Parte II - Snapenelopíada

 

Capítulo IV

 

Meu Deus, eu sou patético. Potter me pegou com as calças na mão, literalmente. E eu nem posso alegar que não sabia que ele era traiçoeiro. Desde que veio para cá, ele não fez senão tentar me enganar e fugir.

Agora ele segura a varinha diante de mim, me ameaçando. Ele ainda está nu e meu pênis ainda está para fora de minhas calças, minha mão coberta de sêmen.

Não só patético, mas absolutamente ridículo. Eu inventei um Protego Ampliado, para proteger-me de ataques não-mágicos também - graças a ele, fui salvo quando Potter tentou me atacar com uma gaveta. Mas agora o demoninho me fez perder a concentração. Mate-me, Potter. Eu mereço.

A mão do garoto treme, e meu cérebro parece voltar a funcionar.

- Provavelmente está pensando em me matar, mas eu não o faria, se fosse você - digo-lhe. - Há coisas que só eu sei, e que só eu posso lhe contar.

- Então conte de uma vez - ele retruca.

Eu daria uma risada histérica, se não fosse o meu controle sobre-humano.

- Não é assim que se joga esse jogo - eu digo.

- Então diga logo como é.

- Muito bem. Você está com a varinha. Portanto, você manda. Mas me deixe... ter um mínimo de dignidade. Posso ir ao banheiro?

Ele suspira.

- Pode. No meu banheiro. E não vá aprontar nada.

Como um reles Muggle, eu limpo com papel higiênico e água os resíduos de meu melancólico prazer solitário. Depois lavo o rosto, mas evito me olhar no espelho. Nunca me odiei tanto em toda a minha vida.

(Um exagero da minha parte. Na verdade, já devia estar acostumado com a sensação.)

Agora preciso ser frio. É questão de sobrevivência. Potter tem a varinha; ele dá as cartas. Preciso salvar a mim mesmo, mas também a ele, maldito pirralho.

Um trovão soa lá fora; o tempo aqui muda rápido, e parece que uma tempestade vai cair.

Volto ao quarto; Potter já está vestido, sentado na cama.

- Vamos jantar? - eu sugiro.

- Está bem, mas eu quero jantar na sala. Você vai na frente e prepara tudo.

Hmpf. Era só o que me faltava, virar elfo-doméstico de Harry Potter.

- Como desejar, Mestre - eu respondo, fazendo uma mesura exagerada e seguindo para as escadas.

~*~*~

Estamos sentados à mesa da sala, à luz de velas. Lá fora, raios e trovões se sucedem, e o ruído da chuva batendo nas folhas chega até nós. O frango ao curry estava passável e o vinho - um Baron De Lantier Cabernet Sauvignon, safra de 91, fabricado em Garibaldi, no sul do Brasil -, soberbo. Potter me encara com impaciência. Sirvo a sobremesa, uma torta de pêssegos bastante atraente.

- Snape. Conte logo a droga da história.

- Pois bem, senhor Potter. Eu sei a localização de todas as quatro Horcruxes.

Minha declaração tem o efeito desejado. Ele arregala os olhos.

- Ele contou isso a você?

Nem tento conter o sorriso de prazer e orgulho.

- Contou.

- Não acredito. Você está inventando isso só para que eu não o mate.

Esperto. Ele devia ter sido colocado em Slytherin.

- Ele contou, Potter, não por causa dos meus belos olhos, mas porque precisava de minha ajuda. Ele descobriu que as suas Horcruxes estavam ameaçadas.

Primeiro ele balança a cabeça, depois me olha com espanto.

- Como ele descobriu isso?

- Albus não fez exatamente segredo a respeito do anel, fez? Ele andava com o anel em todos os lugares aonde ia.

- Por quê ele fez isso?

- Talvez porque ele quisesse que ocorresse exatamente o que está acontecendo agora.

- E o que é que está acontecendo agora?

- Tão impaciente. - Lanço-lhe meu sorriso mais irônico. - Primeiro temos de fazer um pacto.

- Não quero fazer nenhum pacto com você. Conte-me a história ou... - diz ele, apontando a varinha para mim.

- Avada Kedavra - eu digo, em tom cheio de veneno, e ele estremece.

- É, só que eu tenho uma varinha - responde ele, como que para se reafirmar.

- É verdade. Você tem uma varinha, mas eu tenho as respostas que você quer. Eu lhe proponho um acordo: eu lhe conto a localização de uma Horcrux esta noite, e amanhã você vai destruí-la. Amanhã à noite eu lhe conto a localização de outra Horcrux, e no dia seguinte você adestrói. E assim por diante, até a quarta e última Horcrux.

- Muito esperto, Snape. Você está ganhando quatro dias de vida. E quem é que me diz que amanhã mesmo, quando eu sair para destruir uma Horcrux, você não avisará o seu Lord?

- Podemos fazer um Juramento Inquebrável Recíproco, sem Elo. Funciona da mesma forma, só não há uma garantia externa, um árbitro. Ou seja, em última instância, você vai ter de confiar em mim, e eu em você. Você se compromete a não revelar o segredo de onde você está e volta para cá todas as noites até a destruição de todas as Horcruxes, e eu me comprometo a não avisar ao Lord das Trevas e a lhe contar toda a verdade.

- Quem romper o Juramento morre?

- Exato.

Ele estremece visivelmente. Eu também estremeceria, se me restasse algum bom-senso. A aposta é alta demais.

- Eu pego a sua varinha agora; nós trocamos de varinha para pronunciar o Juramento. Nós nos ajoelhamos, juntamos as mãos direitas e, segurando a varinha com a esquerda, tocamos em nossas mãos unidas. Podemos incluir no Juramento que, depois que eu lhe contar sobre a última Horcrux, eu devolverei minha varinha a você, para que, se assim o quiser, me mate - acrescento.

- Aceito - ele diz.

Um perfeito Gryffindor, como eu pensava!

~*~*~

Juntamos nossas mãos e proferimos o Juramento Inquebrável Recíproco. É um momento solene. Quem diria que um dia eu me ajoelharia diante de Harry Potter? Naturalmente ele também está de joelhos, o que preserva o meu orgulho intacto. Além disso, estou fazendo isso por uma boa causa, e bebi vinho demais. Esse último detalhe provavelmente explica também por que estou agora olhando para ele intensamente e convidando-o a ir para a cama comigo.

- Tenho uma longa história a lhe contar, e ficaremos mais à vontade na cama espaçosa do meu quarto de casal.

- Tudo bem - responde ele.

Eu ficaria surpreso, se não soubesse que ele também bebeu vinho demais.

Ele se senta na minha cama enquanto eu me instalo sob os cobertores. A seguir, ele tira os sapatos e se recosta contra a cabeceira. Recusa-se, no entanto, a largar a varinha, por mais que eu tenha largado a minha sobre a mesa de cabeceira e insista em que ele não corre nenhum risco. Resignado, começo a contar-lhe a emocionante história, que não dura mais do que dois minutos, de como a taça que o Lord das Trevas tomou de Hepzibah Smith foi entregue por ele aos cuidados de Bellatrix Lestrange, que a ocultou em uma cripta nos subterrâneos do cemitério de Little Hangleton onde o Lord das Trevas foi redivivo. E que essa cripta é protegida por um Manticora.

Ele me olha com incredulidade.

- E você espera que eu vá lá amanhã e mate um Manticora?

- Você não é "o Escolhido"? - Ele parece tão desanimado que sinto pena dele. Talvez por efeito do vinho, tento animá-lo. - Peça ajuda a Hagrid. Ele adora esses monstros, e deve saber domá-los. Só que... há outro detalhe.

- Outro?

- Você não esperava que o Lord das Trevas não protegesse suas Horcruxes, esperava? O detalhe é que só um descendente de Hufflepuff consegue tocar nessa taça.

- E o que você sugere que eu faça?

- Talvez o seu amigo Zacharias Smith possa ajudá-lo. Ouvi dizer que ele é descendente de Helga e de Hepzibah.

- Meu amigo? Ele me odeia!

- O que só demonstra que é uma pessoa de bom gosto!

Eu e minhas tentativas de animá-lo. Potter me lança um olhar fulminante, que eu finjo ignorar.

- Como vou encontrar Zacharias? - ele indaga.

- Você já tirou licença para aparatar?

- Já. Assim que fiz dezessete anos.

- Suponho que Arthur Weasley possa ajudá-lo a encontrar Smith; ele tem vários contatos no Ministério. Mas não se esqueça de que você não pode revelar a ninguém onde está.

- Está bem. Mas como é que eu vou extrair o feitiço?

- Você extraiu o feitiço do Diário sem grandes dificuldades.

- Ah, sim, eu só tive de derrotar um Basilisco - diz ele, cheio de ironia.

- Exatamente. - Ele não parece muito satisfeito. - Aposto que não gostaria de estar no meu lugar. O que acha que acontecerá se o Lord das Trevas vier aqui ver você e não o encontrar?

Ele estremece.

- Ele pode vir aqui? Ele mandou você ficar me vigiando? Ele está pagando por tudo isso aqui?

- Sim, sim e sim.

Não estou exatamente mentindo. É verdade que ele pode vir aqui; mas também é verdade que sei que não virá. Ele morre de medo de encontrar O Escolhido agora que sabe que suas Horcruxes estão ameaçadas.

Potter sacode a cabeça.

- Ou você está preparando alguma ou é completamente louco.

Os dois, suponho. Sei que estou me arriscando muito. Mas ele não precisa saber disso.

- Eu não vou ficar aqui escutando ofensas vindas de você.

- Certo... - ele resmunga por entre os dentes. - Mas afinal, por que estamos aqui? Aliás, onde estamos?

- No Brasil. Por que não? É suficientemente longe, ninguém nos incomoda e o clima é agradável, pelo menos agora, no inverno. Há muitos pernilongos, mas eu coloquei uma teia repelente contra insetos invisível ao redor da casa, então eles não nos incomodam.

- Brasil. É exatamente para onde os vilões costumam fugir, nos filmes.

- É mesmo? Eles são espertos, então. - Bocejo. - Agora largue essa varinha, deite aí e durma.

Fico satisfeito ao vê-lo me obedecer e se deitar a meu lado. Sinto o seu calor, seu cheiro de mel, terra e sabonete de canela, e me lembro do sabor dele quando eu o tive em minha boca. Morro de vontade de agarrá-lo e devorá-lo inteirinho, mas já fiz papel ridículo hoje uma vez, e não quero arriscar uma segunda.

 

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Ptyx, Outubro/ 2005