Nhandu

 

Parte I - Harrymaquia

 

Capítulo I

 

Harry abriu os olhos. Tudo estava escuro. Onde estava? Em seu armário, nos Dursleys? Não, isso havia sido muitos anos atrás. Qual era a última coisa de que conseguia se lembrar?

Lembrou-se do casamento de Bill e Fleur; todos os amigos reunidos, se divertindo... Lembrou-se também que havia decidido ir sozinho a Godric's Hollow; não queria que Ron e Hermione corressem riscos desnecessariamente.

Sim, ele havia ido a Godric's Hollow; lembrava-se agora. Quando chegara no chalé em que seus pais haviam morado, fora atacado... Não conseguira ver seus agressores.

Agora estava dentro de uma espécie de baú, amarrado e amordaçado. Não era a mais agradável das situações. Talvez devesse fingir que estava de volta ao seu armário nos Dursleys; não era muito diferente, e ele estava acostumado à sensação. Talvez devesse tentar dormir.

Mas de repente ele escutou ruídos, e o baú se abriu.

Harry viu-se frente a frente com uma das pessoas a quem mais odiava no mundo.

Severus Snape.

Os mesmos cabelos oleosos e nariz aquilino. Os mesmos olhos negros profundos como túneis.

Snape o levitou para fora do baú e depositou-o sobre uma poltrona. Harry se debateu, tentando se livrar das cordas e da mordaça.

- Calma, Potter. Essas cordas são como Visgo do Diabo: quando mais você se debate, mais elas apertam.

Harry olhou ao redor. Estavam em um amplo quarto de dormir em um estilo que não conseguia identificar. Havia uma cama, um guarda-roupa, uma penteadeira, tudo em uma madeira escura sólida, e aquela confortável poltrona de couro onde Snape o havia "pousado". Havia uma janela, mas as cortinas estavam fechadas. A luz vinha de algumas lamparinas fixas às paredes.

Snape se aproximou, bloqueando-lhe a visão.

- Se prometer se comportar, eu tiro a mordaça. Assim poderemos conversar, como duas pessoas civilizadas. - A voz de Snape transbordava sarcasmo. - Vai se comportar bem?

Harry quase explodiu de raiva, mas acabou assentindo com a cabeça.

Snape tirou-lhe a mordaça com as próprias mãos, o que Harry achou estranho. Esperava vê-lo usar a varinha, mantendo-se à distância. Mas Snape nem sequer estava segurando uma varinha.

- Seu desgraçado, filho da...

- Tsc, tsc, sr. Potter. Se essa é a sua idéia de bom comportamento, vou ter de colocar a mordaça novamente.

Harry queria socá-lo, mas suas mãos estavam muito bem presas junto ao corpo.

- Não sei como Dumbledore pôde ser tão cego a ponto de acreditar em você. Você...

Snape segurou-lhe a cabeça e recolocou-lhe a mordaça na boca.

- Já que você insiste em dar um espetáculo de má educação, não me resta alternativa. Tenho más notícias para o senhor. Terá de ficar aqui por um longo tempo. É bom que aprenda logo a se comportar.

Dizendo isso, Snape deu um de seus característicos giros, fazendo as vestes rodopiarem ao seu redor, e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

Harry disse a si próprio que não iria entrar em pânico; não iria dar esse gostinho ao morcego seboso. Precisava raciocinar. Por que estava ali? Ora, com certeza os Comensais o haviam raptado a mando de Voldemort. Mas por que então Voldemort não aparecera ainda, e Snape dissera que ele teria de ficar ali um longo tempo? Quanto exatamente era um longo tempo? Uma hora? Um dia? Um mês?

Oh, Deus.

As cordas o apertavam cada vez mais, porque ele não conseguia ficar sem se mexer.

~*~*~

Snape voltou alguns minutos depois, levitando consigo uma bandeja. Assim que entrou no quarto, transfigurou a penteadeira em uma mesa, e fez a bandeja pousar sobre ela. Depois transfigurou um banquinho em uma cadeira e brandiu a varinha na direção de Harry:

- Evanesco!

As cordas e a mordaça desapareceram, e Harry se viu livre. Estava cansado e atônito demais para gritar ou atacar Snape.

- Eu lhe trouxe o chá da tarde - disse Snape, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

Harry viu um bule de chá, torradas, pãezinhos, um pote com uma pasta verde e outro com geléia e bolinhos amarelos sobre a bandeja.

- Não estou com fome. Quero saber por que me trouxeram para cá.

- Não posso lhe dar essa informação. Se eu fosse você, comeria. O jantar será servido bem mais tarde, daqui a cerca de três horas. Depois que se alimentar, se quiser tomar um banho, aquela porta ali atrás é de um banheiro. Pode usá-lo à vontade. Lá dentro há toalhas e sabonete. Se precisar de mais alguma coisa, me chame e eu verei se tenho condições de lhe fornecer ou não.

E sem dizer mais, Snape se retirou do quarto outra vez.

Harry percorreu o quarto rapidamente, procurando alguma saída. Tentou forçar a porta, inutilmente. Tentou fazer magia sem a varinha, gritando Alohomora e todos os feitiços que conhecia, e nada. Correu até à janela. Puxou as cortinas e, com certo alívio, viu que conseguia olhar para fora.

Pelas barbas de Merlin. Eles estavam em local completamente desconhecido, em uma espécie de sítio no meio de uma floresta. A casa onde estavam era grande, de paredes brancas. Ele estava no segundo andar. As árvores eram de um verde muito vivo, e pareciam tropicais, pelo que ele vira em revistas e na TV. Muitas delas estavam floridas, em várias cores: lilás, branco, vermelho, amarelo. O sol era intenso, e estava quase se pondo, tingindo as nuvens do horizonte de cor-de-rosa e laranja. A terra possuía tons avermelhados.

A janela, no entanto, era gradeada, o que o fazia lembrar de seu antigo quarto nos Dursleys.

Não havia mais nenhuma saída no quarto. No banheiro, todo em azulejos e mármore verdes, só havia uma janela basculante minúscula.

Harry usou o banheiro, depois lavou as mãos e o rosto e olhou-se no espelho sobre a pia. Um espelho Muggle normal. Seu rosto estava abatido e pálido. Não era de admirar. Desanimado, voltou ao quarto. O estômago roncou, e ele não tinha mais nada a fazer: serviu-se de uma xícara de chá e pegou uma torrada.

Cheirou a pasta verde antes de passar na torrada e dar uma mordida. Uma delícia.

~*~*~

Depois de comer, Harry abriu o guarda-roupa e viu que havia algumas vestes e camisolas penduradas. Nas gavetas, meias e cuecas de vários tipos. Tudo do tamanho dele e aparentemente novo.

Harry pegou vestes vermelho-escuras e uma cueca samba-canção preta e foi tomar banho. Fechou a porta do banheiro com cuidado; gostaria de poder trancá-la, porque não confiava no morcego seboso, mas não havia nenhum tipo de trinco. De qualquer forma, Snape possuía uma varinha, e Harry não; se ele quisesse fazer alguma coisa, tudo o que Harry poderia fazer era dar-lhe uns chutes e mordidas. E ele daria, com certeza.

Harry preparou um banho morno, encheu a banheira com um sabonete líquido que cheirava a canela e entrou.

Tentou relaxar, mas não conseguia. O fato de estar sendo bem tratado não queria dizer que iria ser preservado, queria? Afinal, Voldemort queria matá-lo.

O único jeito era pegar Snape desprevenido e roubar-lhe a varinha. Precisava pensar em um plano, e rápido. Não tinha a menor idéia do que iriam fazer com ele, e quando.

A primeira idéia seria ficar esperando atrás da porta com algo pesado e bater na cabeça de Snape quando ele entrasse.

Harry saiu da banheira, secou-se, vestiu-se e esvaziou uma gaveta pequena. A madeira era bastante sólida. Uma pancada na cabeça de Snape com aquela gaveta certamente o mandaria para junto das estrelas.

~*~*~

Harry estava esperando atrás da porta já há uns vinte minutos quando ela se abriu. Harry posicionou-se e blam!

No instante em que atingiu a cabeça de Snape, a gaveta se pulverizou completamente. O pó se espalhou para todos os lados, inclusive sobre os pratos da bandeja que Snape trazia na mão.

A expressão de fúria que se estampou no rosto de Snape fez Harry empalidecer de imediato. Snape ainda demonstrou suficiente controle para largar a bandeja sobre a mesa antes de lançar uma corda ao redor de Harry para imobilizá-lo e jogá-lo sobre a cama, assomando diante dele com os punhos cerrados.

- Seu pirralho estúpido. Acha que eu iria confiar em você? Cresça e apareça!

É agora que ele vai me azarar ou me matar, pensou Harry. Vou tentar distraí-lo.

- Como foi que você fez isso? - Harry estava realmente curioso. Afinal, por mais cabeça dura que Snape fosse, pulverizar uma gaveta de madeira sólida daquela maneira não era normal.

- Está muito enganado se me toma por um desses vilões de segunda categoria, que contam vantagem e revelam todos os planos e defesas ao mocinho...

- Ha - Harry não conseguiu conter o escárnio. - Tipo Voldemort, você quer dizer?

- Não pronuncie esse nome.

- Sei. Está bem. Não quer contar, não conte.

- Não vou lhe contar mesmo. Acabo de ter a prova de que você não é confiável, de modo algum.

Com certo alívio, Harry viu Snape descerrar o punho e afastar-se na direção da mesa.

- Grande parte do seu jantar ficou imprestável. Não pense que vou trazer outro.

- Não quero mesmo comer. Vou fazer greve de fome até que me liberte.

Harry teve certeza de que dissera as palavras erradas quando Snape se voltou e avançou novamente para ele, estreitando os olhos em fúria.

- Muito inteligente. - Snape o agarrou pelos ombros e apertou-os com força. - É assim que pensa em derrotar o Lord das Trevas? Tornando-se mais fraco, para que ele possa acabar com você mais facilmente?

Harry teve vontade de bater nele, ou de chorar, porque ele tinha toda razão.

- Afinal, Snape, do lado de quem você está?

- Você não acreditaria se eu dissesse.

- Só há duas possibilidades. Se você não está do lado de Voldemort, então é porque você tem uma agenda própria. Pior do que a dele, com certeza.

Os lábios de seu ex-professor se curvaram em um esgar sarcástico.

- Você não faz idéia, pirralho.

Snape se retirou, levando consigo a bandeja e deixando Harry todo amarrado na cama.

Harry pensou em ficar berrando até perder a voz, mas não iria se humilhar. Melhor se acalmar e ficar ali. Estava todo amarrado, mas podia tentar dormir. Afinal, estava muito, muito cansado.

 

 

Próxima
Nhandu (Índice)
Fanfiction (Índice)
HOME

Reviews

Ptyx, Outubro/ 2005