Depois de um Longo Inverno

 

Snape mudara. Por alguma razão, Harry parecia não conseguir parar de olhar para ele.

Surpreendera-se com o convite de McGonagall para a festa de despedida de Snape. O Mestre em Poções estava se aposentando, aos sessenta anos - bastante jovem, considerando-se a vida média de um mago.

Harry, experiente Auror, não via Snape há mais de quinze anos, e agora se via fascinado pelo que via. Snape se tornara mais calmo, e as rugas em seu rosto e as mechas grisalhas entremeadas aos cabelos já não tão negros nem tão sebosos acrescentavam-lhe um ar de sabedoria e respeitabilidade.

Louco para observá-lo melhor, Harry se livrou de um bando de Weasleys a pretexto de ir buscar mais champanhe. Daquele novo ângulo, ele conseguia ver o traje de gala de Snape: preto, de gola alta, enfatizando as linhas elegantes de seu corpo.

De repente Harry se deu conta de que Snape notara seu interesse. Snape pediu licença a seu interlocutor, um jovem bastante atraente, e veio em sua direção, segurando uma taça de champanhe pela metade.

- Sr. Potter, posso lhe perguntar o que há de tão fascinante na minha figura?

Harry ficou furioso consigo mesmo por sentir-se corar.

- Er...

Snape abriu aquele sorriso irônico que sempre o caracterizara.

- Eloqüente e articulado como sempre?

- Oh, Merlin. Parece que eu tenho onze anos, não é? Você sempre faz isso comigo.

- Mesmo? E por que será?

- Quando eu era pequeno, era porque eu tinha medo de você.

- Medo? Não creio. Você sempre me odiou.

- Oh, sim. Isso também. Mas você também me odiava, então...

Snape arqueou uma sobrancelha.

- Nossos sentimentos eram recíprocos.

- Exato.

De perto, Snape era ainda mais fascinante, e Harry estava como que hipnotizado pela sua mera presença.

- Ainda não respondeu à pergunta que lhe fiz - insistiu Snape.

- O que há de fascinante na sua figura? Bem... o fato de que você existe?

Snape franziu o cenho.

- Certa vez seu pai me disse essa mesma frase, mas em um contexto... digamos... oposto.

- Eu me lembro. Quer dizer, eu vi, na penseira. - Harry corou outra vez. - Desculpe.

- Por que está se desculpando? Pelo seu pai, ou por ter desrespeitado minha privacidade?

- Os dois, eu acho. E tudo o mais. Eu fui um idiota. Sempre culpando-o por tudo o que acontecia, quando você só estava tentando me ajudar.

Snape fitou-o intensamente.

- Você já se desculpou, quando depôs a meu favor no julgamento. Se não fosse o seu depoimento, eu teria sido considerado culpado pela morte de Dumbledore.

- Mas nunca havíamos conversado pessoalmente.

- Você tem levado uma vida... agitada.

- Oh. - Harry sentiu seu rosto ficar mais quente do que nunca. - Você lê o Profeta Diário? Quase tudo que eles dizem é mentira. Sabe como é, quando eu não sou notícia, eles inventam. Acho que, finalmente, desistiram de querer me casar. Pelo menos isso.

- Por que nunca se casou? - perguntou Snape, seu olhar como que perfurando Harry, de tão intenso.

- Er... Acho que, quando Ginny morreu, na guerra, eu perdi o interesse em relacionamentos duradouros.

- Ah. Então o Profeta Diário não mentiu a respeito dos seus inúmeros casos.

- Oh, eu tive uma fase de rápida reciclagem de namoradas e, bem, namorados, você sabe. Mas isso passou. Estou sozinho há mais de cinco anos.

- Não vá se acostumar. Você corre o risco de virar um misantropo como eu.

Harry sorriu.

- Você parece mais sociável agora.

Snape olhou para a taça que estava segurando com desconfiança.

- Deve ser efeito da champanhe.

- O que pretende fazer, agora que se aposentou?

- Oh, freqüentar os bares gays, desfilar com um boá de plumas e sair nas páginas do Profeta Diário.

Harry caiu na gargalhada, e Snape riu também.

- Na verdade - disse Snape, em tom mais grave -, eu só quero descansar e poder me dedicar a pesquisas.

- Em Poções.

- Sim. Poções.

- Pensei que você gostasse mais das Artes das Trevas.

- Gosto de estudá-las também. Mas para alguém solitário como eu, Poções é um campo mais adequado.

- Você me ensinou muito, sabe?

- Eu? Você deve ter exagerado na champanhe também.

- Não, é verdade. Depois que me formei e iniciei o curso para Auror foi que me dei conta do quanto havia aprendido com você, tanto em Defesa Contra as Artes das Trevas como em Poções. Muito do que você me ensinou foi indiretamente; eu nem percebia que estava aprendendo.

- Isso me surpreende muito. Você é um Auror de muito prestígio, e sou forçado a reconhecer que nem todo esse prestígio decorre da fama de que você desfruta imerecidamente desde a infância apenas por ter sobrevivido ao primeiro ataque de Voldemort.

- Se isso foi um elogio, obrigado.

Snape sorriu, desta vez apenas com um leve traço de sarcasmo em sua expressão. O silêncio se prolongou, e Harry temeu que Snape fosse se afastar.

- Há algo que você nunca aprendeu, por mais que eu tentasse lhe ensinar - observou Snape.

- O quê?

- Oclumência.

- Oh.

Maldição. Snape estava lendo seus pensamentos.

- A resposta à pergunta que você não me fez é uma outra pergunta: gostaria de tomar um chá comigo amanhã de manhã no Salão de Chá do parque Hollyhock? Amanhã é sábado... Nove horas é muito cedo para você?

Harry sorriu, radiante. Eu vou ter um encontro com Snape, pensou, sabendo que Snape leria seus pensamentos.

- Estarei lá!

 

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Ptyx, Janeiro/ 2006