Parte IV - Variações

 

10 - A Saga de Severus

 

Haviam acabado de fazer amor na cama de Snape, no chalé. No dia seguinte, seria a grande final do Quidditch, entre Gryffindor e Slytherin.

-Você está diferente - disse Harry, fitando-o longamente.

- Como assim, diferente?

- Mais tranqüilo. Mais bonito.

Snape ergueu as duas sobrancelhas.

- Explique.

- Ah, não sei. Até Lavender e Parvati notaram. Eu as ouvi comentando.

- Oh, então finalmente eu me transformei no Deus Slytherin do Sexo?

Harry deu-lhe um beliscão no quadril.

- Au! Só porque você está com ciúmes, não é motivo para me agredir fisicamente - reclamou Snape .

Harry lhe fez um muxoxo. Então ficou mais sério.

- É por minha causa?

Snape estreitou os olhos para o amante.

- Sempre pensando que o mundo gira a seu redor... Talvez a minha mudança se deva a um efeito colateral de ter preparado a Poção Mandala. É similar ao que ocorre com os alquimistas: a obra altera a personalidade do criador. Já senti esse efeito várias vezes em mim mesmo."

- Mas você está se sentindo diferente? Melhor?

Snape deu de ombros.

- Creio que sim. Eu... passei a aceitar melhor quem eu fui e quem eu sou.

- Isso é muito bom, Severus. Er... Acha que agora pode me contar coisas do seu passado?

- Talvez. Não é um programa muito agradável. Tem certeza de que é o que quer?"

- Eu... preciso saber.

Snape assentiu.

- Vamos cear e depois... podemos conversar lá fora, na varanda. Está quente aqui dentro, não?

~* ~* ~

Cerca de uma hora depois, estavam sentados na varanda, no sofá-de-balanço que Snape transfigurara a partir da cadeira preguiçosa. Os grilos cantavam, e as fadas esvoaçavam por entre as folhagens.

- O que você quer saber, Harry?

- Er... Tudo.

- O pacote todo? Desde a minha infância?

- É.

Snape respirou fundo.

- Meu pai era um canalha. Ele era de sangue puro, mas falido. Um perdedor. Refugiou-se na bebida, e batia em minha mãe. Ela era fraca, uma pessoa sensível, e acabou se matando. Eu ainda estava em Hogwarts quando aconteceu.

- Oh, Severus, sinto muito!

- Bem, isso não foi sua culpa - disse Snape, tentando, sem nenhum sucesso, tornar o clima menos pesado.

- Por favor, continue.

- Ele foi internado logo depois, por excesso de bebida, e acabou morrendo, com o cérebro totalmente destruído. Ele era um monstro, e eu o odiava. Por causa dele, tive de aprender a me defender muito cedo. Comecei a devorar todos os livros de magia que encontrava, e só na Magia Negra encontrei formas de me defender dele. Não que não existam encantos de "magia branca" tão poderosos quanto os de Magia Negra, mas eles são mais difíceis de dominar. Eu era ainda uma criança.

Snape tomou fôlego e prosseguiu:

- Na escola, logo me tornei rival da turma do seu pai. Sinceramente, não sei quem foi que começou, mas eu era um só, e eles eram quatro. É verdade que Pettigrew era muito fraco, e que Lupin nunca executou nenhum ato de violência contra mim diretamente, mas ainda assim, tenho certeza de que muitas das armadilhas armadas contra mim saíram do cérebro dele. Seja como for, eles transformaram minha vida no inferno. Mas o pior de tudo era que o Diretor sempre ficava do lado deles, porque eles eram de Gryffindor. Seus queridinhos de Gryffindor - disse Snape, com raiva, por entre os dentes.

- Mesmo quando Sirius mandou você para o Shrieking Shack sabendo que Remus estava lá transformado em lobisomem?

- Aí é que perdi todas as minhas esperanças de justiça. Black só ganhou um mês de detenção com Dumbledore, e eu fui obrigado a manter silêncio, sob ameaça de expulsão. Eu não podia sair de Hogwarts, minha mãe havia morrido e eu não queria, por nada no mundo, ir morar apenas com meu pai. E ele me mataria se soubesse que eu havia sido expulso.

- Que droga!

- Pois é, que droga. O meu único amigo nisso tudo... era Lucius.

Harry franziu o cenho.

- Argh. Eu imaginava. Vocês... eram amantes?

- Oh, não! Eu estava apaixonado por ele, é claro. Foi minha primeira paixão. Mas ele era aristocrata demais para conceber a idéia de ter alguma coisa comigo. Não, ele... era mesmo meu amigo. Do jeito egocêntrico dele, claro. Então, quando terminei Hogwarts, fui morar com ele. Meu pai já havia morrido, e tive de vender todos os seus bens para quitar as dívidas.

Harry soltou um suspiro de alívio, que Snape não pôde deixar de notar.

- Ah, você estava mesmo preocupado que Lucius fosse seu rival, ahn?

- Claro! Ele é tão mais... interessante do que eu.

- Não diga bobagens! Ele é um canalha arrogante.

Snape puxou Harry para si e sentou-o em seu colo, beijando-o longamente.

- Ainda quer ouvir o resto da história? - perguntou Snape, quando interromperam o beijo.

- Quero.

Snape segurou a mão de Harry.

- Pois bem. Lucius, nessa época, já era um Comensal da Morte. E não precisou muito para me convencer a me juntar ao Lorde das Trevas. Bastou um encontro. O Lorde das Trevas se mostrou entusiasmado com a possibilidade da minha adesão, pois Lucius lhe havia dito que eu era muito bom em Poções e em Defesa contra as Artes das Trevas. Ele... fez com que eu me sentisse importante, necessário. Aquele discurso sobre os Muggles... eu nem prestei muita atenção naquilo. Na verdade, já estava acostumado àquelas idéias. Era o mesmo discurso do meu pai. E em Slytherin, quase todos pensavam assim. Eu odiava meu pai, mas não percebia que estava adotando as mesmas idéias dele.

Snape fez silêncio. Harry acariciou-lhe a mão com as suas.

- E então... você se juntou a eles. E... é verdade o que me falou, que você era o melhor torturador entre eles?

Snape deu um sorriso amargo.

- O melhor torturador... Sim, eu era competente. Acho que todos os anos de abusos do meu pai se apossaram de mim, e eu acabei me transformando nele. - Um arrepio percorreu-lhe a espinha. - Que nojo. A única coisa que posso dizer em meu favor, é que eu não matava. Orgulhava-me de não matar. Durante seis meses, consegui manter esse limite... Mas aí, um dia, os Comensais da Morte planejaram um grande massacre a uma pensão em Hogsmeade. Diziam que naquela pensão estava a família de um dos maiores inimigos da nossa causa, McKinnon. E eu fui escalado para integrar o grupo de assalto, junto com outros oito Comensais da Morte. Entre eles, Dolohov, os Lestrange, Travers e Mulciber - os mais violentos de todos.

A expressão de repulsa nos olhos de Harry o assustou e o trouxe de volta ao presente.

- Harry... Você me odeia? Nunca mais vai querer me ver?

- Não... Não, Severus. Você nunca me escondeu que o seu passado era negro. Eu sempre soube, e estou aqui, mesmo assim.

- Mas é diferente quando se sabe que foi assim realmente.

- É. Não vou dizer que não estou abalado. Mas agora... você já contou o pior, não foi?

- De certa maneira, sim. Pois bem. Nós atacamos a pensão. Eu nunca vi tanto sangue e tanta dor juntos. Eu era o caçula, e eles não esperavam muita coisa de mim. Mesmo assim, teve uma hora em que um Muggle se aproximou de mim, e eu tentei colocá-lo em Imperius para não ter de matá-lo. Acho que ele estava tão aterrorizado que morreu de susto. Fiquei em estado de choque. Os outros me tiraram dali à força. Como era a minha primeira vez, eles não me puniram. Eu fiquei decepcionado quando ninguém me puniu. Eu queria ser punido. Não conseguia acreditar que havia participado daquela carnificina e que havia matado alguém. Acho que, naquele momento, percebi o inferno em que havia me metido.

- Foi então que você decidiu procurar Dumbledore?

- Não sei se "decidiu" é a palavra correta. Algo me levou até ele. Eu cheguei me arrastando. Sinceramente, minha única vontade era morrer. Mas... ele me colocou em pé de novo. Me deu um novo objetivo: acabar com o Lorde das Trevas. E disse que eu seria importante, que ninguém poderia fazer o que eu iria fazer.

- Canalha manipulador...

- Ele é, mas ele me salvou, Harry. Se não fosse ele, eu não teria continuado a viver.

- Mas ele fez você voltar e continuar participando daquele inferno todo? - perguntou Harry, horrorizado.

- Sim. Foram os piores meses de toda a minha vida. E olhe que minha vida não foi nenhum mar de rosas.

- Mas então você continuou torturando, e participando de massacres e tudo isso?

- Exatamente. Eu fiz o possível para evitar machucar as pessoas de verdade, é claro. Albus me ensinou alguns truques, e eu usei poções. Não foi fácil, porque uma parte de mim gostava da violência e de infligir a dor. Mas, desde então, tudo o que eu fazia tinha um objetivo oculto. Albus Dumbledore deu um novo sentido à minha vida - completou Snape.

Harry sacudiu a cabeça, enojado.

- É verdade, Harry. Pensar em Albus me ajudava a manter a sanidade.

- Mas ele é o maior insano dessa história toda!

- Talvez, Harry. Mas acho que ainda preciso acreditar nele para levar a minha vida em frente. Se bem que, agora, eu tenho você.

Harry estremeceu e pulou para fora do colo de Snape de súbito, levantando-se.

- Não! Eu não quero que você continue a fazer essas coisas em meu nome! Nunca!

Snape soltou um suspiro de desalento e lançou a Harry um olhar quase de súplica.

Harry piscou. Uma lágrima brilhou em cada um de seus olhos. Então Snape se levantou, e Harry se jogou em seus braços.

- Por que a vida é tão complicada, Severus? Por que não posso fazer o que acho certo? Por que não sei mais o que é certo ou não? Por que nem tudo é branco ou preto?

Snape deu um melancólico riso abafado.

- Bem-vindo ao inferno que é ser adulto, Harry Potter. Se bem que você já vivia no inferno antes também, não? Agora vamos girar o Vira-Tempo e tentar dormir, porque amanhã você precisa estar preparado para a maior derrota de sua vida no Quidditch.

Harry não teve forças para rir. Apenas deixou que Snape o conduzisse para dentro.

 

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Ptyx, Setembro/2004