11 - Surpresas
Dumbledore, que aparecera de repente no chalé de Walpurgis, convocou uma reunião da Ordem, com a participação da Clique, a ser realizada imediatamente em Grimmauld Place. Quando Harry chegou, já estavam todos sentados ao redor da mesa da cozinha. De início, todos foram chamados a relatar o que ocorrera. Snape contou da confusão que se estabelecera entre os Comensais da Morte à medida que iam perdendo suas marcas e mudando de personalidade. Dos outros doze Comensais da Morte que se encontravam no local, cinco haviam morrido (Avery, Nott, Rabastan Lestrange, Crabbe e Goyle); Peter havia se transformado em rato e fugido; Malfoy, Bellatrix and Rodolphus Lestrange, Dolohov, Macnair and Rookwood haviam desaparatado de Walpurgis. Snape tinha quase certeza de que Malfoy não tomara a poção, e que havia fugido junto com os outros ao sentir que a situação estava ficando complicada. Snape confessou também, sob o olhar zangado de Harry, que relatara a Dumbledore os planos da Clique e estabelecera com ele um plano de apoio da Ordem ao ataque da Clique. Com as observações que Snape fizera a respeito do Mapa da Clique, Lupin e Dumbledore haviam conseguido fazer um mapa igual para acompanhar o movimento de todos dentro do esconderijo. Lupin, por sua vez, relatara que havia dado pela falta de Harry em Grimmauld Place e avisado Dumbledore imediatamente. Dumbledore enviara ao esconderijo os principais quadros da Ordem, que já estavam preparados para entrar em ação a qualquer momento, para resgatar Harry e apoiar o ataque. Os outros cinco membros da Clique, em depoimentos conjuntos e individuais, relataram como haviam acompanhado o massacre interno dos Comensais da Morte pelo Mapa, e da surpresa de quando haviam visto Harry Potter entrar lá dentro. Com o coração na mão, haviam acompanhado os movimentos de Harry, Snape e Voldemort e, quando lhes parecera inevitável, haviam decidido invadir a casa e libertar Harry. Por fim, Harry relatara o seu percurso, desde o momento em que aparatara em Walpurgis até o desaparecimento de Voldemort. Quando os relatos se encerraram, Snape pediu a palavra. Dumbledore a concedeu. Snape se levantou, com uma expressão decidida. - Diretor, não podemos revelar ao Ministério e à imprensa o que realmente aconteceu. O que aconteceu deve permanecer como um segredo entre nós. - Severus, Pettigrew presenciou a tudo, e Lucius Malfoy tem vários contatos no Ministério. Mais cedo ou mais tarde a história virá à tona. Se não revelarmos a verdade, corremos o risco de sermos acusados de traidores. Especialmente você - disse o Diretor, em seu tom paternal. - Não me importo. Se for revelada a ligação que existe entre Potter e o Lorde das Trevas, a vida de Potter correrá sério risco. Entre os que querem destruir o Lorde das Trevas, há pessoas sem escrúpulos. Nem tudo é preto e branco, como bem sabemos. Há muitas pessoas que perderam familiares na guerra ou em atentados, e vivem à espera da vingança. Harry sacudiu a cabeça, e se levantou. - Eu não vou aceitar que ninguém passe por traidor para me proteger! Snape o fuzilou com os olhos. Moody se levantou. - Eu não sei por que vocês querem proteger esse Comensal da Morte. Ele ajudou Voldemort a escapar não para proteger Potter, mas por que é fiel a seu senhor. O sr. Weasley precisou segurar Snape, que havia sacado de sua varinha. Do outro lado, Lupin e Tonks seguraram Moody. - Calma, calma, pessoal - disse Dumbledore. - Vamos refletir a respeito de todas as questões antes de tomarmos uma decisão. Mas a discussão se prolongou noite adentro, e não havia como se obter um consenso. A exaustão dominava seus rostos; eles pareciam à beira de um colapso. Por fim, Dumbledore resolveu adiar a decisão para o dia seguinte, pedindo que todos passassem a noite em Grimmauld Place. - Mas Albus - disse o sr. Weasley -, e Hogwarts? Ainda não conseguimos desmontar o Veneficus Trojanus! - Não se preocupe, Arthur. Temos mais dois dias. Filius e Axel já sabem como desmontar a engenhoca. É verdade que não sabemos ainda como tocar nela, mas o pessoal de Durmstrang vai mandar ajuda amanhã. - Você confia naqueles.... - Ora, ora, Alastor, vamos dormir. Amanhã conversamos sobre isso - concluiu Dumbledore, com seu sorriso travesso.
Harry entrou debaixo das cobertas certo de que não conseguiria dormir. Que maravilha. Jamais quisera ser herói, mas o Mundo Mágico lhe jogara essa carga nas costas. Agora certamente iriam acusá-lo de covardia, porque não se sacrificara morrendo para destruir o vilão. E Severus provavelmente acabaria sendo enviado para o beijo do Dementor, por traição. - Harry - disse Ron, já aconchegado em sua cama -, eu acho que você agiu certo. E Snape também. Ele salvou sua vida. Ele pode ser um morcego seboso, mas eu vou ser eternamente grato a ele. Harry sorriu. Ainda bem que, pelo menos desta vez, Ron estava do seu lado. Antes de adormecer acalentado pelas palavras do amigo, Harry beijou o anel. Snape estava em algum outro quarto da casa, nos andares de cima, com Lupin. Tão perto, mas tão inacessível. ~* ~* ~ Snape já estava na cama quando Lupin assomou diante dele. - Severus, você fez o que precisava ser feito. Agora faça-me o favor: cuide bem de Harry. Se você bagunçar com a cabeça dele, vai se ver comigo. - Cuide da sua própria vida, Lupin. Snape virou-se de costas para Lupin e apertou a mão com o anel contra o próprio peito. ~* ~* ~ Mal acabara o café da manhã, a reunião se iniciara. Havia, no entanto, dois convidados que não haviam estado no dia anterior: - Antes de mais nada - disse Dumbledore - eu gostaria de ouvir a opinião do sr. e da sra. Clauschee. Os pais de Kai eram jovens, ambos na casa dos trinta anos. A sra. Clauschee tinha as maçãs do rosto altas e salientes, e pele cor de âmbar. Seus cabelos longos, lisos e sedosos caíam-lhe até o meio das costas. O sr. Clauschee também possuía longos cabelos negros, presos em uma trança. Seus olhos negros como carvão brilharam quando se levantou devagar. - Caros membros da Ordem da Fênix, meu nome é Bahe Clauschee, do clã do Povo do Pássaro Azul, por parte de mãe, e do Povo da Lama, por parte de pai. E esta é minha esposa, Glenna Yazzie, do clã dos Vermelhos Que Correm Para Dentro d'Água, por parte de mãe, e do clã da Fruta da Iúca, por parte de pai. Eu gostaria de protestar contra o uso de elementos de nossa cultura sem a nossa autorização prévia. Não fomos avisados de que uma versão alterada da Poção Mandala seria utilizada nos Comensais da Morte. - Sr. Clauschee, tem toda a razão. Eu assumo a culpa pelo ocorrido - disse Dumbledore. - As circunstâncias foram se encadeando de forma tal que não vi outra solução. Nenhum de nós teve má intenção. Os ataques estavam se acirrando, e Harry não iria ficar parado assistindo à morte de seus amigos sem agir. E eu sabia que havia esse vínculo entre Harry e Voldemort, e que a morte de um implicaria a morte de outro. - Sr. Diretor, o problema é que vocês não compreendem os fundamentos de nossa cultura. Nesse instante, Snape gemeu. Harry se virou para ele de imediato, e viu-o levar a mão ao braço. - Severus - disse o sr. Weasley, que estava sentado a seu lado -, não me diga que já está sendo chamado! Snape se dobrou em dois, contorcendo-se em dor. Todos se levantaram e se aproximaram, preocupados. Como Harry estava do outro lado da mesa, foi o que ficou mais distante. Sentiu vontade de gritar que todos se afastassem, pois queria ver o que estava acontecendo. Então ouviu a voz de Snape, rouca e baixa, mas bastante clara. - A Marca... desapareceu. Um murmúrio de espanto percorreu a cozinha. - O que... o que significa isso? - perguntou Lupin. - Eu imaginava que aconteceria - falou Snape, com voz ainda mais trêmula. - Eu não queria levantar falsas esperanças, mas já imaginava. - Então, para a surpresa de todos, Snape sorriu. - O Lorde... Voldemort agora é um Muggle. Harry está salvo. Se Voldemort perdeu seus poderes, o vínculo entre eles está desfeito. Um burburinho geral tomou conta do local. Alguns se abraçavam, outros, incrédulos, faziam perguntas, todos ao mesmo tempo. - Senhoras, senhores - pediu McGonagall -, vamos ouvir a explicação de Severus. Todos se sentaram, irrequietos. - A Poção Mandala B não fez com que o Lorde das Trevas perdesse os poderes de imediato - explicou Snape. - Mas, em resultado da poção, cada vez que ele utilizasse a magia das trevas, ela se voltaria contra ele mesmo, e ele perderia parte dos poderes. Pela forma instantânea como a marca desapareceu de meu braço, imagino que ele tenha lançado um Imperdoável em alguém naquele exato instante. - Ueba! - gritou Ron, e foi seguido por vários gritos de alegria. Todos se abraçaram e comemoraram. Exceto o sr. e a sra. Clauschee, que permaneciam sentados, com um ar surpreso. Dumbledore pigarreou. - Nós fomos muito indelicados com o sr. Clauschee. Nós o interrompemos. Na cultura Navajo, ninguém deve ser interrompido ao falar. Portanto, quem quiser falar, levante a mão e espere a autorização do sr. Clauschee. - Diretor, meu povo não costuma interromper a pessoa que está falando, mas, neste caso, houve um fato inesperado, portanto não há do que se desculpar. Como Navajo, eu gostaria de lhes explicar a minha posição a respeito do ocorrido remontando ao começo de nossas relações. Quando decidimos aceitar a sua proposta de mandar Kai para estudar em Hogwarts, tivemos de explicar ao menino que ele estaria entrando em um mundo totalmente diferente. Em nosso mundo, nós abominamos a bruxaria e as bruxas. Mas o que vocês chamam de "bruxaria" e "bruxas" não é o mesmo que nós chamamos. Para nós, a Magia vem sempre de uma relação com o Povo Sagrado. Vocês não reconhecem essa relação, mas isso não faz com que vocês sejam "maus" em si. Expliquei tudo isso a Kai com muito cuidado. A minha falha foi não ter explicado a ele que entre vocês também há bruxos maus. E a falha de vocês foi não nos terem avisado de que usariam a poção contra Voldemort. Se eu soubesse disso, teria lhes dito que a Poção Mandala não era o veículo adequado. Vocês deveriam, nesse caso, fazer uma poção baseada no "Caminho do Inimigo", ou no "Caminho da Prostituição". - O quê? - perguntou Ron, espantado, sem conseguir se conter. O sr. Clauschee não se abalou. Já devia estar acostumado aos hábitos do Mundo Mágico Britânico. - É como chamamos a cerimônia para derrotar as bruxas e a bruxaria, ou seja, os magos e a Magia das Trevas. Portanto, vocês usaram a poção errada. Harry ergueu a mão. O sr. Clauschee fez um gesto com a cabeça, autorizando-o a falar. - Sr. Clauschee, mas no fim tudo deu certo, não foi? A sra. Clauschee trocou um olhar com o marido, e respondeu a Harry: - No fim vocês conseguiram derrotar o Mago das Trevas porque vocês três, Harry Potter, o professor Snape, e meu filho, colocaram nessa poção suas energias vitais. A Poção Mandala é uma poção de cura. Ao preparar a poção, vocês mesmos passaram a trilhar o Caminho da Beleza. E o que vocês fizeram foi surpreendente até para nós, Navajos, porque vocês conseguiram curar um Mago das Trevas. Snape sacudiu a cabeça. - Não concorda, professor Snape? - perguntou a sra. Clauschee. - Ele perdeu seus poderes. Não considero isso uma cura. - No entanto - disse o sr. Clauschee -, ele pode recuperar seus poderes. Desde que não os utilize para bruxarias. Quero dizer, para o mal. Um murmúrio de assombro se espalhou pela mesa. - Meu filho - prosseguiu o sr. Clauschee - não é ainda
um iniciado e, ao identificar o Lorde das Trevas com o Trovão de
Inverno, cometeu um grande equívoco, aos olhos de nossa cultura.
Ele deveria ter notado que a marca do relâmpago, a cicatriz que
Voldemort deixou em Harry Potter, só poderia ter sido causada por
um poder maléfico. No entanto, aparentemente o que ele dizia que
iria acontecer se concretizou. Harry Potter e o professor Snape foram
até Voldemort e fizeram um acordo com ele. Com certeza, Kai está
certo, e eles tiveram o apoio do Deus do Fogo e do Morcego para isso. - Kai me ensinou a canção do "Caminho da Caça", e eu a cantei para mim mesmo antes de entrar no chalé dos Comensais da Morte. O sr. Clauschee sorriu. - Kai é um menino incrível. Eu jamais pensaria que isso poderia dar certo. Existem certas histórias Navajo que nem o meu filho conhece. Uma delas conta como o Primeiro Homem se tornou mau. Ele destruiu a si mesmo e depois se recriou, e foi assim que ele adquiriu os poderes do mal. Eu identificaria Voldemort com esse mito. Eu jamais pensaria nele como o Trovão de Inverno. No nosso modo de pensar, a única forma de destruir o mal é voltando esse mal contra si mesmo. Mas vocês três destruíram o mago mais maléfico como se estivessem matando um ser sagrado: "Com a beleza diante de nós, nós nos unimos. / Que a minha flecha possa libertar o seu sopro sagrado. / Que a minha flecha possa trazer a sua morte na beleza." O objetivo dessa canção é colocar o caçador e a presa em harmonia. Ela coloca a pessoa em harmonia com a morte. - O sr. Clausche sacudiu a cabeça, atônito. - Com todas as suas falhas, no fim, a interpretação de Kai foi fundamental para o bom desfecho de tudo. Provavelmente meu filho herdou os poderes visionários de minha esposa - concluiu ele, olhando com afeto para a esposa e o filho. - Nós não gostaríamos, no entanto, que a cultura Navajo fosse publicamente identificada ao acontecido. Porque muitos de nosso povo não iriam entender - acrescentou a sra. Clauschee. - Muito bem, amigos. Então assim será feito - disse Dumbledore. - Como temos tarefas a desempenhar, creio que é tempo de encerrarmos esta reunião. Kingsley, Arthur e Nymphadora devem ir para o Ministério, para obter confirmação a respeito da perda dos poderes de Riddle e tentar descobrir mais a respeito. O professor Snape e eu iremos para Hogwarts para auxiliar nos trabalhos de desativação do Veneficus Trojanus. O professor Lupin e as crianças devem permanecer aqui em Grimmauld Place. As "crianças" fizeram caretas e suspiraram. ~* ~* ~ À noite, o Mundo Mágico explodiu em corujas e estrelas cadentes, como dezesseis anos atrás: Voldemort fora derrotado... de novo. Arthur Weasley chegou em Grimmauld Place, vindo do Ministério, com uma edição extra do Profeta Diário, com a manchete: "Herói Neville Longbottom derrota Você-Sabe-Quem". O sr. Weasley leu o artigo para Lupin, Harry, Ron, Hermione e Ginny. O artigo narrava como Você-Sabe-Quem, depois de seu confronto com Harry Potter e os membros da Ordem da Fênix em Walpurgis, havia ido atrás de Longbottom. Segundo Longbottom, Você-Sabe-Quem estava convicto de que precisava eliminá-lo por causa de uma certa profecia. Não fora difícil aparatar na casa dos Longbottom, petrificar a avó e encontrar o garoto. Mas, quando lançara o Avada Kedavra, conseguira apenas deixar Neville desacordado, e - ao que tudo indicava -, perdera seus poderes. Neville tinha agora uma cicatriz em forma de raio na testa, e Voldemort, agora um Squib, conseguira fugir. Seu paradeiro ainda era desconhecido. ~* ~* ~ No dia seguinte, Dumbledore chegou em Grimmauld Place com pó de Flu, depois de reunir na cozinha todos os moradores (a Clique, Arthur Weasley e Remus Lupin), informou que o Veneficus Trojanus havia sido desativado e as defesas de Hogwarts restauradas, principalmente graças ao trabalho de Axel Lescaux. - Diretor, o senhor sabe por que Voldemort foi atrás de Neville? - perguntou Harry. - Harry, não tenho ao certo como saber, mas creio que, depois de descobrir que você não poderia matá-lo sem morrer, ele se convenceu de que a profecia se referia a Neville e não a você. Quando Riddle soube do elo que o ligava a você, o professor Snape contou a ele que a segunda parte da profecia talvez se referisse a esse elo ("e um dos dois deverá morrer na mão do outro, pois nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver…") No entanto... essa interpretação é bastante discutível. Aposto que Riddle não a engoliu, e achou que houvesse um terceiro envolvido, e que esse terceiro era Neville. Assim, ele achou que Neville era "aquele com o poder de vencer o Lord das Trevas", "nascido dos que o desafiaram três vezes, nascido ao terminar o sétimo mês", e que, como você e ele estavam ligados, ambos morreriam na mão de Neville. - E no fim... a profecia estava certa ou não? - indagou Harry. O Diretor respondeu com outra pergunta. - Bem... será que isto é mesmo o fim? ~* ~* ~ A semana toda que se seguiu, Harry, Snape, a Clique e os principais membros da Ordem tiveram de explicar tudo o que ocorrera para o Ministério. Ninguém agüentava mais ter de reviver a mesma história a cada segundo. As aulas iriam recomeçar na segunda-feira. Na noite de sábado, quando, enfim, Harry pôde descansar de todas as audiências e fortes emoções, Harry disse a si mesmo que precisava recuperar Severus para que sua vida começasse a fazer sentido de novo. Fora ele, Harry, que o expulsara de sua vida. Então provavelmente teria de ser dele a iniciativa de reconciliação. Apertou o anel com força contra o peito. No dia seguinte, ele iria refletir sobre qual seria a melhor forma de abordar aquele homem teimoso e irritante cuja ausência criava um imenso vazio em sua vida. No domingo de manhã, Harry acordou com a sensação de braços fortes enlaçando-lhe o corpo. |
Ptyx, Outubro/2004
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