer algum mérito seu se não fosse verdadeiro. - Os lábios de Snape formaram o clássico sorriso irônico. - Sendo um Death Eater...

Snape fez um súbito movimento, levando instintivamente a mão direita ao braço esquerdo. Então cruzou os braços.

- Ex-Death Eater, Potter.

- O senhor conhece a profecia, não?

- Onde quer chegar com isso?

- Segundo a profecia, meu destino é matar ou ser morto por Voldemort...

- Já lhe disse para não pronunciar esse nome!

Harry fez que não ouviu e continuou:

- Nesse caso, não é lógico pensar que eu deva aprender a me defender empregando as Artes das Trevas? Para poder me defender de Voldemort? E não é melhor que eu aprenda isso com alguém que conhece a matéria como ninguém, e que conhece intimamente as idéias e o modo de agir de Voldemort?

- Vejo, com certa surpresa, que, ao contrário da obediência a seus superiores, a lógica não é um conceito que lhe é totalmente estranho, sr. Potter!

Harry olhou para o teto.

- Então?

- Então o quê?

- Aceita ou não?

- Potter, o que me pede não depende da minha vontade. O Diretor não permitirá que o façamos.

- Dumbledore não permitirá? Por quê?

- Em primeiro lugar, ele não permite que *eu* dê aulas de Artes das Trevas. Isso é algo que ele sempre fez questão de deixar muito claro. E, em segundo, ele nunca vai deixar que *você* tenha aulas de Artes das Trevas.

- Mas por quê?

- Porque... Porque as Artes das Trevas são algo muito perigoso.

- Ora, e Voldemort, também não é perigoso?

- Exatamente. Há quem pense que foram as Artes das Trevas que transformaram o Dark Lord no que ele é hoje. É uma questão polêmica. Mas, de qualquer forma, as Artes das Trevas possibilitam a criação de... Dark Lords.

- Dumbledore acha que, se o senhor me ensinar as Artes das Trevas, eu posso me transformar em uma espécie de... Voldemort?

- Não é tão simples assim, evidentemente. Você tem essa tendência irritante de simplificar tudo. Nem tudo é linear, Potter. Nem tudo é preto ou branco. O que é certo é que não se pratica as Artes das Trevas sem efeitos colaterais. A Magia Negra transforma o mago que a pratica. Ela o deforma. Ela o... desumaniza.

- Mas o senhor... o senhor está do lado do bem.

- Estou? Você confia em mim?

- Eu? Bem, Dumbledore confia.

- Dumbledore não é perfeito. Às vezes ele comete erros, não é?

Harry ficou pensando na série de professores de Defesa contra as Artes das Trevas contratados por Dumbledore: Quirrell escondendo Voldemort em seu turbante; Gilderoy Lockhart, uma fraude completa; o falso Moody... Lembrou-se do ano anterior, em que Dumbledore confessara a Harry que errara ao não lhe contar antes da profecia, e de toda aquela inútil confusão com a cópia da profecia guardada no Departamento de Mistérios do Ministério da Magia, que resultara na morte de Sirius.

- Sim, mas...

- E o Dark Lord também confia... ou, pelo menos, confiava... em mim.

Harry estremeceu.

- Er... O que o senhor está tentando provar?

- Eu? Nada. Só lhe perguntei se confiava em mim. No seu velho Professor de Poções, sádico, seboso, asqueroso. Ex-Death Eater, traidor de todas as causas, rei das segundas chances. Chefe de Slytherin, inimigo dos Gryffindors. Seja sincero. Alguns dias atrás você estava me culpando pela morte do seu padrinho. Você me odeia, tanto quanto eu o odeio.

- Mais uma razão para ser o senhor o meu tutor. Vai ser mais fácil lançar um Imperdoável contra alguém a quem desprezo profundamente.

- Potter!

Harry o encarou em desafio. Durante alguns terríveis instantes, nenhum dos dois disse nada. Enfim, Snape falou, por entre os dentes cerrados, em seu tom mais baixo:

- Quer ter aulas de Artes das Trevas com alguém em quem não confia? Não tem noção do perigo? Você é realmente um perfeito Gryffindor...

- Artes das Trevas não; Defesa contra...

- Besteira. Como quer aprender a se defender de algo que não sabe o que é? Para aprender a Defesa, você tem de aprender as Artes, não há alternativa. O resto é enrolação.

- Como as nossas aulas de Defesa contra as Artes das Trevas aqui em Hogwarts?

- Sr. Potter, não coloque palavras em minha boca. O Diretor tem os seus motivos para fazer o que faz. O fato é que ele não quer que eu dê aulas de Defesa contra as Artes das Trevas.

- Por quê?

- Pergunte a ele.

- Se ele permitisse, o senhor me ensinaria?

- A pergunta é totalmente irrelevante, já que ele não irá permitir.

- E se eu conseguir convencê-lo?

- O Garoto de Ouro acha que pode tudo, ahn?

- O senhor mesmo diz que eu sempre consigo quebrar as regras e sair ileso... Se eu conseguir convencer o Diretor, o senhor me ensina?

- Não.

- Por quê?

- Você está me irritando tanto que talvez mereça que eu lhe dê a resposta que quer arrancar de mim. Mas depois não reclame se o que eu disser ferir os seus ouvidos puros e inocentes! Seria muito arriscado eu lhe dar aulas de Artes das Trevas. Porque a Magia Negra é... sedutora. Porque... você não sabe a sensação que é ter os outros sob seu poder, sem nenhuma restrição... Colocar alguém sob Imperius... Ou poder aniquilá-lo totalmente com um Avada Kedavra. Você não sabe como é embriagante o brilho verde do Avada Kedavra, sr. Potter...

Os cabelos da nuca de Harry se empinaram. Ele estremeceu, lembrando-se da cena da morte dos pais. O brilho verde, os gritos do pai, depois da mãe...

- O senhor... sentia prazer... com o Avada Kedavra?

Os olhos verdes travaram uma batalha silenciosa com os negros.

- Sei que não é fácil para você ouvir isso, Potter. Mas é a mais profunda verdade. É por isso que as Artes das Trevas são tão perigosas: porque são fascinantes.

- Mas então... por que o senhor passou para o lado de Dumbledore?

- Talvez, no fundo, eu não fosse esse monstro que o senhor pensa que eu sou. Talvez ainda me restasse um pouco de consciência. E talvez eu tenha percebido, ainda que muito tarde, que aquilo era uma insanidade. Não pense, contudo, que foi fácil renunciar às Artes das Trevas. Ainda hoje, eu preciso me controlar para...

De repente, Snape pareceu se dar conta de que estava indo longe demais. Deixou a frase morrer, e encarou Harry com firmeza.

- Não sei por que estou lhe dizendo tudo isso. Afinal, acho que você já tem a resposta à pergunta que fez.

Harry se levantou, revoltado.

- Como esperam, então, que eu derrote Voldemort? - As imagens de Sirius, de Cedric, de seus pais, de todas as vítimas de Voldemort desfilaram diante de seus olhos. - E quantas pessoas vão morrer até que eu descubra como derrotá-lo?

Snape também se levantou.

- Pare de se considerar o salvador do mundo, Potter! Essa sua mania de grandeza ainda vai por a Ordem a perder! Sente-se aí, e volte ao trabalho.

 

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