Parte III - Intermezzo
9 - A Dama
- Albus, a Poção Mandala está concluída. - Ótima notícia, Severus! Snape, sentado diante da escrivaninha do Diretor, encarou-o com firmeza. - E creio ser meu dever informá-lo de que realizei alguns testes com a poção entre os Comensais da Morte, e verifiquei que, em doses mais elevadas, ela pode alterar a tal modo a sua personalidade que eles se mostram incapazes de continuar praticando Magia das Trevas. - Você... não usou os Comensais da Morte como cobaias, usou? - Realizei testes com absoluta margem de segurança. O Diretor coçou a barba. - Isso ainda vai estourar nas minhas mãos. - Ninguém desconfia de nada, não se preocupe. Se me permite, eu gostaria de saber quais são os seus planos em relação à Poção Mandala. - Oh, pelo que você vem me contando, ela tem efeitos maravilhosos sobre os magos. Acentua seus poderes perceptivos, inclusive. Creio que iremos precisar disso quando a guerra se acirrar. E mesmo agora, podemos usar como um instrumento de cura física e psicológica. - Perfeito. Mas... saber que ela pode ser usada para... desviar os Comensais da Morte de seus maus propósitos... - Isso está perigosamente próximo da Magia das Trevas. Eu não gostaria de lidar com isso. Snape se levantou, irritado. - Albus, eu não entendo. Por que você não acaba de uma vez com o Lorde das Trevas? Dumbledore inclinou a cabeça de lado, em expressão de surpresa. - Se mudássemos a personalidade de todos os Comensais da Morte e Voldemort não tivesse mais ajudantes, ele encontraria outros. Nem que precisasse utilizar Imperius. Os Comensais da Morte não são o problema, e sim Voldemort. E o Mundo Mágico. - Não foi isso o que eu perguntei e você sabe muito bem. Eu quero saber por que você não derrota o Lorde das Trevas de uma vez por todas. O Diretor também se levantou, e foi até o poleiro de Fawkes, e acariciou-lhe as penas douradas. A fênix empertigou-se toda. - Gosta de jogar xadrez, Severus? - Você sabe muito bem que eu não tenho tempo para jogos. E eu bem sei que, no seu jogo, eu sou um mero peão. - Oh, você se engana. Você é uma peça muito importante. - Um cavalo, talvez. Dumbledore riu. - De qualquer forma, no jogo, como eu o vejo, Harry é o rei. Ele não tem ainda possibilidades de amplos movimentos, e deve ficar protegido. Eu sou... a dama. - Ah! - A peça com mais recursos e liberdade de movimentos. Você sabe, perder a dama é algo muito dramático em um jogo. - Você quer dizer que não quer se arriscar. Porque é preciso proteger o reizinho. - Exato. Se eu partisse para o confronto, talvez vencesse, talvez não. - Dumbledore ergueu a mão para conter os protestos de Snape. - Eu sei, você acha que eu sou mais poderoso. Mas nem sempre o mais poderoso vence um duelo. Especialmente quando o oponente não joga limpo. Um tanto de má vontade, Snape concordou com um gesto de cabeça. - Mas se nós "desativássemos" os Comensais da Morte com a poção, isso atrapalharia os planos do Lorde das Trevas. Eu o conheço bem. Isso atrasaria bastante seus planos. E ganhar tempo é importante... para o nosso rei. - Severus, esta será uma longa guerra. Talvez leve décadas. - Como você pode saber? - Eu não sei! - Dumbledore assumiu uma expressão travessa. - Mas eu sinto que será. Porque... o Mundo Mágico não irá mudar de um dia para o outro. Este é um longo processo. - Você... do que você está falando? Mudar o Mundo Mágico? - Eu já derrotei um Mago das Trevas antes. De que adiantou? Nem bem um se foi, o outro já estava em formação. Tenho 150 anos, Severus, e estou cansado. Se eu, você ou, quem sabe, Harry formos lá e simplesmente matarmos o Lorde das Trevas, nós seremos idolatrados e corremos até o risco de virarmos o próximo Lorde das Trevas. Ou, de qualquer forma, um outro mais poderoso acabará se apresentando. É preciso mostrar ao Mundo Mágico que o caminho das trevas não é o correto. É preciso derrotar as Trevas tática e estrategicamente, e fazer com que o Mundo Mágico se levante em peso contra essas idéias que provocam o surgimento dessas figuras e movimentos nefastos. - Política. Você está falando de política. Mas enquanto você executa seus... lances políticos... pessoas morrem. Pessoas se sacrificam. Pessoas vivem no inferno. Dumbledore se aproximou de Snape, e segurou-lhe os ombros. - Não pense que não sei, meu menino. Não pense que não me importo. Só que eu tenho uma visão mais ampla de todo o quadro, de todo o jogo. - Visão mais ampla... - Snape bufou. - É muito cômodo, você ter essa visão mais ampla! Você não está fazendo nada. Você não se arrisca. Você é o mago mais poderoso do mundo. Mas e nós, simples mortais? E o seu pequeno rei, que você criou como se cria um monstro? Dumbledore o encarou com surpresa. Furioso, Snape deu-lhe as costas e saiu de seu escritório. ~* ~* ~ Em poucos minutos, Harry estaria entrando por aquela porta. Era sempre a um só tempo um prazer e uma tortura tê-lo por perto. A alegria da proximidade e a tortura de não poder tocá-lo. - Oi! Acordando do devaneio, Snape ergueu a cabeça e viu Harry se aproximando. - Boa tarde, sr. Potter - disse Snape. - Boa tarde, Harry Potter - disse uma voz, vinda de um retrato. - Ei, olá, Phineas! Severus, você encontrou um outro retrato de Phineas? - perguntou Harry, olhando para a parede em frente à escrivaninha de Snape. - Estava jogado em uma sala abandonada das masmorras. Godric e Gryffindor vão ficar contentes em saber que agora Phineas pode vir aqui me incomodar quando fica entediado lá na sala de Dumbledore. - Até parece que você não adora fofocar a respeito de Albus comigo - disse Phineas. Snape o encarou com cara de poucos amigos. - Volte para lá um pouco, sim? Preciso ter uma conversa muito séria aqui com o herói dos Gryffindors. Resmungando, Phineas sumiu do retrato. - Severus... o que aconteceu? Algo está perturbando você. Harry se sentou diante dele, à escrivaninha. - Eu não devia lhe contar. Se eu tivesse um plano, se soubesse o que fazer, não lhe contaria. - E você sabe como eu odeio que me escondam as coisas. Ou isso não conta em nada para você? Snape deu um sorriso amargo. - Eu gostaria de ser Slytherin agora e barganhar alguma recompensa, já que vou lhe contar mesmo. Mas sabe, não tenho ânimo nem para isso. - Fale, Severus. Snape olhou no fundo dos olhos de Harry. - Dumbledore não quer usar a poção nos Comensais da Morte. Ele não quer mesmo enfrentar o Lorde das Trevas agora. Quer ganhar tempo, e jogar politicamente para levantar o Mundo Mágico contra o Lorde das Trevas. Harry pestanejou, e refletiu por uns instantes. - Entendo. E nós que nos danemos. - Deu um sorriso triste. Snape queria abraçá-lo, queria dizer-lhe que a única coisa boa daquilo tudo era se sentir mais próximo a Harry. Mas precisava se conter. - Harry, hoje é a nossa última aula de Recuperação em Poções. E as férias de verão estão chegando. - É. - Você vai ter de ir para os Dursleys. Dumbledore me confirmou isso. - É sempre assim. Já estou acostumado. - De repente, uma expressão de dor se refletiu nos olhos do garoto. - Oh. Mas nós não vamos mais poder nos ver? - Bem, ainda temos duas sextas-feiras até lá, Harry. Amanhã, e depois dos seus exames. Na sexta-feira da segunda semana, haverá uma reunião da Ordem. Dumbledore quer que passemos todo o fim de semana em Grimmauld Place. E na semana seguinte começam as férias. - Snape olhou para Harry com expressão inquisitiva. - Depois de amanhã, sábado, é a final de Quidditch. Talvez você prefira ficar em Hogwarts na véspera e descansar, em vez de... - Não! Se só temos dois dias, não vou deixar de ir, de jeito nenhum. A gente não pode voltar uma noite no Vira-Tempo só para eu descansar antes do jogo? Snape abriu um meio sorriso. - Você é mesmo um tolo, confiando em mim assim. E se eu colocar alguma coisa na sua bebida? Harry estreitou os olhos para ele. - Se você aprontar alguma, vai conhecer a fúria da minha vingança! Quase dolorosamente, Snape se entregou ao riso. |
Ptyx, Setembro/2004
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