Capítulo VI

 

No dia seguinte, ele chega mais cedo, por volta das seis da tarde, com um sorriso de orelha a orelha.

Largo o que estou fazendo - furos no galho de embaúba que peguei e estou transformando em uma flauta - e sentamo-nos na varanda do quintal, em cadeiras preguiçosas. Choveu o dia todo, mas agora o sol aparece no horizonte, antes de se pôr. Os sapos se divertem nas poças d'água e um grilo começa a cantar.

Potter toma um suco de manga e eu, uma xícara de Earl Grey. Ele resume as aventuras do dia proclamando que, desta vez, Luna fora a heroína.

Já fazia várias horas que Potter, Granger, Ronald e Ginevra Weasley, Longbottom e Lovegood voavam ao redor de Hogwarts em busca da varinha de Rowena quando a peculiar garota de Ravenclaw tivera a idéia de usar um Testrália, "porque Hagrid disse que eles sempre sabem onde encontrar os lugares onde seus viajantes querem chegar". Ninguém prestara atenção nela, mas ela sumira por alguns minutos e voltara voando em um Testrália. Em poucos minutos, encontrou a varinha. Enquanto todos discutiam como destruí-la, Luna lançou chamas azuis sobre a varinha e esta queimou até virar cinzas.

Olho para Potter, assombrado. Não acreditaria nessa história, se não conhecesse a sorte dele. Convido-o a jantar e ir para a cama mais cedo, pois desta vez minha história será mais longa.

~* ~* ~

- Pelo que me contaram - eu lhe digo -, você foi com Dumbledore à caverna onde o Lord das Trevas escondeu o medalhão de Slytherin.

Ele me olha com uma expressão desolada e estremece, embora esteja bem agasalhado sob as cobertas e não esteja frio.

- Fui. Tudo inútil. Só serviu para os Comensais da Morte poderem invadir Hogwarts e... - ele se interrompe e me olha com horror.

Não preciso ler a mente dele para saber o que está pensando. Ele me odeia. Ele me considera um assassino, e um covarde, e se assusta ao ver a intimidade que permitiu que eu estabelecesse com ele.

- Você não sabe a história toda, Harry. - O nome escapa-me dos lábios, e ele me olha com surpresa. - Dumbledore estava condenado desde as férias escolares, quando tentou destruir o anel de Slytherin e foi atingido por uma das maldições que o Lord das Trevas colocou nele.

- Ele me contou que você conseguiu interromper a maldição.

- Sim, mas... ele já estava morto.

- Já estava morto?

- Pode-se dizer que sim. Eu... interrompi a morte dele. Você se lembra do que eu lhes disse em sua primeira aula, sobre uma poção capaz de arrolhar a morte?

Ele arregala os olhos de espanto.

- Você não quer que eu acredite que você consegue fazer isso, quer?

- Sob certas circunstâncias, é possível. Albus era um mago muito poderoso, e teve forças para se manter nesse estado de zumbi durante quase um ano.

Ele sacode a cabeça, não querendo aceitar.

- Mas... ele parecia vivo.

- E estava, de certa forma, Mas não teria resistido muito mais tempo.

- Na caverna, ele me forçou a fazê-lo tomar uma poção... Eu não sei se era venenosa ou não.

- Qual foi a reação dele? - pergunto, curioso. Ninguém me contou essa parte da história.

- Ele começou a ter visões, a pedir que eu parasse; depois começou a dizer que tudo era culpa dele, que eu fizesse aquilo parar, que não machucasse os outros, que o matasse em vez disso. Ele gritava como se estivesse em fogo. Eu tive de fazê-lo tomar doze cálices, e quando ele tomou o último, caiu por terra. Eu lancei um Rennervate, mas a princípio não pareceu adiantar. Então ele me pediu água, mas a água que eu conseguia fazer aparecer com Aguamenti desaparecia assim que tocava nos lábios dele. Então eu mergulhei o cálice na água gelada do lago...

- O lago cheio de Inferi?

- É, foi horrível! Eu peguei a água e joguei sobre ele. Então um Inferius agarrou meu braço e começou a me puxar para dentro do lago. Eu tentei lançar Petrificus Totalus, Impedimenta, Incarcerous, até Sectumsempra, mas apareciam cada vez mais Inferi. Até que um anel de fogo surgiu, e eles foram barrados. Virei para Dumbledore e vi que ele estava em pé, que era da varinha dele que o fogo emanava.

- Impressionante. Ele tomou, naquela poção, todos os pecados do mundo e os dele próprio, e ainda teve forças para salvar você depois disso.

- Que poção é essa? - ele pergunta.

- Uma poção que eu jamais teria a autorização de ensinar em Hogwarts ou em qualquer outro lugar no Mundo Mágico. Chama-se Nefasserum. Ela concentra dentro de si todo o mal que a magia pode conter.

- Mas a Horcrux que estava lá dentro não era a verdadeira! - ele protesta.

- Eu sei. Regulus Black o substituiu por um falso.

- O irmão de Sirius? Ele é o R.A.B.?

- Sim - respondo. - Regulus Arcturus Black.

- Como você sabe disso? Como ele conseguiu encontrar a caverna? E onde está o medalhão?

- Calma. Não posso responder todas essas perguntas ao mesmo tempo - reclamo. - Eu sei porque Narcissa Malfoy me contou. Não sei como ele conseguiu encontrar a caverna; sei que ele levou aquele elfo com ele.

- Kreacher?

- Creio que é este o nome, sim.

- Kreacher tomou aquela poção no lugar dele? E contou a Narcissa Malfoy? E ela lhe contou tudo?

- Posso prosseguir minha história? - pergunto-lhe, irritado. Ele também parece irritado comigo, como se o nome Malfoy bastasse para aborrecê-lo.

- Pode.

- Pois bem. Dumbledore estava, portanto, vivo apenas devido a uma poção que suspendeu sua morte. Ao mesmo tempo, o Lord das Trevas havia encarregado Draco Malfoy de matá-lo. Não que ele acreditasse que Draco seria bem sucedido. O objetivo dele era, na verdade, dar uma lição nos Malfoy. Eu, inadvertidamente, me vi em uma situação em que precisei fazer um Juramento Inquebrável com Narcissa Malfoy, para manter minha fachada de espião.

- Eu sei. Você prometeu proteger Draco.

- Não só isso. Eu prometi cumprir a missão dele, caso ele falhasse. Diante desse quadro, Dumbledore me fez prometer que, caso fosse necessário, eu cumpriria o Juramento com Narcissa.

- Ele pediu que você o matasse?

- Em última instância. Ele dizia que minha posição como espião seria essencial para a sua vitória - faço um gesto de cabeça apontando para ele. - Dizia que era importante que eu ganhasse a confiança do Lord das Trevas.

Ele me fita com um brilho intenso nos olhos.

- Ele previu tudo. Desgraçado!

Sinto um arrepio na espinha.

- Essa jornada na caverna que você relatou deve tê-lo debilitado ainda mais. Quando cheguei à Torre de Astronomia, ele estava por um fio. E me pediu, por meio de Legilimência, que eu o matasse.

Harry suspira e baixa os olhos. Percebo que estou pensando nele como "Harry" agora. Talvez porque seja difícil revelar momentos tão cruciais de minha vida a uma pessoa e tratá-la com distância.

Quando ele ergue os olhos para mim, há uma lágrima brilhando em cada um deles, e ele parece tão desamparado.

Eu estendo a mão e toco-lhe o rosto, afastando uma mecha de cabelos. Ele segura minha mão entre as suas, levando-a até seu colo.

- O medalhão está com os Malfoy - eu conto a ele. - Regulus não sabia como destruí-lo, e deixou-o em Grimmauld Place. Ele foi morto a mando do Lord das Trevas. Alguns dias antes da morte do seu padrinho, Kreacher levou o medalhão para Narcissa, pois, na cabeça dele, os Malfoys são os verdadeiros descendentes dos Blacks.

- E Narcissa não entregou o medalhão de volta a Voldemort?

- Não. Ela o está guardando como um trunfo, para que o Lord das Trevas não fira ninguém de sua família. Mas, se ele souber, todos eles morrerão antes que você consiga dizer Avada Kedavra, e ela sabe disso. Ela sabe que, de qualquer jeito, corre perigo.

- O que devo fazer?

- Infelizmente, acho que você terá de negociar com ela.

- Nunca vou conseguir convencer uma Malfoy! Você tem uma garrafa de Felix Felicis aí?

Não consigo conter a risada.

- Isso seria um truque muito sujo, Harry Potter. E a resposta é "não".

Harry balança a cabeça.

- Nunca conseguirei convencer nenhum Malfoy a nada - repete.

- Eu tenho um trunfo, também. Mas agora estou cansado, vamos dormir, sim?

Ele faz que sim com a cabeça, tira os óculos e se ajeita do seu lado da cama. Eu apago as luzes e me deito. Escuto-lhe a respiração irregular.

- Você não queria matar Dumbledore - ele diz, baixinho.

- Nunca houve nada que eu abominasse tanto ter feito. Ele foi meu mentor. Confiava em mim. E eu tinha uma vida razoavelmente confortável em Hogwarts. Meus colegas me respeitavam: Minerva, Filius, Pomona...

Sinto um nó na garganta. É penoso, lembrar-me de tudo o que perdi.

De repente, percebo que ele se aproximou e está me abraçando, aconchegando-se junto a mim. Eu o abraço também, e escuto nossos corações batendo junto.

 

Anterior
Próxima
Nhandu (Índice)
Fanfiction (Índice)
HOME

Reviews

Ptyx, Outubro/ 2005