CAPÍTULO 1 - Por um Caminho Obscuro e Solitário

 

Contra os conselhos de todos, Harry decidira passar o último mês de suas férias em Grimmauld Place. Estava ainda muito abalado com a morte de Sirius e queria ficar sozinho. Tendo herdado a mansão, estava decidido a enfrentar os fantasmas e a tomar posse de seus domínios.

Kreacher não estava mais lá. Kingsley lançara um Feitiço do Esquecimento sobre ele e ele fora mandado para um asilo para elfos domésticos. Buckbeak fora enviado clandestinamente à Romênia, aos cuidados de Charlie. Harry dera permissão para que a Ordem continuasse a utilizar a casa como quartel-general, mas, com a morte de Sirius, a mansão permanecia quase sempre vazia.

Exceto pela ausência de Sirius, Kreacher e Buckbeak, nada mudara em Grimmauld Place. Os mesmos gastos degraus de pedra, as portas negras dilapidadas, a escuridão. Mais uma vez, Harry sentira o cheiro podre da mansão abandonada e ouvira o sibilar característico dos lampiões a gás lançando uma luz tremulante e pálida sobre os corredores sombrios. Percorrera a casa toda, quarto a quarto, tentando não fazer ruídos que pudessem despertar o retrato de Mrs Black. Passara o dia todo limpando e arrumando o local. Ao final do dia, exausto, preparara o jantar. Executara todas essas tarefas do jeito Muggle, porque ainda não tinha autorização para praticar magia durante as férias!

Depois de terminar de jantar, Harry subiu as escuras escadarias, passando pela fileira de cabeças encolhidas de elfos domésticos pregadas em quadros na parede. Chegando ao segundo andar, atravessou a lúgubre plataforma, girou o trinco em forma de cabeça de serpente e abriu a porta de seu quarto.

Levou muito tempo para adormecer, pensando no vazio que o rodeava, em como nada mais fazia sentido em sua vida. O mais terrível era pensar que enfim, agora que Sirius estava morto, ele percebia como o amava. Enquanto Sirius estava vivo, todas as preocupações que os cercavam haviam feito com que ele não percebesse a importância de Sirius em sua vida. O fato de Sirius ser um ponto de contato entre seu passado - ou, na verdade, o de seus pais - e seu presente. E tudo o que Sirius podia representar para ele - alguém que poderia lhe dar o que nunca tivera: uma família, um lar, alguém com quem pudesse contar, nos bons e maus momentos.

Enfim, adormeceu. Mas os pensamentos sombrios não o abandonaram. Metamorfoseando-se em sonhos, continuaram a persegui-lo.

Em seu sonho daquela noite, via Sirius diante de si, pálido, os longos cabelos agora sem viço. Ele era tão bonito... Harry estendeu a mão para tocar-lhe os cabelos, depois o rosto. Sirius sorriu. Então Harry tentou abraçá-lo, mas Sirius desapareceu por trás do véu. Em um gesto de desespero, Harry acabou, ele também, passando para o outro lado e caindo em um abismo vertiginoso.

Sentou-se na cama, todo suado. Era inútil tentar dormir de novo depois daquilo; já tivera várias experiências semelhantes. Eram 4 horas da madrugada. A garganta estava seca. Arrastou-se até a porta e desceu as escadas, pé-ante-pé. Por mais que se esforçasse por não fazer barulho, o assoalho rangia sob seus pés. Ainda na escada, avistou uma luz vindo da porta da cozinha. Não se lembrava de ter deixado nenhuma luz acesa. Voltou, então, ao quarto, para pegar sua varinha. Não iria ser pego desprevido.

Aproximou-se lentamente, varinha em riste, e espiou para dentro da cozinha. Severus Snape estava tranquilamente - até onde é possível usar essas duas palavras, "Snape" e "tranquilamente" em uma mesma frase - sentado à longa mesa de carvalho, tomando chá.

- Potter.

- O que está fazendo aqui? Quem lhe deu autorização?

- Sou membro da Ordem. Não preciso da sua autorização para vir aqui. Se não quer que a Ordem se reúna na sua preciosa mansão mal-assombrada...

- A reunião da Ordem é só às 6 horas. Faltam 2 horas ainda. Você só tem autorização para vir aqui nas reuniões. Não pode ficar entrando e saindo conforme lhe dá na telha.

- Isto aqui é o QG de uma organização secreta, sr. Potter. Não podemos escolher a hora em que precisamos vir para cá.

- Não quero saber. Dumbledore pode confiar em você, mas eu não confio. Você foi e sempre será um Death Eater. Você é o culpado da morte de Sirius Black. Eu nunca vou perdoar você por isso. Você é que deveria ter morrido, não ele!

A natural palidez de Snape acentuou-se a um nível mórbido. Uma veia pulsou em suas têmporas, e ele se levantou.

- Potter, o verdadeiro culpado da morte de seu padrinho, nós sabemos muito bem quem é.

Trêmulo, Harry segurou a varinha com toda a força de que era capaz. Snape sacou sua varinha e prosseguiu, em seu tom mais baixo e ameaçador:

- No entanto, você não tem coragem de assumir seus erros e reconhecer a verdade, prefere jogar a culpa em cima daqueles que não vivem a seus pés, bajulando-o. A verdade é que você é que é o culpado da morte de Black. Você é um covarde da pior espécie.

- Seu...

Harry não conseguia mais falar. O ódio que sentia de Snape o transfigurava. Harry estava fora de si.

- Crucio!

Snape ergueu a varinha como que para se defender, mas o golpe de Harry não teve nenhum efeito. Então um brilho de fúria se estampou nos olhos negros.

- Crucio!

Harry se contorceu, dobrando-se todo, e gemeu. A última coisa que viu, antes de cair, foi a expressão assustada de Snape e aquelas palavras, que não pareciam fazer mais nenhum sentido em sua cabeça:

- Finite Incantatem!

~*~*~

- Potter.

- Ahn.

- Levante-se. Vou lhe dar uma poção que vai ajudá-lo a se recuperar.

Snape o ajudou a levantar-se do chão, segurando-o por baixo dos braços e, sentando-se novamente na cadeira, sentou o garoto em seu colo. Retirou de dentro do manto um frasco e levou-o aos lábios de Harry, que os abriu mecanicamente.

Ainda no colo de Snape, Harry começou a recuperar a consciência.

- O que...

- Logo você vai ficar bem. Não se preocupe.

- Você...

- Não fale, não pense. Fique calmo. Já consegue se sentar sozinho?

Harry fez que sim com a cabeça, fitando o mago mais velho. Era tão estranho, estar no colo de Snape. Como isso fora acontecer? Agora se lembrava de toda a cena, mas nada parecia fazer sentido. Principalmente a expressão de preocupação no rosto de Snape.

Snape o ajudou a se sentar na cadeira que ficava a 90 graus daquela onde ele próprio estava sentado. Então lhe serviu uma xícara de chá.

- Tome.

- Não quero.

O professor abriu um armário e retirou um sapo de chocolate de uma cornucópia cheia de doces - Dumbledore fazia questão de manter um sortimento de doces na cozinha de Grimmauld Place.

- Tome o chá e coma o chocolate. Vai lhe fazer bem.

Meio a contragosto, mas resignado, Harry obedeceu. Um silêncio terrível se seguiu. Abatido pelo efeito do Cruciatus, Harry notava que Snape não tirava os olhos dele. Era como se o examinasse clinicamente segundo a segundo.

- Você tem razão, eu sou um idiota. Não consigo nem lançar um maldito Imperdoável.

Por um longo instante, Snape não disse nada. Então suspirou.

- Se quer aprender a lançar um Cruciatus de verdade, vai ter de fazer isso escondido de Dumbledore.

- E quem é que vai me ensinar? Moody? Lupin? Eles nunca trairiam a confiança de Dumbledore.

- Eu posso lhe ensinar.

- Você? Mas você me odeia tanto quanto eu o odeio.

- Esse ódio que você sente pode ser transformado em uma arma poderosa. Pode ser a ferramenta de que precisamos para você aprender os Imperdoáveis com a rapidez necessária.

- Que "rapidez necessária"?

- Até o início das aulas. Não acha que eu poderia lhe ensinar Imperdoáveis em Hogwarts, acha?

- Está falando sério? Por que você faria isso?

- Porque eu gostaria de ver a derrota do Dark Lord?

- Não confio em você.

- Potter, não seja *tão* idiota! Se eu quisesse matá-lo, acha que seria tão incompetente que não o tivesse conseguido nesses cinco anos? Cinco anos em que você tomou das poções que eu mesmo preparei? Se eu quisesse matá-lo, aquele Cruciatus de minutos atrás teria sido muito mais doloroso e prolongado...

Harry engoliu em seco. Lembrava-se de todo o ódio que sentia do professor, mas, naquele momento, não conseguia sentir nada além de uma forte tontura. Snape abriu novamente o armário e pegou outro sapo de chocolate.

- Coma outro chocolate, Potter. E por favor, não tente me lançar outro Imperdoável. Você não tem forças nem para tentar.

Harry engoliu o chocolate de uma só vez, e tomou o último gole de chá para ajudá-lo a descer garganta abaixo.

Ouviu Snape falar em um tom mais calmo, aveludado.

- Não há perigo. Não vou expor a riscos o Garoto Dourado de Dumbledore. Não vou duelar com você. Afinal, você é proibido de empregar magia durante as férias. Só vou ensiná-lo a concentrar o seu ódio. Conheço técnicas bastante eficientes.

- Quando e onde me daria aulas?

- Por que não aqui mesmo? Estou em férias, como você sabe. Tenho algumas encomendas de poções rotineiras a cumprir, mas tenho muito tempo livre. Posso vir aqui todas as tardes.

- Não gosto nada disso, mas não tenho outra alternativa. Vou lhe dar uma chance. Mas se aprontar alguma...

- Não está em condições de me ameaçar, não é, sr. Potter?

Harry mordeu o lábio, tentando se controlar.

 

 

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Ptyx, Janeiro/2004