O Caminho Sagrado

 

1 - Povo Sagrado

 

- Professor, já passei todas as instruções a eles. Agora preciso ajudar meus pais na preparação do Castelo.

- Obrigado, Kai. Pode ir.

Snape ainda se lembrava muito bem dos primeiros dias de Kai em Hogwarts. Na segunda aula de Poções, quando Kai vira que iria precisar abrir um sapo e retirar-lhe o cérebro para colocar na Poção Restauradora que Snape estava ensinando, ele entrara em pânico. Sua colega de Casa, Azpilcueta, com quem ele dividia o caldeirão, chamara o professor. Snape se aproximara do menino Navajo que, pálido, se agarrava com força à carteira, como que para não desfalecer.

- Sr. Clauschee? Algum problema?

- Nã-não, professor.

- Está se sentindo bem? Não quer ir falar com Madame Pomfrey?

- Não, professor, eu já estou bem.

Snape fitara-o com seu olhar mais perscrutante, e falara baixinho, para que só Kai e Azpilcueta o escutassem:

- Você tem enjôo quando tenta cortar o sapo?

- Não, professor. É que... o sapo, em nossa cultura, é um ser sagrado. Faz parte do Povo Sagrado.

- Ah, entendo.

- Meu pai me explicou que tudo ia ser diferente aqui, que eu ia ter de fazer coisas assim, mas... não agüentei. Desculpe, professor. Vou fazer tudo o que o senhor mandou.

Snape estreitara os olhos, e olhara para Azpilcueta.

- Srta. Azpilcueta, hoje a senhorita irá cortar os ingredientes, e o sr. Clauschee irá mexer o caldeirão. Sempre que o sr. Clauschee se sentir desconfortável com uma tarefa, vocês devem dividir as tarefas de modo que o sr. Clauschee não tenha de fazer nada que seja considerado anti-ético por sua cultura.

Angela Azpilcueta assentira com a cabeça.

- Mas professor, eu quero aprender a fazer como vocês fazem - insistira Kai.

- Quando sentir que está preparado, sr. Clauschee. Não é preciso ter pressa.

- Obrigado, professor.


Era impressionante e assustador ver como o menino se adaptara ao Mundo Mágico. Agora, a menos de três meses do final do seu segundo ano, Kai era o seu melhor aluno dos primeiros anos, e revelava muito mais aptidão do que os seus melhores alunos de todos os tempos. E não era só isso: Kai era apaixonado pela matéria.

Kai lhe dissera que, quando terminasse Hogwarts, queria ser seu aprendiz. Snape lhe perguntara se, para isso, ele não teria de renunciar ao povo Navajo. Kai se entristecera, e dissera que era verdade. Que seu pai lhe dissera que queria vê-lo formado em Hogwarts, mas que aí Kai teria de optar, entre viver no Mundo Mágico e ser um hataali entre o Povo Navajo, como seu pai. Snape dissera a Kai que não se preocupasse com aquilo agora, que cinco anos eram um longo tempo.

A família Clauschee morava em um hogan que haviam construído no terreno de Hogwarts, não muito longe da cabana de Hagrid. Os pais de Clauschee - embora de fácil convívio e adaptação, como todo o povo
Navajo -, haviam decidido manter ao máximo seus costumes e não dormir em um local onde os espíritos maus, ou chindi, vagueavam livremente.

Em apenas alguns meses, os Navajos haviam conquistado Hogwarts. No dia seguinte, Hogwarts iria celebrar uma cerimônia especialmente preparada para o local pela família Clauschee - a cerimônia do "Caminho Sagrado" adaptada a Hogwarts, e a ser celebrada em apenas duas noites.

Todo o castelo estava envolvido nas preparações para a cerimônia. Nas masmorras, Snape supervisionava o preparo das poções que seriam consumidas. Todos os seus alunos do sétimo ano se revezavam em turnos. Naquele exato instante, Hermione Granger, Ron Weasley e Harry Potter cuidavam de um caldeirão de Poção Mandala.

Embora ainda tratasse de manter as aparências de fidelidade aos Comensais da Morte - na esperança de que Lucius o contactasse e ele pudesse ajudar a colocá-lo em Azkaban -, Snape há muito deixara de fingir perto de Granger e Weasley. Depois que Snape auxiliara na cura da sra. Weasley com a Poção Mandala, Ron Weasley mudara totalmente seu comportamento em relação a ele, e se tornara seu maior defensor. Era engraçado, às vezes, vê-lo tomar o partido de Snape quando havia alguma discussão entre Snape e Harry. Às vezes Snape se perguntava até que ponto Weasley e Granger não desconfiavam de seu relacionamento com Harry - por mais que Harry insistisse que não havia lhes contado nada. Não que Snape não acreditasse em Harry. É que sabia como Harry podia ser descuidado quando confiava em alguém. Sabia também que Hermione Granger era uma pessoa altamente inteligente e observadora.

- Professor - disse Ron Weasley, acordando-o de seus devaneios -, a poção do caldeirão maior está pronta.

- Deixem-na esfriar. Seu turno acabou, não é? Onde estão Malfoy e seus asseclas?

Weasley sorriu. Snape percebeu que se referira a membros de sua própria casa de maneira depreciativa diante dos Gryffindor, e praguejou intimamente.

- Menos cinco pontos para Gryffindor, sr. Weasley, por me escutar pensar em voz alta.

- O quê? - Weasley fez-lhe uma careta. - Você não muda mesmo, não é?

Nesse instante, Draco, Goyle e Pansy Parkinson entraram na sala, e Snape, lançando um olhar fulminante a Harry, que lhe mostrava a língua de longe, liberou os Gryffindors.

Snape transmitiu as instruções ao grupo de Slytherin e pegou uma pilha de dissertações a corrigir. Aquele não parecia ser um dia propício à correção de dissertações, porém. E por acaso algum dia é propício para corrigir dissertações, resmungou ele com seus inúmeros botões. O fato é que não conseguia se concentrar. Logo, viu-se observando o único herdeiro dos Malfoys.

Draco mudara. Estava cada vez mais bonito e, sem a pressão do pai, começava a desenvolver as suas vocações naturais. Draco era um líder nato, e não seria de surpreender se acabasse no Ministério. Snape se sentia mais tranqüilo em relação a ele. Sem Lucius por perto, ele seguiria seu próprio caminho. Talvez virasse um líder pregando as idéias segregacionistas típicas dos Comensais da Morte, mas não sairia matando Muggles por aí. Draco era covarde demais para isso.

Oh, Merlin. As malditas dissertações. Snape grunhiu intimamente e preparou-se para enfrentar o pergaminho.

 

2 - O Novo Estrategista

 

À noite, na Mansão Snape, como em todas as sextas-feiras, Snape desempenhava o seu papel predileto: o de amante perfeito de Harry Potter, que não era mais o maior herói do Mundo Mágico, mas que se mostrava cada vez mais poderoso e seguro de si.

A magia de Harry era algo impressonante, parecia vibrar em cada molécula de seu ser. E, sem a ameaça de Voldemort, tudo o que ele aprendera desde que chegara a Hogwarts se revelava. Harry desabrochava em pura magia.

Nos últimos meses, Harry se entusiasmava com seu novo projeto. A idéia fora realmente dele, Harry, e não de Dumbledore: promover um torneio de Quadribol entre as três principais escolas do mundo mágico. O torneio aconteceria no mês seguinte, maio, e naquele ano não houvera torneio interno entre as Casas, para que a escola pudesse montar uma equipe à altura das outras.

- Ainda bem que Krum já se formou - dizia Harry, pensativo, deitado de costas na cama de Snape, ao lado de seu "amante perfeito".

- Mas o time de Durmstrang está melhor nos últimos anos do que na época dele.

- É verdade. Mas o nosso time está ficando impecável. Montague é fenomenal. E Ron é praticamente imbatível no gol.

Snape não quis dizer que, embora tudo isso fosse verdade, o maior destaque entre eles era mesmo o Seeker. Não que acreditasse que Harry iria ficar convencido. Simplesmente... não era o tipo da coisa que Snape dizia com facilidade.

- A menina de Ravenclaw é muito boa, também - observou ele. - Walkers, não é?

- Isso, Diana Walkers. Ela é ótima, e só tem treze anos. É difícil para uma Beater não ser... bem, ela não é pequena, mas não é nenhum gigante.

- Você já decidiu se vai colocar Ginny Weasley para jogar?

- Bem que eu gostaria. Mas precisamos ter alguém de Hufflepuff, para contar com o apoio da Casa. Então vou ter de jogar com o chato do Zacharias.

- Ah, você está pensando politicamente, também. Interessante.

- Claro, Severus. Não era essa a idéia inicial por trás de tudo? Unir as casas pelo Quadribol, em vez de dividi-las. Assim, nas arquibancadas, Gryffindors, Hufflepuffs, Ravenclaws e Slytherins vão vibrar por nós.

- Você está se revelando um estrategista de primeira. Albus que se cuide.

Harry bufou.

- Não me pergunte o que eu acho dele como estrategista.

Snape achou melhor mudar de assunto, voltando ao aspecto esportivo do jogo.

- Então você vai jogar com Weasley no gol, Crabbe e Walkers como Beaters, Montague, King e Smith como Chasers e Harry Potter como Seeker e Capitão. Mas você montou também um outro time, para treinar, não é?

- É, quatorze jogadores. Estou sempre revezando todos entre os dois times. Ninguém além de você sabe que esse é o meu time oficial.

- Bom, com certeza Draco Malfoy não tem muita esperança de jogar.

- Ah, mas Draco tem outros interesses em jogo... além do próprio jogo.

- Como assim? - perguntou Snape, curioso.

- Sabe aquele Chaser de Ravenclaw, Martin?

- Aquele... Ahem.

- Ah, então você também reparou. Ele é um gato, não é?

- Potter... - Snape fitou-o com um olhar ameaçador.

- Mas foi você quem começou a fazer essa cara, babando pelo garoto. Sabe, ele não é meu tipo!

- E qual é o seu tipo?

- Er... Baixinho, meio gordo, loiro...

Snape agarrou-o pelos cabelos, esquecendo-se totalmente de sua varinha e resolvendo lidar com o Gryffindor na base da força física. Prendeu-o entre seus joelhos.

- Quer continuar vivo? - perguntou.

- Está bem, Severus, então vou falar a verdade. É alto, magro, meio velho...

Snape não teve outro recurso senão tapar-lhe a boca com um beijo tórrido.

 


3 - O Caminho Sagrado

 

Era a primeira noite do Caminho Sagrado, e todos estavam reunidos no Grande Salão. A cerimônia Navajo, normalmente realizada dentro do hogan, fora completamente adaptada para o Castelo de Hogwarts. O belo céu estrelado do Grande Salão ajudava a compor o clima. As mesas haviam sido todas retiradas e todos se sentavam ao chão.

Snape se mantinha em pé, observando a tudo e a todos. Todos haviam sido instados a deixarem suas varinhas em seus quartos, e isso o deixava muito inquieto.

Albus, a seu lado, sorria satisfeito.

Era... engraçado ver todos trajando roupas Navajo. As mulheres com saias em camadas, cinto trançado e uma blusa de algodão ou belbutina; muitas jóias incrustadas em prata e turquesa; os cabelos presos em um coque na nuca com fios brancos. Os homens trajavam pulôvers de belbutina com um cinto "concho" de prata e botas Navajos, colares de turquesa ou coral e uma tira na testa, além de braceletes ou Ketohs (protetores de braço) nos pulsos.

O sr. Clauschee começou a entoar as canções para abençoar o Castelo.

Das origens eu tenho pleno conhecimento
Das origens da Terra tenho pleno conhecimento
Da origem das plantas tenho pleno conhecimento
Da origem de diversos tecidos tenho pleno conhecimento.

O hataali espalhava pólen pelo Grande Salão, abençoando-o.

Snape percorria o Salão com os olhos, observando, a princípio, seus colegas. Minerva, em seu vestido em cores vistosas - vermelho e dourado, em homenagem à sua Casa -, parecia mais jovem, mesmo com os cabelos presos. Se Snape gostasse de mulheres, diria até que havia algo de sedutor na bruxa. Hagrid observava tudo concentrado, e parecia completamente à vontade - quem o visse assim, poderia pensar que ele fazia parte do Povo. Trelawney parecia em transe - ou talvez tivesse mesmo adormecido, pensou Snape, com seu sorriso irônico. Hooch cochichava algo ao ouvido de Sinistra. Filius... Onde estava Filius? Ah, lá estava ele, saltitante e solícito como sempre, ajudando a preparar o tanque para o banho ritual com espuma de iúca. Todos haviam sido instruídos a irem com roupas de banho sob as vestes. Snape sabia intimamente que todo o salão devia estar esperando para ver o sisudo Professor de Poções de calção de banho. Se pudesse, ele não lhes daria esse gostinho. Mas Harry... ah, lá estava ele, do lado oposto, junto a Weasley e Granger. Antes de mais nada, Snape procurou Martin pela sala, e ficou satisfeito ao vê-lo bem distante, entre um grupo de Ravenclaws. Draco Malfoy não tirava os olhos dele. Snape voltou seus olhos novamente a Harry.

Distraído em suas observações, Snape não viu quando o sr. Clauschee começou a conduzir os professores para dentro do tanque. Filius, Hooch, Sinistra e Hagrid já estavam lá dentro. Dumbledore tirou seu manto e, orgulhoso de seu calção cor de púrpura, fez um gesto para Snape segui-lo para dentro do tanque. Mas Snape apenas olhou para o teto, exasperado, e não se mexeu. Dumbledore meneou a cabeça, antes de avançar para o tanque.

Então Snape viu Kai se aproximando. O garoto Navajo estendeu as mãos e Snape, sem acreditar em si mesmo, se deixou conduzir. Chegando junto ao tanque, tirou suas vestes e os colares, entregou-os a Kai e entrou dentro d'água com seu calção negro bem justo. Alguns Gryffindors pareciam dispostos a aprontar-lhe alguma, mas seu novo aliado, o fiel Ron Weasley, os dispersou, fazendo com que as atenções se voltassem a Longbottom, o novo herói do Mundo Mágico. Ao contrário de Harry, Longbottom não parecia se deixar perturbar pela fama. Continuava sendo o mesmo garoto tímido e trapalhão de sempre, apaixonado por Herbologia.

Um a um, todos eram banhados pelos Clauschee e saíam do tanque. Quando todos haviam saído do tanque, o sr. Clauschee rezou uma última prece, e todos se retiraram para seus dormitórios. Snape ainda esperou Harry e seus amigos desaparecerem na escadaria antes de se retirar. Viu Dumbledore ficar para trás, assistindo a retirada de todos os membros do castelo com um sorriso satisfeito.

~* ~* ~

No dia seguinte, o sr. Clauschee, com a ajuda de Kai e da sra. Clauschee, pintaram mandalas em pele de camurça, sempre cantando as canções rituais. As mandalas eram pintadas com farinha de milho, pólen e pétalas de flores esmagadas. O sr. Clauschee agora pintava a Criação do Sol. O hataali cantarolava baixinho as palavras da poesia que narrava aquele episódio, peneirando a areia azul por entre os dedos para formar a ponta da pena que pendia do chifre esquerdo do Sol. Todos aqueles símbolos haviam sido explicados pelos professores Navajo tanto aos alunos quanto aos professores de Hogwards ao longo dos meses anteriores.

Em um breve encontro algumas horas antes, nas masmorras, Harry dissera a Snape que, durante a cerimônia da noite anterior, o castelo parecia vibrar, em completa harmonia. Snape olhava para Harry e para Dumbledore e via em ambos o mesmo sorriso de deslumbre. Luna, não muito longe de Harry, também parecia encantada, mas não com o castelo: com a Mulher Mutante. O sr. Clauschee explicara que a cerimônia do Caminho Sagrado é a única em que a Mulher Mutante, a principal figura na mitologia Navajo, associada à terra e à ordem natural do universo, é representada. De alguma forma, Luna parecia especialmente sintonizada àquele símbolo.

A cerimônia prosseguiu noite adentro.

De repente, Snape viu que Albus tinha os olhos fixos nos seus. O velho mago lhe transmitia tantas emoções com um simples olhar. Como que magnetizado por aquele olhar, Snape aproximou-se dele e sentou-se a seu lado. Albus apoiou a mão no ombro de Snape.

Agora, as Trevas
Ele vem até a mim para me abençoar
Atrás dele, desde lá,
Ele vem até mim para me abençoar

cantava o hataali.

'Sa'ah naaghéi, Bik'eh hózhó'*, disseram todos.

Era a Canção das Doze Palavras, com a qual se encerraria a cerimônia. A cada verso, todos tinham de responder com a frase sagrada 'Sa'ah naaghéi, Bik'eh hózhó'.

Albus, com todo o seu poder, também errara muito, mas Snape jamais esqueceria da segunda chance que ele lhe dera. Albus merecia, ele também, uma segunda chance. Sabia que Harry não entendia isso, mas, talvez, quando Harry ficasse mais velho... O ritual Navajo falava em esperança e em beleza - beleza não em seu significado mundano, mas de harmonia interior. Pela primeira vez, essas palavras pareciam ter algum significado para Snape.

Que as suas estradas para casa sejam caminhos de paz,
Que retornem com alegria,
Na beleza eu caminho.
Com a beleza diante de mim, eu caminho.
Com a beleza atrás de mim, eu caminho.
Com a beleza acima e ao redor de mim, eu caminho.
Tudo termina em beleza.
Tudo termina em beleza.

 

FIM

NOTAS:
* 'Sa'ah naaghéi, Bik'eh hózhó' é um conceito que pode ser traduzido e interpretado como a beleza da vida criada pela aplicação de ensinamentos que funcionam.

Próxima história na série: Mysterium Coniunctionis.

 

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