15 - Intenções

 

Eles haviam passado três dias maravilhosos. Os treinos haviam ido muito bem - Harry parecia ter um dom natural para aparatar. Vencido o medo inicial, ele progredira sem maiores percalços.

O único susto que haviam passado naquelas idílicas férias fora quando estavam tomando banho no mesmo riacho que passava pelo jardim do chalé, alguns quilômetros acima, e uma kelpie surgira no horizonte. Apavorado, Snape arrastara Harry para fora do rio e aparatara com ele imediatamente, levando-o para casa. Harry reclamara, dizendo que não era criança e podia muito bem cuidar de si mesmo e até aparatar sozinho, mas Snape fechara a cara: com kelpies não se brinca.

De resto, tudo fora perfeito: haviam cozinhado juntos, conversado longa e agradavelmente com Godric e Salazar, passeado pelos bosques verdes e aprazíveis, e experimentado todas as posições do Kama Sutra.

Tudo ia tão perfeito entre eles que, naquela noite, depois de fazerem amor mais uma vez, Harry comentou:

- Como é que você consegue ser um amante perfeito? Eu não entendo isso.

- Por quê, você duvidava das minhas qualidades de Deus Slytherin do Sexo?

Harry pôs a língua para ele. Depois ficou sério outra vez.

- Você... não está representando, está? Quer dizer, eu sei que você tem de ser um ator muito bom, para convencer Voldemort de que está do lado dele. Quando está comigo, você também está fingindo ser alguém que não é?

Snape franziu as sobrancelhas.

- Bem, Harry... É claro que sim! Não existe isso de "ser quem somos realmente" quando estamos com outras pessoas. Estamos sempre representando algum papel. Por exemplo, quando eu sou professor, eu também não sou "eu mesmo". Nem quando estou falando com o Diretor, ou transmitindo meus relatórios para a Ordem. Tudo são papéis.

- Não sei se entendo isso. É estranho, pensar que não podemos ser quem realmente somos. Eu não queria que você fingisse ser o que não é para mim, só para me deixar contente.

Snape suspirou profundamente, e não disse nada. Harry era muito jovem. Como iria entender? Como iria entender que, pela primeira vez, ele, Snape, estava tentando ser alguém melhor para alguém?

~* ~* ~

Na manhã seguinte, Snape acordou com Harry já se esfregando em seu corpo. Com um surpreendente ânimo para a hora, Harry acabou conduzindo todo o seu ato amoroso.

Depois permaneceram um longo tempo aconchegados nos braços um do outro.

- Você fica tão bonito quanto goza! - exclamou Harry.

Snape deu um sorriso irônico.

- De todos os clichês, esse é o mais absurdo.

Harry ergueu um pouco a cabeça, apoiando-a sobre a mão.

- Mas você já me disse isso uma vez.

Uma sobrancelha negra se ergueu.

- Mesmo? A gente diz cada coisa depois de uma boa transa!

A expressão de Harry revelava a um só tempo dor e revolta. Virou-se de costas para Snape, em um gesto brusco.

Snape ergueu a cabeça, e depositou a mão sobre o braço de Harry, que se estendia sobre a lateral do corpo do garoto.

- Harry?

Nenhuma resposta.

- Você não ficou zangado só porque... - Snape o sacudiu de leve. - Olhe para mim, Harry.

Nada.

- Isso não é justo. Lembra-se de que ontem mesmo você estava me dizendo que eu era um amante perfeito, e que você preferia que eu não fingisse ser o que não era, mesmo que, de repente, não fosse mais tão perfeito? Pois bem, agora você acaba de ouvir uma manifestação do meu verdadeiro repulsivo ser, e o que acontece? Você fica zangado.

Profundamente irritado - com Harry ou consigo mesmo? - Snape se levantou e foi para o banheiro. Antes de fechar a porta, ainda viu Harry voltado para a parede, imóvel.

~* ~* ~

Olhou-se no espelho. Severus, seu idiota. O que foi que você fez agora? E por que está tão desesperado com o que ele possa pensar de você? Desde quando ele se tornou assim tão importante? Ah. Já faz bastante tempo, confesse.

Abriu a torneira, apertou o botão do sabonete líquido, espalhou-o sabonete pelas mãos e colocou-as sob a água corrente. O anel... onde estava o anel?

Fechou a torneira às pressas, olhou de novo. O anel desaparecera. Suas mãos tremeram. O anel desaparecera! Harry não o amava mais.

Sem sequer enxugar as mãos, lançou-se na direção da porta.

Ao abri-la, quase trombou com o garoto, que o fitava em desespero.

- Severus... O anel...

- Me dê sua mão, Harry. Vamos juntar as mãos outra vez.

E quatro mãos trêmulas se juntaram duas a duas, palma a palma. Mais uma vez, a magia pareceu despertar, espalhando-se pelos seus corpos, fazendo-os vibrar. E os anéis ressurgiram.

Logo, Harry estava em seus braços, e ele escutava o bater acelerado de seus corações.

- Foi só um segundo, Severus - disse Harry contra seu peito, a voz abafada. - Foi só por um segundo.

- Tudo bem, Harry. Não importa.

- Importa, sim. Eu nunca vou me perdoar.

- Bobagem.

- Não. É... tão frágil. E durante esse tempo todo, você não deixou de me amar nem por um segundo.

- "Esse tempo todo" foram só duas semanas. Eu... pensei que os anéis seriam uma boa idéia, que iriam lhe dar mais confiança. - Snape afastou um pouco o rosto para encará-lo. - Você sabe que eu não sou a pessoa mais comunicativa do universo.

- Você está tremendo. Não quer voltar para a cama?

Snape se deixou conduzir. De repente, um cansaço de séculos parecia dominá-lo.

Deitaram-se frente a frente, Snape com a mão na cintura de Harry, e este apoiando a mão no tórax de Snape.

- Você me perdoa? - perguntou Harry.

- Não há o que perdoar. Você... não deve achar que a intenção é tudo.

- Como assim?

- O anel mostra apenas a intenção, mas não é só a intenção que importa. Por exemplo, eu não tive a intenção de magoá-lo, ainda há pouco. E, no entanto, eu o magoei.

- Deixe-me ver se entendo. O anel nunca desapareceu antes. Se você quisesse apenas me usar, ou me ferir, o anel desapareceria, não é?

- Exato.

- Então eu não deveria ter-me zangado com você. Não entendo o que está querendo dizer.

- Harry, é exatamente isso o que quero dizer. Eu posso magoá-lo sem ter intenção, e isso continua sendo errado. Eu não devia ter dito o que eu disse. Eu devia saber que você se magoaria. A ponto de, por um momento, você ter negado os votos. Não foi isso o que aconteceu?

Harry enterrou a cabeça no tórax de Snape.

- Desculpe. Por favor.

Snape o abraçou.

- Não deixe esse anel enganá-lo, não se deixe dominar por ele! Não é o anel que decide o que nós sentimos. Vai haver outros momentos em que nós vamos negar o que o anel simboliza, mas, se nós quisermos, podemos recomeçar. Quantas vezes quisermos.

Harry afastou o rosto novamente, enxugou uma lágrima e concordou com a cabeça.

Snape depositou a palma de sua mão, aberta, sobre o peito de Harry. Então, zombeteiro, segurou um dos mamilos do garoto entre os dedos e o beliscou. Harry gemeu e, de imediato, seu pênis mostrou sinais de vida.

- E se às vezes você se pergunta se eu sou um pervertido, porque faço sexo com você o tempo todo, como se eu tivesse dezesseis anos, eu só gostaria de lhe contar que, antes de conhecer você, a minha libido era quase zero.

- Como assim? Quer dizer que você nunca tinha vontade de fazer sexo?

- Exato. Como acha que consegui passar tantos anos sem um amante? Mesmo quando comecei a procurar Pier, foi mais para aliviar as tensões do que qualquer outra coisa. E uma vez por semana era mais do que suficiente.

- Mas por quê, então? - perguntou Harry, perplexo.

-Por que o quê? Por que eu sinto tesão por você?

- Er... É. Acho que é.

- Menino tolo. É o meu jeito de me comunicar com você. Só isso.

Mais uma lágrima brilhou nos olhos de Harry que, com um ar irritado, tentou se livrar dela com um pisco.

- Merlin, e você é bom nisso! Mas por que quer se... comunicar comigo? Por que se importa?

Snape deu de ombros.

- Será que eu sei? Se eu dissesse que você não é tão egoísta nem tão imbecil quanto eu pensava, se eu dissesse que você é... bonito... nada disso seria uma boa explicação. Talvez a melhor explicação que eu tenha seja que... você precisa de mim. Eu não sei por que você precisa especificamente de alguém tão errado para você. Não consigo entender isso. Mas já vi algumas poções em que isso ocorre: exatamente o ingrediente mais improvável é aquele que é imprescindível para que a poção funcione. Vai ver que você é uma dessas poções exóticas.

Harry sorriu.

- Certo: você gosta de mim porque eu sou uma poção exótica. E eu sei porque preciso de você: porque você é o único que... esteve lá.

- Lá?

- No inferno. Ou em qualquer outro lugar. Seja onde for, você sempre está lá, comigo.

- Bem, isso não é muito lisonjeiro. Parece que você me quer só porque eu sou o único disponível.

Harry franziu o cenho.

- Não, seu idiota. Porque você é o único que me entende!

- Ah. Isso é um pouco melhor.

Harry beliscou-lhe o traseiro.

- Você tem razão: nós somos péssimos com as palavras. Não quer tentar... er... aquela outra forma de comunicação?

Snape deu o seu clássico sorriso irônico e, sem perder tempo, capturou os lábios de Harry em mais um beijo extremamente expressivo.

 

Fim?

Mais uma vez, não. A história continua em Trovão de Inverno.

 

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Ptyx, Outubro/2004