4 - Os Fundadores

 

Naquela noite, Severus iria apresentar Harry a Godric e Salazar. Na semana anterior, quando haviam voyeurística e ocultamente observado Godric e Salazar em pleno ato de amor, Harry e Snape haviam se refugiado atrás das cortinas de sua cama e, ao final da noite, haviam Aparatado de lá até a sala de estar.

Mais tarde, Snape havia contado a eles que Harry agora era seu amante. Os dois haviam reagido mal, a princípio. Ambos conheciam Harry Potter, pois acompanhavam tudo o que acontecia em Hogwarts por meio de seus muitos retratos lá. (A bem da verdade, não havia muitos retratos de Salazar em Hogwarts, apenas três. Mas a figura elegante de Godric enfeitava muitas e muitas salas do castelo.)

Godric se orgulhava muito de Harry Potter, e o considerava legítimo herdeiro de sua tradição. O fato de eles serem professor e aluno não o chocava; temia, no entanto, que os preconceitos sociais em relação a esse tipo de relacionamento perturbassem ainda mais a vida já tão atribulada de Harry e Snape. Salazar, por sua vez, encarava Harry com desconfiança: achava-o ingênuo e arrogante demais para cumprir a pesada missão que lhe fora atribuída.

A reação negativa inicial só fora vencida quando Snape lembrara-lhes de sua própria situação, e traçara paralelos. Como eles, Snape e Potter simbolizavam a união dos princípios opostos. Como eles, teriam de enfrentar a tudo e a todos para ficarem juntos. Godric, romântico que era, logo se deixara levar pela conversa. Salazar ainda relutava. Então Snape lembrara a Salazar o prestígio que poderia advir para ele, Snape, e para a nobre Casa que dirigia, Slytherin, de uma união com o futuro mago mais poderoso do mundo. Já que não seria possível derrotá-lo, melhor unir-se a ele!

Não que esse argumento houvesse mesmo convencido Salazar, pensava Snape. No fundo, ele queria acreditar que o atual Chefe de sua Casa estava agindo corretamente. No fundo, queria que, enfim, fosse consagrada a união de um Gryffindor e um Slytherin.

Harry parecia inseguro durante todo o caminho pelo quintal e depois dentro do laboratório até o quadro. O próprio Snape também sentia uma certa preocupação. Estranho, aquilo, querer causar boa impressão a dois personagens de retrato. Mas era como se sentia.

À distância, viram Godric e Salazar erguerem-se das cadeiras onde estavam sentados para saudá-los.

Snape fez as apresentações:

- Godric, Salazar, este é Harry Potter. Harry, este é Gryffindor, e este é Slytherin.

- Olá, Harry - disse Godric. - Eu já o conheço, embora você nunca tenha falado comigo.

- Boa noite, Mr Potter - disse Salazar, formal.

- Olá, boa noite - respondeu Harry, contendo a vontade de rir diante da idéia de que, na verdade, ele já os vira antes, e em circunstâncias muito interessantes.

- Vocês podem se sentar - disse Snape aos Fundadores. - Puxem as cadeiras mais para a frente do quadro, se quiserem. Vou buscar cadeiras para Harry e para mim.

~* ~* ~

Snape havia-se servido de uma dose de Ogden's Old, servido uma Butterbeer para Harry e, com um gesto de sua varinha, fez com que o desenho de uma bandeja com uma garrafa de Ogden's Old e dois copos se estampasse no quadro, para que os Fundadores também pudessem beber.

A conversa, a princípio tímida, começou a rolar mais solta quando o álcool começou a fazer efeito.

Por mais fraca que fosse a Butterbeer, parecia ter em Harry um efeito mais forte que o Firewhisky nos demais - a ponto de levá-lo a perguntar:

- Como é ser um retrato? Vocês conseguem mesmo sentir as coisas?

Godric suspirou.

- Nós, na verdade, sempre fomos retratos. Temos em nós a memória das pessoas que representamos, mas, de qualquer modo, é a memória de um retrato. Por isso, não sei responder a sua pergunta. O que posso lhe dizer é que temos sentimentos, e não nos parecem muito diferentes dos seus.

- Vocês, pessoas, deveriam respeitar mais nossos sentimentos, e não nos desconsiderar tratando-nos como meros objetos - reclamou Salazar, em tom magoado.

- Sinto muito - disse Harry. - Nunca pensei nisso antes. Nem Hermione, que defende os direitos dos elfos domésticos, jamais pensou em defender os direitos dos retratos!

- Você, Severus - Salazar o encarou com firmeza -, deveria falar com Dumbledore sobre a forma como trata os retratos em Hogwarts. Principalmente aqueles que vivem no escritório dele. Ele os trata como lacaios.

Snape franziu o cenho, pensativo.

- Albus é meu chefe. Não sei o que eu poderia fazer.

- Você poderia, no mínimo, tentar melhorar a vida de Phineas - sugeriu Slytherin.

- Qual o problema com Phineas? - perguntou Harry.

- Desde que Black morreu, tornando a linhagem de Phineas extinta, ele está inconsolável. E Dumbledore não percebe o quanto ele sofre. Trata-o como se ele fosse um menino de recados.

- O que você quer que eu faça? Que o traga para cá? - perguntou Snape, não sei uma pontada de ironia.

Godric fez uma careta. Salazar olhou para o alto.

- Severus - disse Harry -, você podia pegar aquele retrato de Phineas que está em Grimmauld Place e levá-lo para as masmorras. Lá você poderia cuidar dele, e talvez ele encontrasse outros amigos para conversar.

- Albus usa Phineas como espião. Ele faz questão de manter aquele retrato dele em Grimmauld Place, e também o de seu escritório - explicou Snape.

Salazar sacudiu a cabeça.

- Esse Dumbledore é o maior manipulador que já passou por Hogwarts.

- Ora, Salazar, não diga isso - protestou Godric. - Você sabe que ele está em uma situação delicada e... Enfim. Tenho certeza de que eles vão pensar no caso de Phineas e, se puderem, irão ajudá-lo. Vamos mudar de assunto, sim?

Snape se levantou, encheu de novo seu copo e o de Harry e, com um golpe de varinha, fez a garrafa vazia do quadro se encher. Godric pegou a garrafa e encheu o seu copo e o de Salazar.

- Se vocês gostavam um do outro - ousou perguntar Harry -, por que se separaram? Por que Salazar teve de deixar Hogwarts?

- Ah, Harry... Foi a política que nos separou. Que isso sirva de lição a vocês: não deixem que uma desavença política prevaleça sobre o que sentem um pelo outro.

Salazar bufou.

- Godric fala como se nós tivéssemos tido escolha.

- E não tiveram? - perguntou Harry.

- Havia um antagonismo tão forte entre as Casas que era impossível trabalharmos juntos. Eu resolvi ir embora para que nossas guerras internas não destruíssem todo o trabalho que tivemos para criar a escola.

- Mas vocês dois não podiam ter continuado juntos?

- Eu tive de lutar para sobreviver em um mundo totalmente hostil, onde as perseguições aos magos aumentavam cada vez mais. E Godric virou uma espécie de Diretor de Hogwarts. O título não existia ainda, mas as tarefas que ele desempenhava eram exatamente as mesmas dos Diretores posteriores.

- Nunca mais tive tempo para pensar em mim mesmo - confessou Godric. - Mas nosso erro foi antes, no começo. Tínhamos de ter cultivado um espírito comum na escola, e não a dividido em quatro da forma como fizemos.

Snape, que se mantivera calado até então, interveio:

- Bem, Harry e eu já encontramos a escola dividida em Casas. Não vejo o que possamos fazer para superar isso.

- Vocês já estão fazendo, meninos - disse Godric. - Vocês dois são figuras muito importantes, e a união de vocês talvez seja a salvação de Hogwarts.

Snape viu que Harry voltava os olhos em sua direção, e que Godric e Salazar fitavam os dois com um brilho de esperança nos olhos.

 

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Ptyx, Agosto/2004