14 - Um Cavalheiro Galante e Sensato

 

Os três Dursleys estavam sentados ao redor da mesa da cozinha. Tio Vernon passava os olhos pela correspondência, e tia Petúnia servia o chá para Dudley, que parecia furioso e emburrado como sempre.

- Pronto, Dudinha - disse tia Petúnia.

Tio Vernon deu um longo suspiro e pegou outro envelope.

- O que é isso? - Tio Vernon fuzilou Harry com os olhos. - Carta do seu pessoal? O que você andou aprontando?

- Eu? Nada!

- Ahn. Pelo menos dessa vez mandaram com o valor adequado em selos, em vez de empapar a carta toda daquele jeito idiota.

(Tio Vernon se referia à correspondência que os Weasleys lhe haviam enviado certa vez, quando, não sabendo o valor em selos que deveria postar, a Sra. Weasley havia enchido o envelope de selos, para a irritação do tio Vernon.)

Tio Vernon retirou o papel de dentro do envelope, desconfiado. Era uma folha absolutamente normal. Apenas uma folha. Mantendo certa distância do papel, começou a ler.

Harry ficava se remexendo, trocando o apoio de um pé para o outro. O que diria a maldita carta?

Tio Vernon franziu o cenho. Um leve espasmo cruzou o amplo rosto vermelho. Por fim, entregou a folha a Harry.

- O que diz aí... procede? Ou tem algum truque nessa história?

Não agüentando mais de curiosidade, Harry pegou a folha.

 

Caro Sr. Dursley,

venho por meio desta comunicar-lhe que o seu sobrinho, Harry James Potter, deverá cumprir um período de recuperação, sob a supervisão de um professor de nossa escola, entre os dias 14 e 17 de agosto.

Seu sobrinho ficará sob nossa responsabilidade durante este período e, a seguir, será encaminhado à casa da família Weasley, onde deverá passar o restante de suas férias.

O Professor Snape deverá passar às 9 h do dia 14 de agosto para apanhar Harry Potter.

Sem mais para o momento, atenciosamente,

Minerva McGonagall

Vice-Diretora

 

Harry arregalou os olhos. Professor Snape? Que história era aquela? Dia 14 era dali a dois dias; Snape havia passado a noite com ele dois dias atrás e não lhe dissera nada a respeito daquilo.

- Er... É verdade, eu tenho que fazer esse programa de recuperação. Não avisei vocês antes porque eu não sabia que teria de fazer isso nas minhas férias.

O tio ainda o encarou com suprema desconfiança. Tia Petúnia fez uma careta de nojo, e Dudley pareceu aterrorizado - provavelmente porque suas experiências com o "pessoal de Harry" não haviam sido nada boas.

~* ~* ~

Harry mal conseguiu dormir na noite de 13 para 14. Empacotara todas as suas coisas já na noite anterior, e às seis da manhã já estava andando em seu quarto, de um lado para o outro. Hedwig também estava bem desperta e excitada, piando e chirreando.

- Hedwig, você gosta de Severus? Ele sempre lhe traz o seu pão favorito.

Hedwig inclinou a cabeça, intrigada.

- Pois é, nós vamos sair com ele, daqui a pouco. Não sei para onde vamos, mas qualquer lugar é melhor do que aqui, não é?

Hedwig piou, toda animada.

~* ~* ~

Tio Vernon fizera questão de esperar a chegada do professor em casa - naturalmente, furioso porque iria se atrasar no trabalho. Dudley tomara o café e, levando uma pilha de salgadinhos e doces, fora se esconder no quarto. Tia Petúnia cuidava dos serviços de casa, como sempre.

Ainda faltavam dez minutos para a hora marcada, mas tio Vernon ficava olhando pela janela, nervoso, o tempo todo.

- Espero que esse sujeito tenha a decência de se vestir de modo adequado - rosnou.

Merlin! Como Snape viria vestido? Harry nunca vira Snape trajar socialmente algo diferente de vestes pretas, ou, de vez em quando, verdes. E como chegaria? Harry esperava que ele não tentasse vir pela lareira, como os Weasleys.

Nervoso também, Harry andava de um lado para o outro, vestido em suas camisetas enormes de mangas enroladas e jeans folgados, que só não caíam por causa do cinto. Não queria que Snape o visse assim, mas que jeito?

De vez em quando, Dudley colocava a cabeça na escada, para espiar.

Às nove horas, pontualmente, a campainha tocou.

Tio Vernon adiantou-se para abrir a porta. Harry tentava, de todas as formas, se esgueirar para ver o que estava acontecendo, mas o corpo volumoso do tio barrava-lhe completamente a visão. Não conseguia, também, escutar nada além do leve som grave e baixo da voz de Snape, que fazia com que todo o seu corpo vibrasse em sintonia. Maldição, aquela voz era tão sensual que até quando Harry estava nervoso ela exercia seus poderosos efeitos.

Com uma relutância evidente mas, de certa forma, menor do que Harry poderia esperar, o tio deu passagem para que o visitante pudesse entrar, e tia Petúnia se adiantou para cumprimentá-lo.

Snape entrou - alto, magro, o cabelo preso em um rabo de cavalo, e as roupas... de um perfeito funcionário público: terno preto feito sob encomenda e gravata cinza. Inclinou-se respeitosamente diante de tia Petúnia e, quando esta lhe estendeu a mão, levou-a aos lábios delicadamente. Harry arregalou os olhos. Tio Vernon, no entanto, não viu nada, pois estava fechando a porta. Tia Petúnia corou.

- Prazer em conhecê-la, Sra. Dursley. Severus Snape, a seu dispor.

Tia Petúnia levou alguns segundos para se recuperar do choque e convidá-lo a sentar-se ao sofá. Tio Vernon aproximou-se, e os três se sentaram à sala - tio Vernon e Snape ao sofá, tia Petúnia em uma poltrona. Snape lançou um olhar grave a Harry, de longe. Harry engoliu em seco, sem saber como reagir. Ninguém o convidara a sentar-se, por isso permaneceu em pé, atrás de uma poltrona.

- O que foi que o pirralho aprontou, para que estejam querendo levá-lo no meio das férias? - perguntou tio Vernon.

Snape pigarreou.

- De fato, o seu sobrinho é extremamente... indócil. Não se adapta facilmente a regras. Imagino que não seja fácil para os senhores lidarem com ele.

Os bigodes de tio Vernon tremeram de prazer. E a cabeça de Dudley surgiu à escada, por trás de Snape.

- Senhor... professor... ahn... - tartamudeou tio Vernon.

- Snape.

- Professor Snape. Nós nos esforçamos ao máximo para criá-lo como um menino normal, para dar-lhe uma boa educação. Nem é nosso filho, como o senhor sabe, mas nós tentamos. No entanto, é sangue ruim, não tem jeito. O pai dele era um vagabundo, um imprestável.

Snape arqueou uma sobrancelha.

- Com efeito, sr. Vernon. James Potter foi meu colega em Hogwarts, e temo que a sua impressão a respeito dele seja correta.

Harry mordeu o lábio e estreitou os olhos para Snape. Este, sem conseguir se conter, deu um de seus sorrisos sádicos.

- E o menino puxou a ele, sem dúvida. É relapso e incontrolável. Exatamente por isso, o Diretor programou para ele aulas de reforço, durante as férias.

- Entendo. Eu, por mim, não me oponho, Professor Snape. Pode levá-lo. Pirralho, vá buscar as suas coisas.

~* ~* ~

Quando Harry chegou ao pé da escada com sua bagagem e a gaiola de Hedwig, Snape se levantou.

- Sr. Dursley, eu sei que é extremamente desagradável para o senhor, mas... não queremos chamar a atenção da vizinhança. Será que poderíamos utilizar a sua lareira para... o senhor sabe...

Tia Petúnia fez uma careta de nojo, e tio Vernon estremeceu.

- Que jeito? Vocês, da sua laia, parecem fazer questão de perturbar a nossa paz. É uma pena que o senhor seja... um deles, porque o senhor me parece bastante sensato.

~* ~* ~

Saíram da lareira do chalé um tanto zonzos.

- Seu... canalha seboso! O que foi aquilo de ficar fazendo a minha caveira para eles? E falando daquele jeito do meu pai! - Harry largou a gaiola de Hedwig no chão e partiu para cima de Snape aos socos.

Snape recuou e segurou os punhos de Harry.

- Não reclame, pirralho. Percebe o que conseguimos? Três dias inteirinhos aqui, e com autorização de Albus.

Harry olhou para ele com desconfiança.

- Como você conseguiu isso?

- Albus precisava de alguém para ensiná-lo a aparatar, e eu era o único qualificado. Tive de me sacrificar, mais uma vez.

Então Harry relaxou e abriu um sorriso radiante.

- Ueba! Quer dizer que a gente pode até sair, passear por aí, ir tomar um sorvete?

- Também não é assim. Eu sei que você adora sair na primeira página do Profeta Diário, mas eu ainda sou espião e você ainda é o principal alvo do bruxo das trevas mais poderoso do universo.

- Certas coisas nunca mudam...

 

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Ptyx, Outubro/2004