Parte III

 

Harry foi um dos últimos a entrar na Sala da Diretoria, atrás de Sirius, McGonagall e os outros doze professores (ninguém se preocupara em chamar Binns). O professor Fence levava consigo o seu inseparável baú.

Quando Harry chegou lá em cima, embora já esperasse, ficou boquiaberto diante do que viu: um espelho gigantesco, trincado de cima a baixo na diagonal, dominava o fundo da sala, atrás da escrivaninha da Diretora.

A sala estava repleta, e os membros da Comissão pareciam atordoados. Não era de admirar. Se Severus havia cumprido o plano, eles haviam sido imobilizados, e Severus devia tê-los libertado do feitiço imobilizador assim que entrara. Nulligan parecia querer assenhorear-se da situação, mas a sala estava lotada e todos os que não pertenciam à Comissão tinham os olhos sobre Severus.

- A explicação para todos os fatos que vêm ocorrendo neste castelo é muito simples - disse Severus, postando-se a meio caminho entre a tapeçaria e o espelho. Sem que ele precisasse alterar seu tom de voz, todos fizeram silêncio. Até Nulligan se calou, franzindo o cenho para Severus. Severus com certeza não era o mais alto na sala (Sirius era mais alto, e dois dos Aurors também eram), mas, de alguma forma, Severus conseguira postar-se de modo a olhar de cima para todos. Com um gesto de varinha, Severus fez com que todas as janelas se abrissem, e um vento frio e intenso entrou, trazendo consigo o aroma e os ruídos de uma tempestade que se aproximava. - Nesta mesma sala, foi cometido um crime. Uma importante relíquia de nosso castelo foi roubada. Como todos vocês, a princípio eu não percebi os sinais que estavam diante de meus olhos. Mas agora vejo tudo com clareza: alguém dentro deste castelo está tentando nos mostrar quem é o culpado do roubo da espada de Gryffindor e onde a espada foi escondida.

- Será possível? - indagou Flitwick.

- Escutem o que tenho a dizer e saberão, como agora sei, como esse crime foi cometido - disse Severus. - Um nenúfar, um elmo, uma pluma, uma tapeçaria e, por fim, um espelho quebrado. Ora, senhoras e senhores, existe um poema muito famoso em que todos esses elementos estão presentes!

- A Dama de Shalott, de Alfred Tennyson! - exclamou Minerva, sacudindo a cabeça. - Como pude não ver as pistas?

- Exatamente, minha cara diretora. - Severus fez um gesto dramático de cabeça. - Eu vejo a cena como se estivesse acontecendo agora mesmo - disse ele, rodopiando e apontando a tapeçaria com a varinha. - "Salgueiros empalidecem, álamos tremem, / Ligeiras brisas sombreiam e estremecem / Sobre as ondas que correm sem cessar" - recitou ele, indicando o salgueiro na tapeçaria. - "Lá ela tece dia e noite / Uma teia mágica de cores vistosas."

- A tapeçaria! - exclamou Remus.

- Sim, o nosso criminoso estava tecendo o seu crime - replicou Severus. - "Movendo-se sobre um espelho cristalino / Pendurado diante dela o ano todo, / Sombras do mundo aparecem" - recitou Severus, com um brilho fanático nos olhos. - " Ela deixou a tela, deixou o tear, / Deu três passos pelo quarto" - Em três passos, Severus aproximou-se da janela do lado sul, que dava para o lago. Todos se viraram para ele e o acompanharam. - " Viu o nenúfar florescer, / Viu o elmo e a pluma, / E olhou para baixo..."

Severus se virou para sua platéia, apontando sua varinha para a tapeçaria outra vez. Nesse exato instante, Sirius ativou o feitiço de animação da tapeçaria. A figura de McGonagall descendo na direção do lago sobre uma tapeçaria mágica surgiu sobre a tapeçaria. Um murmúrio de espanto percorreu a sala.

- "A tela saiu voando, flutuando ao longe; / O espelho rachou de lado a lado; / 'A maldição caiu sobre mim', gritou / A Dama de Shalott" - declamou Severus, em tom trágico. Alguns na platéia tinham os olhos arregalados, outros estavam boquiabertos, outros franziam o cenho, não entendendo nada. - O nenúfar, a elmo, a pluma, o espelho. Não há possibilidade de dúvida, senhoras e senhores. "A tela saiu voando, flutuando ao longe". O nosso criminoso voou em sua tapeçaria mágica na direção do lago. Lá, ele depositou a espada de Gryffindor no bote.

Nesse momento, quando Severus parecia prestes a dizer o nome do criminoso, um estrondo se ouviu na sala e, a cerca de um metro e meio de onde Harry estava, as pessoas começaram a gritar e a tentar fugir, empurrando-o para trás.

- Calma, pessoal! - gritou McGonagall.

Aos poucos, como se entendendo que não havia motivo para pânico, as pessoas se acalmaram e não tentaram mais fugir. Ao contrário, começaram a se aproximar do centro da agitação. Harry aproximou-se e viu Trelawney e Fence caídos ao chão, com o baú de Fence aberto e um monte de objetos estranhos esparramados pelo chão: crânios, garrafas, velas, um tamanduá empalhado, uma cabeça de crocodilo...

- Sua desgraçada - exclamou Fence, levantando-se e lançando-se sobre Trelawney, que se levantara aos tropeções e parecia haver visto um fantasma, de tão branca que estava. Ele segurou-a pelos ombros e sacudiu-a. - Por que fez isso?

Os óculos tortos de Trelawney faziam com que um dos olhos parecesse muito maior do que o outro, de modo que ela parecia um ser incongruente, monstruoso.

- Quer dizer que... você mentiu sobre o baú? - balbuciou Trelawney, parecendo em pânico.

- Sua idiota. O que você queria, destruir Hogwarts, para que ninguém descobrisse o seu crime? Se você não fosse tão aluada, teria, quando eu lhe mostrei aquele catálogo, deduzido o que havia dentro do baú. - Fence se voltou para as demais pessoas na sala. - Ouvindo a exposição de Snape, inferi quem era a culpada do roubo da espada. Eu mesmo vendi aquela tapeçaria voadora para Sybill Trelawney.

~*~*~

Pressionada por todos - em especial Snape que, como Legilimente, parecia saber quando ela tentava mentir -, Trelawney confessou, relatando em detalhes como havia cometido o crime e levando todos ao local onde havia enterrado a caixa de vidro contendo a espada, ao pé de um álamo, do outro lado do lago.

Nulligan tentou tomar o controle de toda a operação, mas foi sistemática e completamente ignorado. Vendo que não conseguia se impor, Nulligan decidiu tomar providências para que pudesse sair logo dali: ativou o sistema de Flu e solicitou ao Ministério que enviasse um esquadrão para escolta de criminosos perigosos.

Quando Trelawney e Fence foram encaminhados a Azkaban, escoltados pelo esquadrão recém-chegado, Nulligan chamou Tadg Fortescue para uma conversa nos aposentos que estava ocupando em Hogwarts.

- Afinal, o que aconteceu aqui? - perguntou Nulligan. - Eu não entendi metade da história. Se você não me fizer um relato, não vou ser capaz de conversar com meus superiores.

- Sem problema, chefe. Eu lhe explico tudo. Puxa, chefe, sabe que eu pensei no poema do Tennyson assim que a pluma apareceu na Sala da Diretoria? Um nenúfar, um elmo, uma pluma...

- Então por que não me falou?

- Porque era óbvio demais - disse Tadg, olhando para o teto e suspirando.

- Você não leu no manual do Auror que a explicação mais óbvia é sempre a correta? - perguntou Nulligan, sentindo-se bastante hipócrita, já que nada daquilo que acontecera lhe parecera óbvio. - Mas vamos lá, conte-me a história toda, desde o início.

- Certo - disse Tadg. - Quem roubou a espada de Gryffindor foi aquela profetisa...

- Essa parte eu entendi - replicou Nulligan, irritado.

- Fence fazia contrabando de objetos mágicos, nas horas vagas. Foi ele que vendeu a Trelawney, alguns dias atrás, a tapeçaria voadora.

- A tapeçaria da Dama de Shalott? - perguntou Nulligan, interrompendo Fortescue.

- Isso. Trelawney contou que temia ser demitida pela Diretora McGonagall, que nunca escondera seu desprezo por suas previsões. Assim, a profetisa achava que era preciso "mostrar serviço". Ela já havia sido demitida alguns anos antes, por Umbridge, e não queria passar pela mesma experiência outra vez. Foi quando Fence lhe mostrou a tapeçaria que a idéia lhe ocorreu. Ela comprou a tapeçaria e começou a cuidar dos outros detalhes do plano. Na noite do crime, ela achou que os astros estavam favoráveis. Estava na festinha de Slughorn quando sentiu cheiro de repolho, e viu que vinha de um caldeirão de Polissuco. Ela encheu um fundo de garrafa vazia de vinho com a poção e a escondeu no bolso. Ela sempre usa roupas largas, e pelos comentários que ouvi, às vezes esconde suas garrafas de Sherry dentro delas.

- Além de maluca, é alcoólatra - resmungou Nulligan.

- Depois ela deu um esbarrão na Diretora e tirou-lhe um fio de cabelo - continuou Fortescue, concentrado em seu relato. - À noite, ela tomou a poção, foi até a Sala da Diretoria e roubou a espada. Com caixa e tudo, porque, na verdade, ela não estava interessada na espada e não queria perder tempo tentando desfazer o feitiço da fechadura da caixa. Ela levou a espada para seu quarto e usou a tapeçaria para descer da Torre de Adivinhação até perto do lago. Entrou no bote mágico, atravessou o lago e enterrou a caixa com a espada no meio das árvores. Então ela voltou, no mesmo bote, e tentou subir de volta à sua Torre com a tapeçaria. Só que ela perdeu o controle e acabou subindo muito. Foi parar na Torre de Astronomia. Mas ela conseguiu entrar na Torre, descer e depois subir novamente até sua própria Torre.

- Você esqueceu de mencionar que a professora Wyrd viu Trelawney - observou Nulligan.

- Ah, é verdade. Ainda na Torre de Astronomia, a professora Wyrd, que andava por ali, avistou Trelawney. O efeito da poção Polissuco ainda não havia passado, portanto foi o corpo de McGonagall que Wyrd avistou. Depois de pensar sobre o que acontecera, no dia seguinte, Wyrd concluiu que a pessoa que havia visto era a professora Sinistra, já que estava na Torre de Astronomia.

- Em suma: Trelawney roubou a espada para cumprir a sua própria profecia e não ser demitida. A espada, em si, não importava nada para ela. Ela só precisava escondê-la. Quando ela achou que Snape estava a ponto de revelá-la como culpada, ela lançou um Feitiço Destravador sobre o baú e se jogou sobre Fence, para que o baú caísse ao chão e abrisse. Ela tentou virar a mesa... e acabou entornando o caldo para seu próprio lado.

- Sabe, chefe, eu acho que a explicação é mais complexa. Acredito que ela tenha um sério problema com a bebida e que esteja ficando paranóica. Sendo filho de um alcoólatra, eu reconheço os sintomas - declarou Tadg. - Ela achou que a Diretora não a tinha em grande consideração...

- O que parece ser verdade. Pelo que ouvi dizer, a Diretora sempre a considerou uma charlatã. Não acho que fosse paranóia da profetisa, achar que seria demitida, caso não mostrasse serviço.

- Certo, mas veja bem, uma pessoa normal tem esse tipo de suspeita e temores, mas...

- Não rouba uma espada para provar a sua própria profecia, nem pensa em destruir tudo ao seu redor para não ser apanhada - concluiu Nulligan.

- Exato. Mas não é só isso. Eu acho que ela sofria realmente de um complexo de Dama de Shalott...

- Que diabo de complexo é esse, Tadg?

- Oh, a mulher Vitoriana, isolada na torre, afastada do mundo real, vivendo num mundo de sonhos - disse Tadg. - De certa forma, creio que ela achou que era seu destino cumprir a profecia, entende?

- Ah! Por Merlin. De fato, ela cumpriu a profecia.

- Sim. Podemos acusá-la de ladra, mas não podemos acusá-la de ser uma fraude.

- Tadg, casos como esse não fazem bem à minha saúde. Vamos embora daqui. Depois você me explica o que era aquilo do nenúfar, do elmo, da pluma e sabe lá o que mais.

~*~*~

O sol já estava nascendo quando tudo se acalmou e Minerva chamou Harry, Remus, Severus e Sirius a seu escritório - do qual tomara posse novamente.

Minerva materializou cadeiras para todos.

- Sentem-se cavalheiros. Parece que quase todos os mistérios foram esclarecidos.

- O que falta ainda esclarecer? - perguntou Harry.

- Oh, pequenos detalhes. Como, por exemplo, quem contou ao Ministério a respeito do roubo.

- Diretora... - disse o retrato de um homem corpulento e com nariz vermelho, soando indeciso e atemorizado.

- Sr. Fortescue? - disse Minerva.

- Tadg Fortescue é meu bisneto. Ele tem um retrato meu em sua sala, e nós costumamos conversar. Na manhã após o roubo, quando a senhora saiu para uma reunião com os professores, nós retratos ficamos comentando a respeito do caso, e Skocpol tomou coragem e nos contou o que havia visto. Então eu fui visitar Tadg e comentei com ele sobre o roubo da espada de Gryffindor... Não percebi a dimensão do que estava fazendo. Tadg tem umas idéias estranhas, por isso às vezes eu me esqueço que ele também é bastante esperto. Ele usou a informação que passei a ele para conseguir ser nomeado para a Comissão de Investigação, quando não passa de um novato no Ministério.

- Ah! - exclamou Remus. - Então está tudo explicado.

Minerva fuzilou o retrato de Fortescue com os olhos. Daquele momento em diante, teria mais cuidado com ele.

- Desculpe, Diretora. Eu vou ser mais cuidadoso, de agora em diante - prometeu Fortescue.

- No fundo, eu fico aliviada em saber que foi isso o que aconteceu. Temia que houvesse sido algum de meus comandados, descontente com minhas orientações. Talvez eu esteja ficando paranóica, também, mas a gente nunca sabe, não é? Fence era contrabandista, e Sybill fez tudo o que fez só porque imaginava que eu a fosse demitir...

- A senhora não ia demitir Trelawney? - perguntou Harry.

- Provavelmente tentaria convencê-la a internar-se, mais cedo ou mais tarde. Alcoolismo é um problema muito sério, e não é aceitável numa professora - declarou Minerva. - Acho mesmo que ela não teria feito o que fez se não fosse essa doença. Pretendo depor a favor dela e pedir ao Wizengamot que ela seja internada em São Mungo, em vez de levada para Azkaban.

- Eu não sei se compro essa idéia, de que o alcoolismo explica o que ela fez - disse Sirius. - Para começar, para roubar a espada do jeito que ela roubou, ela precisava estar sóbria. Francamente, o plano dela foi bastante inteligente, ainda que um tanto fantasioso.

- Nunca vou me esquecer da expressão dela antes de sair, escoltada por aqueles brutamontes - disse Severus. - Ela tentou destruir tudo, abrindo o baú. Ela enlouqueceu mesmo.

- Vocês não se lembram daquela parte final do poema de Tennyson? "Como audaz vidente em transe, / Contemplando seu próprio infortúnio / Com um semblante opaco". Devíamos ter desconfiado. Você desconfiava dela? - perguntou Sirius a Minerva.

- Não. Devo dizer que as minhas suspeitas se inclinavam para pessoas muito mais amigas e valorosas - respondeu Minerva. - Foram terríveis suspeitas! Eu sabia que Severus tinha em mãos aquela tal de ptyx, e Harry tinha a sua Capa de Invisibilidade. As deduções eram óbvias.

- Eu e Harry éramos os suspeitos mais prováveis - disse Severus.

- Pois é. Eu suei frio, sabe? Meu cérebro e meu coração estavam em conflito! - exclamou Minerva. - Durante o discurso de Severus aqui nesta mesma sala, as minhas dúvidas começaram a se dissipar, e comecei a entender o que vocês estavam fazendo. Quer dizer, eu não sabia que Remus e Sirius também estavam envolvidos. Devia ter imaginado!

- Espero que nos desculpe - disse Remus.

- Oh, eu já desculpei. Vocês foram magníficos. Vocês deixaram Sybill apavorada, e ela acabou se traindo. Só um pequeno problema... Eu gostaria que minha Sala voltasse a ser como era antes... - disse ela, apontando para a tapeçaria, o elmo, a pluma... - e que a tapeçaria de Barnabás, o Amalucado, fosse reconstituída e voltasse ao seu local original.

Os quatro bruxos se entreolharam com um ar culpado e preocupado. Minerva entendia a preocupação deles: não só Feitiços Adesivos e Paralisadores Permanentes são terrivelmente difíceis de serem desfeitos como reconstituir aquela tapeçaria ridícula provavelmente seria uma tarefa bastante ingrata.

- Minerva, se me permite a sugestão, eu acho que primeiro você deveria servir-lhes um chá - observou o retrato de Albus, com olhos cintilantes. - Um chá com docinhos.

- Um ótimo conselho, Albus!

Minerva sorriu consigo mesma, feliz por ter seu mundo de volta.

 

~Fim~



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Ptyx, Março / 2007