Pecados de Omissão
Autora: Nym

 

Não há nem sequer uma chama na lareira, mas estou encharcado e com um calor febril, desperto por outro sonho inclemente. Tudo o que a luz do dia oculta é revelado após o escuro - as criaturas e demônios e os sonhos. A noite nunca ocultou uma verdade. Esta penetra fundo demais para evaporar com a luz da manhã. Ela adere, assim como a camisola molhada adere às minhas costas. Se apenas o sonho fosse com alguma fantasia suja, de submetê-lo a algum ato erótico depravado e inescrupuloso! Irrealidade absoluta, purgada e então esquecida com o esfregar de um lençol. Nenhuma marca ou sinal. Nenhuma vergonha no que sonhamos, a não ser que sonhemos a verdade. Eu sonho com um beijo suave e simples e complicado, tudo em uma batida do coração. Não tenho palavras para essa lembrança - para esse beijo. Tenho apenas a realidade deste calor noturno e ritual insone. Se não posso derramar esta vergonha por sobre os lençóis e acabar com ela, que esperança de paz ao manchar o pergaminho com tinta? O pergaminho queima. Algumas marcas são profundas demais para que água ou magia as apague. Eu devia saber. Posso queimar as palavras, mas a verdade permanece.

Preciso estar perto dele e ser como eu era. Que escolha tenho? Devo recuperar alguma dose de autocontrole, mas o tempo me fugiu e a batalha foi perdida novamente esta noite. Como posso encará-lo? E no entanto eu devo. É tudo uma batalha de vontades, com esse garoto. Forças opostas, ele e eu, e no entanto naquela noite aprendemos que compartilhamos um ponto de equilíbrio. Ele me beijou e destruiu minha noção de autoridade inabalável. Eu o beijei e destruí sua ilusão infantil de um mundo em branco e preto. Tudo é cinza, o mundo inteiro sujo em si mesmo, e luz e trevas são apenas a percepção do contraste. Amor e ódio. Bem e mal. Tudo é algum tom de cinza. E assim eu finalmente ensinei a ele alguma coisa, depois de todos esses anos. Pelo menos há uma ironia divertida em tudo isso.

Eu por mim aprendi que a tortura não precisa envolver dor. Acordar com o coração disparado para a aguilhoada efêmera do prazer físico que me recuso a buscar - isso é tortura. Ficar sentado sem dormir e tatear em busca de palavras para purgar o veneno. Tortura. A idéia de encará-lo em alguns poucos dias sem palavras preparadas ou respostas prontas. Isso é mais do que tortura. Minhas próprias ilusões estão escorregando, embora eu me apegue à idéia de que ainda possa ser capaz de dominar uma verdade, meus sonhos, e transfigurá-los em uma forma mais aceitável. Algo sólido e quantificável que possa ser seguramente atribuído à biologia, à natureza humana ou ao alinhamento das estrelas. A qualquer coisa que não a minha própria fraqueza. Meu fracasso. Meu coração. Não, isso não. Todo mundo sabe que não tenho um. Escutei um aluno do quinto ano dizendo isso para um do primeiro, então deve ser verdade. Sou muitas coisas, poucas delas admiráveis, mas não sou hipócrita. Não os puni por sua zombaria. Tenho tomado tanto cuidado para cultivar a minha falta de coração. Quase dei risada. Isso não teria alarmado as crianças?

Sinto a aurora penetrando pelas paredes do castelo - sinto-a, como uma criatura das sombras. Estou cansado, e isto é inútil. Queimem, palavras, e levem meu coração com vocês. Deixem-me dormir.


~~~


Toda vez que Potter ergue os olhos do trabalho, quero esganá-lo com as mãos nuas. Uma reação extrema, mesmo para mim. Todas as crianças na sala estão maiores do que quando as vi pela última vez, e cada uma delas está mais descuidada, é mais um risco para o seu vizinho. O tempo prescrito para lhes ensinar as mais letais e imprevisíveis combinações de poção e poder coincide exatamente com a fase mais estúpida e desatenta de suas vidas. Elas se preocupam mais com a aparência e posição social do que com o conteúdo de seus caldeirões, então cabe a mim garantir que essas bombas humanas não sofram danos. Cada aula é uma catástrofe cuidadosamente evitada, e elas nem mesmo sabem disso. Hoje elas estão nervosas devido ao meu silêncio vigilante. Já era tempo de conseguirem trabalhar sem que eu ficasse ali ao lado, mas as vejo se preocupando, concentrando-se tão intensamente em parecerem concentradas que algumas delas mal conseguem executar a tarefa. Todas reagem ao meu menor movimento, erguendo os olhos para ver o que as espera, e apenas Potter mantém a cabeça baixa. Ele reserva seus olhares para quando acha que minha atenção está em outra parte. Olha para o mundo todo como se quisesse dizer algo. É melhor que não o faça. Entre olhares desajeitados, ele trabalha com um cuidado meticuloso, negando-me todas as outras razões para persegui-lo. Eu planejo fazê-lo? É essencial para a minha simulação de normalidade que eu encontre alguma falha em sua poção de hoje? Observo-o durante tempo demais, e ele muda sob meu olhar, seu cenho ficando cada vez mais franzido enquanto ele tenta manter a concentração, mas parando para enxugar as mãos nas vestes. Nervoso. Ele jamais fez segredo do ódio que tem à minha companhia, mas não creio que nunca o tenha deixado nervoso. A aula se encerra sem nenhuma palavra de qualquer de nós ao outro. Potter é o primeiro a partir, sem perda de tempo. Ele nem mesmo espera por seus amigos e admiradores.

E assim vai, semana após semana, até que eu, de minha parte, quase acredite que o padrão jamais foi rompido. Se um dia quis realmente quebrar aquele desafio com que ele sempre me enfrentou, é uma ambição de fácil realização agora. Ele pára de olhar para mim, começa a se retrair sempre que o encontro fora da sala de aula. Cinco anos e, finalmente, tenho a sua obediência, a sua atenção em minhas aulas e o fim de seus olhares impertinentes. Se apenas eu pudesse me convencer de que não sei o motivo disso, poderia considerar isso uma vitória. Lamentavelmente, não acho graça em empurrá-lo quando ele não empurra de volta. Suas lições de casa se tornam asseadas, insípidas e desatentamente precisas, não me dando a oportunidade de apontar erros. Aquela criança irritante desapareceu por trás de uma máscara calculada, pelo menos em minha presença. Suponho que ele saiba que isso também me irrita.

Escolho o último dia de aulas para forçar o assunto. Uma decisão consciente, no entanto ainda não muito convicta até eu escutar o arrastar de cadeiras, os sons de uma classe ávida por escapar assim que o sino toca, e minha própria voz.

- Potter. Fique onde está.

Não olho para ele, mas passo os olhos pelo resto da sala com um cuidado desconfiado. Algumas das poções mais exóticas têm o hábito de irem parar em bolsos e em travessuras, especialmente com o espírito de férias correndo à solta. Fico desapontado ao não pegar nenhum deles no ato. Agora não adianta mais, mas, verdade seja dita, não quero ficar sozinho com Harry Potter mais do que ele quer ficar comigo. Os outros se arrastam para fora, ruidosa e irritantemente, celebrando suas duas semanas de liberdade. Os Gryffindors lançam olhares simpáticos ao seu colega de casa enquanto alguns dos meus dão sorrisos irônicos e maliciosos. Todos imaginam que Potter está prestes a ser punido por alguma transgressão. Talvez estejam certos. Ele não sai da carteira - não se move de modo algum, apenas termina de empilhar os livros à sua frente. Nenhuma queixa sobre se atrasar para a próxima aula. Ele espera para ouvir o pretexto sob o qual eu o mantenho aqui, mas não há nenhum. Ele não é bobo, e eu não vou bancar o bobo tentando enganá-lo. Nós não temos conversas sociais, ele e eu, e ele com certeza já aprendeu a reconhecer as minhas maquinações. Sua cabeça se vira, só um pouco, enquanto atravesso a sala para fechar e trancar a porta.

- Não contou a ninguém? - Não é, realmente, uma pergunta. Sei que ele guardou os detalhes precisos de nossos momentos naquela cela com cuidado e em amargo segredo, exatamente como eu.

- Não. Senhor. - Ele não se vira para olhar para mim, mas pelo menos escolheu não afetar ignorância.

- Talvez deva fazê-lo.

- Não. - Devo ter enfrentado aquela convicção dezenas de vezes todos os anos, desde o dia em que ele chegou. Em seus olhos ou em sua voz, sempre me desafiando. - Eles não entenderiam.

- Muito nobre.

- Não zombe de mim. - A sua réplica não é mais nem menos sarcástica do que a minha. Calculada, como a sua súbita obediência e atenção na aula. Ele imagina conhecer meus truques. - Eu não fiz nada de errado, e o senhor sabe disso - acrescenta, com menos controle. Não seria a primeira vez que eu o puniria apenas por responder na mesma moeda. - Posso ir agora?

Quase o mando embora quando a oportunidade me é apresentada. A fuga seria minha, não dele, mas não. Esquivei-me dessa responsabilidade já por muito tempo. Como ele não irá se mover, vou até ele, encarando-o do outro lado da mesa de trabalho.

- Nosso segredinho está corroendo-o, não está? - Isso devia ser um prelúdio para um conselho maduro. Acaba soando muito como um "Eu não lhe disse". - Tem razão de ter ficado... perturbado ... com o que eu lhe fiz. - Com certeza existe uma palavra mais adequada? Revoltado? Horrorizado? Imagino que qualquer criança encontraria uma palavra forte e adequada para descrever sua reação ao gesto do professor Snape ao molestar um aluno. - Você precisa...

Ele se levanta de chofre e bate ambas as palmas contra a madeira.

- Não me diga o que eu penso! - Contato de olhos, enfim, e então sua raiva me empurra dois passos para trás, quase cambaleando. Os papéis e garrafas em todas as superfícies são brevemente agitados e ao zunir em meus ouvidos se junta o retinir calmo e trêmulo dos vidros. Tudo termina antes que comece: ele aprendeu algo nos últimos cinco anos. Um respirar fundo e as persianas cerram-se outra vez, a explosão dele exaurida ou contida. Não sei dizer. Ele vê eu me aprumar, não exatamente com preocupação. Ele subestima a própria habilidade de causar danos. Há poucas combinações mais potentes do que emoção juvenil e magia inexplorada. - Eu não queria...

- Eu sei - interrompo-o, sabendo que, se ele me pedir desculpas, não vou ser responsável por meus atos. Coloco minhas mãos sobre a escrivaninha, inclinando-me na direção dele. Conheço o poder dele e sei que estou brincando com fogo, mas temo o seu poder muito menos do que ele teme. - Autocontrole é muito importante, principalmente quando se é... emotivo. - Moldo cada palavra com cuidado, mas ele entende errado. Olhos faiscantes e faces escurecendo.

- Já lhe disse, eu não queria fazer isso!

- Não quis dizer você, Potter. - Mal consigo descerrar meus dentes para forçar as palavras a saírem.

- Oh. - Ele tomba na cadeira de novo, franzindo o cenho para suas mãos manchadas de tinta. Calado outra vez, mas de alguma forma não mais contido. - Nós não fizemos nada de errado.

- Não? - Pela primeira vez eu gostaria de poder incentivar a sua ingenuidade. - Professor e aluno...

- Você não era meu professor. Não naquele momento. - Calmo, teimoso e seguro, como se tivesse levado o verão e todo o último período letivo para chegar àquela posição. De vez em quando admiro a perseverança dele. - E alguma coisa... aconteceu. Alguma coisa que nos ajudou a sair de lá.

- Talvez. - Provavelmente foi outro tipo de conexão que reverteu nosso destino. Um débito profundo entre nós, e não aquele tolo beijo. Mas ele está certo. Alguma coisa aconteceu quando deixamos de lado nossa guerra particular. Potter tem poder, cru e puro. Mais do que eu e mais do que seu pai. Conforme a motivação, ele pode intensificar qualquer magia em que toca. E junto comigo, por um breve instante ajudando-o a canalizar esse poder... sim. Alguma coisa aconteceu. Um poder como esse é uma ameaça a tudo o que toca, mas vicia. E tudo o que tenho a fazer para tocar esse poder é tocar o garoto. Com um tremor, mantenho minhas mãos firmemente coladas às laterais do corpo.

- Eles dizem que você ensina coisas aos Slytherins. - Potter parece sentir que minhas palavras suaves e silêncio equivalem a um convite. - Coisas secretas. - Pelo som das palavras, presumo que estão em preparação há algum tempo. Ele me encara de novo, um choque de ousadia verde, porque se tornou tão raro. Desta vez ele apenas olha. -Pode me ensinar?

- Eles dizem isso, é? - As palavras zombam, mas não dele. Eles. Nosso mundo está cheio de "eles", rumores e suspeitas mal contidas, e afinal ele sobreviveu, o garoto deveria saber que não pode aceitar a palavra de qualquer um como evangelho. Ele não desvia o olhar, apenas assente, mas sua certeza calma evapora diante de meus olhos. - Se todos os rumores fossem verdadeiros, sr. Potter, então o senhor seria a perfeição ambulante. - Agora ele desvia o olhar. Para as mãos, como se aquelas marcas sujas em seus dedos contivessem o significado da vida. - Seria também o herdeiro de Slytherin, um pouco menos esquelético e o assassino de Cedric Diggory. - Ele pula da cadeira e recua um pouco, boquiaberto e estarrecido. - Rumores devem sempre ser tomados com cuidado, não acha? - Ele não responde, embora sua boca permaneça aberta. Ou a minha escolha de exemplos o convenceu completamente de que sou um monstro ou esse rumor em particular era novo para ele. Não é um assunto que eu queira debater; que ele desabafe as suas angústias de colegial com Dumbledore ou com seu maldito padrinho. - Se ensino aos Slytherins algo mais do que ensino a você, é como utilizar um talento natural para o desenvolvimento próprio.

- Então não é verdade?

Não consigo conter um leve sorriso. A experiência ensinou-o a não confiar em palavras evasivas, a perseguir uma resposta inequívoca às suas importantes perguntas. Algo que seu pai jamais aprendeu, mas cheira a Sirius Black.

- Não. Não é verdade. - É claro, ele não tem nenhum talento especial para distinguir a verdade das mentiras. Pode apenas vasculhar meu rosto e entender o que lhe falei como melhor lhe aprouver, e ainda assim eu me sinto especialmente invadido por seu olhar. Ele começa a guardar suas coisas na mochila, parecendo ocupado.

- Teria me tratado da mesma forma, se eu fosse de Slytherin? - Ele tenta soar casual, mas com certeza sabe que é uma pergunta absurda, feita a mim, entre todas as pessoas. Não perco tempo em especulações ociosas sobre o que poderia ter sido. Como não respondo, a voz dele fica mais grave, com a frustração. - Eu só queria saber por que você me odeia. - Ele não tem mais nada a guardar em sua mochila e, sem nada a fazer, suas mãos se retorcem e se flexionam. Nervoso.

- Aquela palavra, de novo. - Ele franze o cenho, pressentindo uma evasiva ou talvez escárnio. Talvez minha resposta seja um pouco de ambos. - Ódio.

- E então?

É um assunto doloroso para mim, depois de nossa última discussão a respeito? Ele mal pode olhar para mim, agora.

- Você sentiu a mão do próprio Ódio. - Estou tocando-o antes que sequer registre a intenção; a ponta de meu dedo puxando para o lado alguns fios de cabelo para expor a cicatriz que ele tenta esconder. Meu polegar contorna a sua breve extensão, mal tocando-o, e Potter arqueja. - Acha... acha mesmo que eu sou comparável a isso?

O que mais ele escolha acreditar ou não, até Potter deve achar que sou branco feito lírio ao lado de Voldemort. As pontas de seus dedos seguem as minhas até sua testa, nossas mãos se tocam de passagem, e seu rosto se turva com a dúvida.

- Este é o beijo do Ódio, Potter. Eu me orgulho em pensar que o meu foi bem mais agradável. - A perplexidade na expressão dele apenas se aprofunda, sua incompreensão alongando o silêncio. Tudo considerado, não é um momento desconfortável. - Você está atrasado. Vá. - Inclino minha cabeça na direção da porta. Ele sacode a cabeça, pestanejando rápido como se tentando despertar.

- Não me mande embora. - Sinto a mão dele cobrir a minha de repente; contraste quente em relação à fria madeira embaixo. Difícil dizer qual de nós está mais assustado, mas nenhum de nós se move.

- Não seja tolo, garoto. Lembre-se de onde está. - Ele olha para sua mão de novo, a minha ainda presa levemente sob ela.

- Professor e aluno. - Um leve assentir de cabeça. - Você pode transformar minha vida em um inferno de todas as formas que desejar, mas nós não podemos nem mesmo pensar em um beijo.

Sua inexperiente tentativa de sarcasmo. Minha verdade.

- Então você entende. Bom. - Se minhas palavras ditas em tom suave eram estranhas para ele, essas não são. A mão quente se afasta da minha em um pulsar de coração. - Não espero que você guarde o segredo. Não espere mais do que isso de mim.

Ele deveria ir agora, aborrecido, mal-humorado e medíocre. Por que não vai?

- Por favor. - Pouco mais do que um sussurro, evocando cada lembrança de nossos momentos juntos. De seu calor, de seu corpo inteiro sobre o meu e lágrimas em meus lábios. - Por favor não...

- É preciso! - Maldito seja ele.

- Não faça parecer sujo. Não faça. - Ainda suplicando. Ainda exigindo que seu mundo seja preto e branco. Eu me enganei. Ele não aprendeu nada.

- Saia, Potter! - Nós representamos uma cena que é não apenas desagradável mas absurda. Seus olhos brilhantes faíscam traição. Eu o traí meses atrás, e só agora ele notou. Estúpido, garoto estúpido. - Saia! - Faço um gesto como se o varresse na direção da porta, e ele se apressa, sobressaltado, arrebatando a mochila e derrubando cadeiras quando corre, mas não vai além da porta. A fechadura mágica não cede ao toque de um aluno; eu quis garantir que nossa conversa não fosse interrompida. Potter não ousa se virar para mim e não pode avançar. A pesada mochila cai ao chão, derrubando os livros, e ele se apóia contra a porta, ofegante, mãos estendidas contra a madeira. Absurdo. Todas as minhas suposições sobre o que um beijo poderia significar para ele, fazer a ele. Todas as minhas noites insones e eu nunca previra isso, nem uma só vez. Ir até ele. Confortá-lo. Não foi assim que essa comédia se iniciou? Eu e meu autocontrole. Uma desnecessária mão sobre o ombro dele enquanto pego a varinha para abrir a fechadura. Então, de algum modo, a outra mão está sobre o outro ombro dele, e a distância entre nossos corpos não é mais decente. A respiração dele fica mais lenta e profunda. Os ombros rígidos sob minhas mãos relaxam, pouco a pouco. Não deixo minhas mãos se desviarem. Minhas mãos, seus ombros. Isso não chega a ser impróprio. Inclinar-me para ele para garantir que escute uma palavra em voz baixa ou duas... isso é impróprio?

- Não sujo. Errado. - Ele assente com a cabeça, virando-a só uma fração. Cabelos macios roçam brevemente os nós de meus dedos, o prazer eletrificando em sua simplicidade. - Você entende? - Outro assentir, mais firme desta vez. - Então vá.

Ele recolhe os livros caídos enquanto destravo a porta. Desta vez o silêncio que se estende é impossível, mas ele parte com nada além do que o que eu já lhe dera. O que mais tenho a lhe dar?


~~~


Hogwarts tem sido um lugar seguro para gerações de magos, e é para esse santuário que retorno, desejando nunca mais ter de deixar suas muralhas. Dumbledore me saúda à sua porta sem dizer palavra; aponta-me uma cadeira, serve-me uma bebida. Espera. Ficou acordado a noite toda esperando, o velho tolo, como se sua vigília pudesse ter alguma influência sobre meu destino. Um homem melhor apreciaria o gesto.

- Nenhuma notícia. - Tenho poucas palavras a dizer, ansiando pela solidão e pela oportunidade de limpar meu corpo do cheiro de traidor. - Ele não confia em mim. - A bebida, brandy, bate em meu estômago como uma dose de ácido, mas me aquece um pouco. Será que Dumbledore esperou mesmo a noite toda aqui para um relatório tão curto?

- Conte-me tudo, Severus. - Não o tudo político; ele sabe que meu relato dos acontecimentos será tão claro no dia seguinte ou em vinte anos quanto neste momento. Mais claro, até, pois uma noite de sono me faria bem. Não, ele quer o tudo pessoal, o senso cru de contaminação; quer que eu acalme sua consciência voltando-me a ele em busca de consolo.

- Não há nada que valha a pena contar. - Nem político nem particular. Voldemort ainda é uma monstruosidade. Eu ainda sou um vira-casacas a quem não restou muito de alma a perder e com um tênue controle sobre suas duas vidas distintas. O velho mago quer que eu compartilhe as trevas com ele, que fale, mas será que ele escuta minhas preocupações por mim ou por ele? Há dias em que sei a resposta; o bastante para lhe entregar minha vida ou viver minhas mentiras por ele. Tal fé sofre um abalo nos dias que se seguem ao toque de Voldemort. Minhas pálpebras ficam pesadas e me pergunto se é a cadeira ou o brandy que foi enfeitiçado. Dumbledore sempre acha um jeito de me envolver em sua bondade e calor. Não sabe que, ao fazê-lo, apenas enfatiza o gelo que cresce por dentro. - O pior está para vir. Pior do que tudo o que já vimos. Mas não tenho nada a lhe contar. - Minhas palavras estarão mesmo falhando? Olho para o copo de brandy, curioso, e bebo o resto. - Ele está zangado. - O álcool não chega logo o suficiente para impedir o longo estremecimento arrepiante que me percorre a espinha para cima e de volta para baixo. O pássaro de Dumbledore faz um som estranho, sacudindo-se para acordar. Seu movimento enche o ar com a poeira fina dourada de suas penas. Traz consigo o suave aroma de canela.

- Talvez quando você tenha descansado, então. - Dumbledore encerra a entrevista com esse tom de preocupação paternal. - A simulação cansa a alma, meu amigo. - A mão dele desliza por baixo de meu cotovelo quando me levanto. Conforto, talvez, ou dúvidas sobre quão logo o seu feitiço furtivo irá mergulhar-me no esquecimento sem sonhos. Eu me afasto, e ele se contenta em me escoltar até a porta, observando-me em busca de qualquer coisa que possa ter passado despercebida. A preocupação é real, mas não quero o ombro dele para chorar. Um dia, Voldemort irá me matar. De forma horrível, sem dúvida. Que Dumbledore guarde sua consciência e afeto equivocado para o meu obituário.

"Severus Snape, Mestre de Poções,
Hogwarts, Escola de Magia e Bruxaria. Sua morte foi um
gesto nobre que irritou um pouco
Lord Voldemort."

Sim, eu devo ser um dos cadáveres sobre os quais Harry Potter constrói sua imortalidade. Isso me diverte, e alguma parte desse divertimento que chega a meu rosto parece interessar Dumbledore. Ele segura meu cotovelo de novo.

- Severus?

- Estou só compondo meu obituário, Diretor. - Não há jeito de irritar Dumbledore, mas sempre estou disposto a tentar.

- Um tanto prematuro, não acha? - A voz é leve, mas os olhos já viram escuridão demais. Por um momento, vejo-a ali também, antes que ele balance a cabeça para mim, com afeto. - Amanhã você terá folga para descansar. - Dificilmente um presente, já que nenhum de nós pode dar aula para uma classe vazia. Talvez ele queira dizer que estou liberado das preparações para as festas natalinas, ou de compartilhar o café da manhã com o punhado de alunos que ficou em Hogwarts. Isso sim, seria uma recompensa.

- Mas pense só no quanto as crianças vão sentir minha falta. - Meio que espero uma repreensão pelo sarcasmo, mas ela não vem.

- Isso me lembra, o jovem Harry parece ter deduzido o motivo de suas idas e vindas. Ele parecia bastante angustiado esta noite. Um sonho, ele disse. - Mesmo eu não posso culpar Potter por sua peculiar clarividência no que se refere a Voldemort. Só me pergunto o quanto Voldemort consegue saber sobre ele em troca.

- Então vamos rezar para que ele consiga manter sua boca hiperativa fechada, senão precisaremos do obituário.

- Severus-

- Boa noite, Diretor.

Ele não tenta outra vez.

Não é mais noite, descubro em minha descida rumo à paz das masmorras. O mundo do outro lado das janelas se tornou cinza opaco. Dumbledore está certo; eu devia descansar e recuperar as forças. Ou a compostura, ou seja lá de que diabos Voldemort me roubou esta noite. Minhas entranhas parecem de gelo, e não é de medo, vergonha, culpa ou autopiedade. É Voldemort.

A visão de minha porta entreaberta é o bastante para fazer meu coração disparar. O que me resta de razão me diz que nenhum assassino pode penetrar em Hogwarts sem ser detectado. Uma outra parte de minha mente - muito provavelmente a parte sob a influência do brandy de Dumbledore - deseja um pergaminho e uma coruja, para garantir que minha versão do obituário chegue às edições matutinas.

"Severus Snape. Extraordinariamente bom em
Poções. Que sua morte tenha valido a pena."

Saco de minha varinha antes de abrir a porta.

- Potter! - Ele está sentado à escrivaninha, olhando para mim boquiaberto como se eu fosse a última pessoa que esperasse encontrar ali. - O que acha que está fazendo? - Sua boca se move um pouco, os olhos se estreitam, mas ele não parece pronto a responder. - Como diabos entrou aqui? - Pela expressão de seu rosto, acho que ele esperava que eu retornasse como um fantasma. Há pergaminho sob sua mão e tinta em seus dedos outra vez. Talvez ele, também, estivesse compondo meu obituário.

- Desculpe. Eu estava aqui... quando você abriu a sala de aula... e escutei... - Ele fica em pé de um pulo, possivelmente notando sua própria ousadia estonteante. Já não era sem tempo. - Usei para abrir a sua porta.

É claro. Que idiotice a minha. Eu podia muito bem ter feito o mesmo, se ele tivesse sido tolo o bastante para revelar tão tranqüilamente um de seus segredos. Pergunto-me se Dumbledore apenas o mandou embora com todas as suas perguntas ou se o mandou esperar por mim.

- Pena que você não se lembre tão bem das outras coisas que ouve em minha aula. Saia.

- Minha cicatriz está doendo.

- O que quer, uma poção? - Até ele parece assustado com o tom de minha voz. Até eu mesmo, para falar a verdade, mas não vou consolá-lo, de jeito nenhum. Na minha sala! Deus. - Como ousa? Fora!

- Isso significa Voldemort. Problemas. - Seus olhos se movem de meu rosto para meu antebraço; uma lenta, sugestiva carícia que exerce mais efeito sobre meu corpo do que um simples olhar teria direito de exercer. Parece tocar a Marca, mesmo através das roupas. - Ele chamou os Comensais da Morte esta noite, e você foi.

- É óbvio. - O hábito faz com que minha mão escorregue para trás de minhas costas, tirando meu antebraço esquerdo de seu campo de visão. Deposito minha varinha sobre a superfície mais próxima, a mesa, antes de ser tentado a voltá-la para Potter. Conheço maldições que fariam os olhos dele saltarem para fora de suas órbitas. Literalmente, até. - Você sabe o que estou fazendo, e por quê. - Mas será que sabe? Se eu pudesse fazer as coisas do meu jeito, se pudesse ter feito as coisas do meu jeito desde que Potter chegou em Hogwarts, Dumbledore teria revelado toda a verdade a ele. Que ele se afogasse sob seu peso ou nadasse , para que nosso salvador não tombasse mais tarde sob a carga, no momento mais crucial. Quando nada mais pudesse ser desfeito. Todavia, não foi do meu jeito que se fez as coisas.

- Lucius Malfoy também sabe.

- Ele desconfia de todo mundo. - Faço um gesto com a mão, como que fazendo pouco caso, mas amaldiçoando o garoto por sua percepção. Sua fome de conhecimento parece ilimitada quando se trata dos segredos de outras pessoas. Tenho de tomar tanto cuidado quanto com Malfoy e seu filho. Um equilíbrio delicado que Potter poderia deslocar muito facilmente com sua interferência. Por mais cansado que eu esteja, é melhor não o mandar embora com essas palavras nos lábios e uma pulga atrás da orelha.

- Agora há pouco, estava insuportável. - Ele toca a testa com as costas da mão, empalidecendo ao se lembrar da dor. - O que Ele fez com você?

- O que o faz pensar que "ele" tenha feito algo comigo? - Voldemort com certeza tem bastantes alvos para sua ira. - Eu estava ao lado dele antes que você fosse um brilho nos olhos do seu pai, Potter. Não imagine que precise da sua proteção. - Coloco a outra mão atrás das costas, antes que ele a veja tremer. - Nem da sua simpatia - acrescento, sentindo náuseas com a palavra e com a expressão nos olhos dele, mais próxima da pena do que da simpatia. Ele dá um passo na minha direção, a emoção transbordando, e eu falo rápido. Com severidade. Com um desespero não tão sutil. - Toque-me, Potter, e eu o transformarei num sapo.

Ele pára. Melhor assim, porque não sou mais capaz de transfigurá-lo, nesse momento, do que de voar ao redor da sala. Eu não devia lançar ameaças vazias como essa para essa... não. Não é uma criança. Deus do céu, ele não é uma criança. Olhe para ele. Passo a mão em meu rosto, desejando que ele simplesmente evapore e me deixe descansar.

- Eu posso ajudar. - Ele me mostra sua varinha e um leve traço do sorriso insuportável de James Potter.

- Tire isso da minha frente. Prefiro enfrentar o beijo de um Dementador a que você me use como alvo. - Estou falando sério, mas ele parece apenas levemente dissuadido.

- Praticamos Feitiços Calmantes a semana toda. Você parece precisar de um agora. - Quero ser mico de circo se ele também não está falando sério.

- Obrigado, sr. Potter, mas como o senhor bem sabe... - Aproveito a oportunidade para agarrar as costas da cadeira com ambas as mãos, não precisando olhar para saber que os nódulos de minhas mãos estão ficando brancos. - Como o senhor bem sabe, não deveria estar aqui. Além do seu desrespeito pela minha privacidade...

- Eu sei que você traz Malfoy para cá. Não só ele. Não é só um boato, e não importa o que você diga. Por que eu não posso vir aqui também?

- Potter...

- Castigue-me, então!- Ele sacode a varinha para mim e preciso de todo o meu autocontrole para me manter imóvel. A raiva de um mago poderoso, semitreinado, é uma coisa. A raiva dele, apontando-me uma varinha extraordinariamente potente... - Uma detenção. Ou poderia mandar Filch me chicotear, se fiz algo tão errado. - Ele não tira os olhos de mim, mas, pelo menos, abaixa a varinha. - Nós somos muito bons quando lutamos juntos, quando ajudamos um ao outro. Não importa o quanto você me odeia, não pode ignorar o que podemos fazer contra Voldemort, juntos, se decidirmos!

- Então é isso? - Ele mal reage ao meu escárnio. - E como propõe que descubramos nosso potencial conjunto, hein? - Deixo meus olhos passearem brevemente pela cama, e sorrio para ele. Com certeza uma visão para incutir o medo de Deus em qualquer um. - Está pronto a fazer o penúltimo sacrifício pela causa, Potter?

A respiração dele pára na garganta, em choque. Só por um instante.

- Se for preciso. - Zangado. Muito, muito zangado, mas dominando completamente suas palavras. - Eu estava pensando que poderíamos tentar nos concentrar, mas nos concentrar de verdade, primeiro.

Touché. Abro os botões da minha gola, quase sufocado em minha própria raiva. Em grande parte porque ele está certo. Há potencial no que podemos fazer. No que fizemos. No tempo que leva para retirar meu manto e depositá-lo sobre a extremidade da cama, encontro minha voz.

- Entendo. Não consigo ver como invadir meus aposentos de madrugada pode nos ajudar, mas...

- Eu estava preocupado com você, seu... - Não tenho a menor idéia de como ele consegue conter o insulto que está na ponta da língua, mas ele consegue. Olho por sobre meu ombro, sem pressa de ver-lhe a expressão. Aqueles olhos. Ele está mordendo o lábio quando me volto para ele. Não, ele não é mais uma criança, mas eu ainda sou como uma torre diante dele.

- Sim?

- Esqueça. Você não reconheceria o afeto se ele caísse sobre você, não é? - Um amargo sacudir de cabeça, como se isto fosse algo que só agora ele houvesse descoberto a meu respeito. Como se ele tivesse algum direito de ficar desapontado.

- Está sendo afetuoso comigo? Invadindo minha privacidade, impedindo-me de ir para a cama quando tive uma noite realmente difícil?

- Esqueça. - Ele segue na direção da porta, querendo me empurrar para o lado, mas meu braço ao redor de seu tórax o faz estancar. Minhas mãos agarram-lhe as vestes, puxando-o para mim. Pretendo sussurrar-lhe algum aviso venenoso, incutir-lhe algum respeito à força, mas sua boca aberta e olhos arregalados expulsam tudo o que é correto de minha mente. Oh, Deus do céu. Ele está olhando para mim, nu em seu medo e dor e fome. Ele estava tentando me provocar, e eu caí em sua provocação. Não há a menor luta; nenhuma resistência. No ponto em que estamos nos tocando, sinto o eco de seu poder. E que poder. Tão forte que nos agarra a ambos.

- Eu sabia que você tinha sentido também - ele sussurra. Pelo menos ele tem a decência de parecer surpreso diante do que vê se escancarar a seus olhos. - Eu sabia!

Seria verdade? Será que aqueles momentos inocentes em nossa cela haviam sido um ato de mera sinceridade? Uma declaração de intenções? Acho que não. Ele não é nenhuma perfeição: um adolescente magrinho, pequeno para a idade, com olhos comuns. Apenas verdes: nenhuma sombra poética de mar ou floresta. Mas ele é Harry Potter. Isso e tudo o que isso implica nunca entrou em minha análise da situação, até esse momento. Até que vi o homem em que o menino pode se transformar ainda. Ele é Harry Potter. Obsceno, sim, mas quero mais um gosto de sua pureza antes que seja tirada de nós dois. Ele cede sem nenhum som, apoiando-se em meu corpo enquanto eu o puxo para perto, meu braço lhe enlaçando as costas. Enquanto invoco beijos de sua boca e roubo-lhe o fôlego. Minha cabeça roda no instante em que fecho os olhos, e ele vira a cabeça para o lado, ofegando em busca de ar. Ainda segurando meus braços, mais forte do que eu o seguro.

- Você está diferente. O que ele fez com você esta noite? - Apenas uma lenda viva poderia provocar aquela expressão no rosto dele. Curiosidade e desejo envoltos em preocupação e inocência.

- Diferente? - repito, sem real compreensão.

- Você. A sua... - Ele sacode a cabeça, impaciente. - Isto. - Ele cerra os olhos e ... Não sei o quê. Pressiona, toca em algum lugar lá dentro e bem além do crime físico em que nossos corpos estão presentemente envolvidos. Toca a minha alma, o meu ser. Meu poder. Tudo o que me faz o que sou e tudo o que me faz mais do que um Muggle. É a mais doce violação imaginável. E incrivelmente enervante.

- Não. - O toque é como uma brisa quente passando por mim. Uma transfusão de vida. - Pare. - Por um momento, ele não parece saber como e parece alarmado, mas então pestaneja, se mexe e está acabado. Baixo os olhos para a varinha dele, ainda me cutucando o braço no local em que ele me segurava. - Talvez seja melhor você largar isso? Você não parece conhecer a própria força. - Ele me obedece, parecendo disposto, pela primeira vez desde que o conheci, a atender a uma ordem. Coloca a varinha ao lado da minha, com cuidado.

- Não conheço mesmo, não é? - A perplexidade se estampa em seu rosto, aprofundando-se quando finalmente consigo largá-lo. - Mas você conhece. Todo mundo sabe mais sobre mim do que eu. - Sua persistente falta de fôlego me perturba de formas que eu julgaria impensáveis. Ou, pelo menos, totalmente privadas.

- Não procure segredos em mim. Tenho tantos que posso deixá-lo tonto. - O que conto a Voldemort sobre Dumbledore, sobre Hogwarts, sobre Potter e sobre Severus Snape. O que conto a Dumbledore sobre os planos de Voldemort, e o que deixo de lhe contar sobre a vida parcialmente desalmada de um Comensal da Morte. Um Comensal da Morte não confiável, aliás. Sobre Harry Potter, e sobre meus sonhos. - É melhor você ir.

Sim, ir antes que eu o devore inteiro para preencher este espaço vazio que as Trevas escavaram esta noite.

- Tudo bem. - Ele concorda de pronto, mas não se mexe. - Posso voltar?

- Por que diabos você iria querer voltar? - Verdade, não consigo imaginar o que ele deseja ou busca em mim que qualquer outro mago no mundo não pudesse lhe dar, e melhor do que eu. Sua magia é crua, primitiva; uma força que mesmo ele precisa considerar. A minha é produto do estudo paciente e da aplicação científica de princípios universais. Mesmo aquilo que mais temos em comum nos separa, mas aqui está ele. Beijado, e observando-me com uma curiosidade impudente. A escola deve estar povoada de alunos dispostos a satisfazer a curiosidade carnal de Harry Potter, e com certeza eu não sou um substituto para uma figura paternal. Deixe isso para Dumbledore, para Hagrid. Mesmo para Black, quando ele se dignar a dar o ar de sua graça. O que, então, traz o garoto até mim?

- Eu quero, só isso. - Ele arrasta os dedos dos pés contra as pedras, a fronte se franzindo enquanto escolhe as palavras. - Sabe por que não sou muito bom em Poções? - Uma dezena de observações vêm à minha mente, mas apenas lhe lanço um olhar inquiridor. - Não sou bom em seguir uma receita. Uma pitada de urtigas e doze caudas de salamandra, poções de amor e poções voadoras e... nem tudo é assim tão fácil de explicar. Algumas coisas só fazem sentido aqui. - Ele dobra seu punho sobre o coração, seus lábios cerrando-se em silêncio. Talvez ele não quisesse ter dito tanto. Parece que ele, também, vê a diferença fundamental entre nós. Será que isso nos dá algo em comum? - Você e eu, nós fizemos magia de verdade, naquela noite. Nunca senti nada parecido antes.

Magia de verdade. Eu lhe partiria o pescoço, se tivesse energia para isso. E no entanto ele conhece, deve conhecer, a atração das outras magias - aquelas que correm no sangue, dependem dos terríveis instintos e atendem a uma lista nem um pouco humilde de ingredientes. Eu as conheço, também. Quão perto das trevas pode este garoto andar sem se tornar maculado e corrompido? A se julgar por aquela brisa cálida que ele acaba de soprar sobre meu coração, a resposta é bem mais perto do que eu. Uma vez maculado, então sempre. Agarro meu braço esquerdo, a Marca latejando de novo. Algumas vezes é silencioso, mas nunca completamente esquecido. Então ele também sentiu a atração das Trevas, o fogo, e veio procurar por mim. Compaixão, preocupação por mim, ou temor por sua própria alma?

- Não há magia em beijos, garoto. - Dou-lhe as costas, decidido a encerrar essa pequena entrevista antes que algum dano seja causado. Decidido a dormir, pelo menos um pouco, antes de iniciar um novo dia.

- Tem certeza? - Escuto-o pegar sua varinha, passos, a porta se fechando, tudo antes que eu possa forçar as palavras a fazerem sentido em meu cérebro cansado. Posso não estar na minha melhor forma, mas creio que ele acaba de me fazer um elogio.

Tranco a porta sem magia - apenas um centímetro e meio de ferro inadequado encaixando-se no lugar. Amanhã encontrarei um novo feitiço para proteger meus aposentos; talvez conversar com um dos retratos mais intimidadores para ficar de guarda contra visitantes indesejados. Potter pode se divertir adivinhando a senha com algum mago mal-humorado, morto há muito tempo, da próxima vez que decidir me pegar desprevenido. E, é claro, haverá uma próxima vez. Neste momento não sei dizer qual de nós é o tolo. Será que já fui jovem o bastante para acalentar a idéia de que um beijo contém magia?

O espelho sobre a penteadeira reflete meu olhar zombeteiro de volta a mim. Meus próprios traços, marcados, mas não velhos; tensos e pálidos, mas não doentios. Lábios que se esqueceram de como sorrir, não mostrando nenhum sinal de terem sido beijados. Olho com severidade para mim mesmo, na falta de outro alvo, e viro-me para me despir.

- Ooh, ânimo! Você vai me fazer rachar!- O espelho ri às minhas costas nuas. Eu tenho diversos espelhos impertinentes quebrados.

- Não me lembro de ter pedido a sua opinião.

- Estava olhando, não estava?

- Oh, fique quieto. - Jogo meu manto sobre a moldura, perguntando-me outra vez sobre feitiços para desencantar espelhos mágicos. - Um homem devia poder olhar para seu próprio rosto sem ter de escutar comentários.

- Tá bem - foi a resposta, abafada por uma camada de lã amarrotada. - De costas fica mais atraente, em todo o caso.

Deito-me na cama, mas o sono me foge. Parece que a companhia de Potter é um poderoso antídoto contra qualquer magia que Dumbledore tenha empregado para me ajudar. Quando fecho os olhos, devia haver paz e vazio - o ocasional e muito bem-vindo presente de Dumbledore, o nada. Em vez disso, vejo o garoto, e ele quer beijos. Beijos que se tornam carícias, que se tornam carícias nuas, depois ávidas carícias nuas. Depois prazer abrasante e um precioso momento de esquecimento, libertação, completamente seguro por trás de pálpebras fechadas e uma porta trancada. Outro registro em meu catálogo vitalício de momentos inomináveis. A crônica não escrita de Severus Snape, que era tudo menos um hipócrita - até esta noite.

~~~


Por mais que tenha ficado perplexo ao saber disso, Harry Potter não é o primeiro aluno a notar que um professor também pode ser um homem. Tenho estado em Hogwarts tempo o bastante para ter sido notado em todas as minhas capacidades. Tempo o bastante para saber lidar com olhares sub-reptícios e sorrisos tímidos de alunos jovens e desesperados demais para evitá-lo. Só que sempre eram Slytherins que confundiam a minha proteção com afeição, ou que achavam que ganhariam privilégios por meio da sedução. Ignore-os e eles logo param; eles crescem, percebem que seus atos não são nada além de embaraçosos e voltam os olhos para seus colegas. Os olhares de Potter são diferentes. Ele é um garoto solitário, há muito forçado a caminhar pela fina linha entre o comum e o extraordinário. Seus olhos me dizem isso, mas não o que ele acha que irá ganhar fitando-me por tanto tempo. Ele é só um menino quando se subtrai a bravata. Dezesseis anos, ignorante a respeito de tantas coisas e ainda assim sábio a respeito de coisas que ninguém deveria saber em toda a vida. Essas palavras poderiam ser uma descrição de mim mesmo. Eu, na noite em que Voldemort me marcou como seu. Eu não era muito mais velho do que Potter é agora. Será que ele vê isso quando olha para mim? É irônico, se ele vê o que o pai dele nunca conseguiu ver: que eu, até eu, tenho um propósito e um papel a desempenhar. Uma razão para tudo o que faço.

Sempre tentei evitar as festividades natalinas tanto quanto Dumbledore me permitisse, mas compartilhar grandes quantidades de comida com jovens desordeiros que não são desejados em casa é uma tradição entre os professores de Hogwarts. Além disso, o velho adora isso e não hesita em me lembrar de que eu, também, fui outrora uma dessas crianças. Eu nunca fui desordeiro. Potter é inevitável, pois sua família Muggle deseja que ele jamais houvesse nascido - nem uma vez em seis anos vi-o sair da escola no Natal. E nem uma vez nos cinco anos anteriores eu o vi não se meter em encrencas. Mãos ociosas. Talvez tenha sido apenas o tédio que o levou a invadir meus aposentos, rabiscando estupidamente quatro folhas do meu pergaminho e esperando para ser bolinado por um homem velho o bastante para ser seu pai.

Consigo ter um café da manhã razoavelmente tranqüilo na véspera de Natal, enquanto Potter se preocupa em animar uma dupla de primeiranistas de Hufflepuff na mesa deles. Uma delas ergue a mãozinha, e ele se inclina um pouco para que ela lhe levante o cabelo, seu sorriso pálido e tímido enquanto ela admira a famosa cicatriz. Os Slytherins se comportam razoavelmente bem em minha presença, mas ficam em sua própria mesa e se recusam a misturar-se como fazem as outras três casas quando em número reduzido. As palavras de Dumbledore sempre me perseguem quando vejo meu grupo se isolar. "Somos fortes apenas na medida em que estivermos unidos, e fracos na medida em que estivermos divididos." As qualidades que definem nossas quatro casas nunca mudam, mas os tempos mudam. As pessoas mudam, e Slytherin passou a representar o sentimento isolacionista e a rebelião contra a ordem. Enquanto antes simbolizávamos a astúcia e a ambição, agora representamos a fraude e as trevas. E é sobre isso que eu governo, sem dúvida com a aprovação póstuma de Salazar Slytherin em pessoa. Outra linha fulgurante para o obituário.

- Professores - intervém Dumbledore, passando por nós para chegar ao seu lugar; só que desta vez ele não se senta em sua cadeira entalhada. Escolhe o lugar vazio ao meu lado, dispensando as formalidades. Não são apenas as crianças que estão em número reduzido. - Bom dia, Severus. - Ontem fiquei escondido em meus aposentos, indo apenas a meu escritório e minha sala de aula. Minha presença hoje parece encantar Dumbledore, mas ele sempre se satisfaz com pouco. - Você dormiu bem?

- Não especialmente. - Afasto o prato, tendo finalmente prestado atenção o bastante para notar que não estou com nem um pouco de fome. - Precisamos conversar sobre Harry Potter. - Com seu infalível sexto ou o sétimo sentido, Potter imediatamente olha para o nosso lado. Dumbledore faz um gesto de cabeça e sorri em resposta ao seu hesitante acenar. Eu olho para o prato de torradas. - Ele pediu aulas particulares. - Não chega a ser uma mentira.

- De Poções? - pergunta Dumbledore, surpreso. Existem poucos alunos, mentes valiosas, que compartilham uma genuína devoção à minha matéria e que buscam um maior conhecimento. Potter com certeza não é um deles.

- Defesa contra as Artes das Trevas. - Mais ou menos.

- Ah. - Dumbledore concorda com a cabeça, girando uma xícara entre as mãos enquanto passa os olhos pelo salão. Sorrisos para todos, mas sua mente está totalmente concentrada no que eu disse. - É, vocês formam uma equipe e tanto.

- Precisamos da sua permissão para...

- Não há ninguém em quem eu confie mais em relação a Harry Potter do que você, Severus. - Ele olha para mim, sagazes olhos azuis me atravessando. - Você fará o que é melhor para ele.

Para ele? Isso jamais me passara pela cabeça. Pela guerra, pela defesa de Hogwarts, sim. Para Dumbledore. Mas para o próprio Potter?

- Eu vou... cuidar da segurança dele, Diretor. - É uma resposta fraca para tal declaração de confiança.

Dumbledore sorri para mim.

- Estou certo disso. - Parece-me que já tivemos uma conversa similar quando ele me tornou guardião da casa de Slytherin. Eu me pergunto se terei correspondido às suas expectativas. Levantando-me, percebo que estava esperando um desenlace diferente; que Dumbledore me perguntasse cada detalhe, refletisse, e então descartasse a idéia de que eu desse qualquer outra orientação a Potter nessa linha. A confiança fácil do velho é um fardo que às vezes é mais difícil de suportar do que todo o ódio de Voldemort. - Posso sugerir-lhe que comecem a uma distância segura do castelo? Gosto da aparência de Hogwarts como é. - A serenidade de Dumbledore é perturbada pelo brilho divertido em seus olhos.

Opto por me retirar a essa altura, mas Potter me alcança no meio do caminho. Pára a meu lado ruidosamente, parecendo mal-humorado. Nervoso, outra vez. Paro, mas com relutância.

- Você estava falando sobre mim com Dumbledore.

- O professor Dumbledore se interessa pessoalmente por todos os seus alunos. - Eu poderia me divertir mantendo-o na dúvida e agitado, mas como temos uma tarefa a cumprir... - Temos permissão para explorar os seus talentos. - O alívio dele é tangível. - Quero deixar claro que não haverá mais... que não se repetirá...

- Que não vai mais me beijar? - Aquela suave inocência no rosto dele é um convite a uma observação mordaz, no mínimo. - Não tenho medo de dizer isso. Por que você tem?

- O assunto está encerrado. Se desejar discuti-lo, sugiro que faça uma visita ao Diretor. - Posso muito bem imaginar a conversa. Quase chego a desejar que ele fosse. Que fosse falar com Dumbledore, que me pintasse como um monstro lascivo e...

- Não acho que você possa me dizer o que fazer - diz Potter, sua voz estranhamente calma. - Não sobre isso. - Ele franze o cenho e estuda seus pés, arrastando-se instintivamente para mais perto de mim quando um pequeno grupo de alunos irrompe do Grande Salão vindo em nossa direção. O que quer que o Diretor possa pensar, preocupo-me mais com a impressão causada nos Slytherins, se me encontrarem de conluio com Harry Potter em um corredor escuro.

- Posso virar o seu mundo de cabeça para baixo, garoto. - Alto o bastante para fazer os Slytherins que passam darem um sorriso cínico, e em grande parte por causa deles, mas estou falando sério. O pulo sobressaltado de Potter também é genuíno. O resto é só para os ouvidos dele. - Não imagine que um momento de indiscrição lhe dá poder sobre mim. Não banque o tolo e confunda um beijo com algo mais. Não pode haver nada entre nós.

- Pensei que você havia dito que o assunto estava encerrado? - Ele olha para minha mão, que de alguma forma cerrou-se em torno do antebraço dele. Afasto-a de imediato.

Esta não é a hora nem o local, e no entanto estamos aqui. Em um corredor público, discutindo o que ocorreu atrás de portas fechadas. Ele está tremendo, mas é teimoso o bastante para ir até o fim - para exigir uma decisão aqui e agora, diante de todos. Só podemos esperar que ele aprenda que a discrição muitas vezes é a melhor parte da coragem, antes que Voldemort o teste e que a coragem tola faça com que ele - ou todos nós - pereçamos.

- Duas horas. No lago. Será o início.

- Sim, senhor. - Seu tom de voz ressentido nos devolve à normalidade, e eu me afasto antes que qualquer de nós diga outra palavra.

~~~


A partir do momento em que ponho os olhos nele, arrastando-se na minha direção pela neve à altura do joelho, percebo que não vamos conseguir nada com aquilo. Ele exala raiva e suas maneiras são reservadas e frias. Mas o fracasso não é uma opção. Precisamos de todas as armas.

- Por que aqui? - ele despeja, passando os olhos pelo lago parcialmente congelado. Por todos os lugares, exceto por mim. - É muito frio.

- O Diretor sabe o que aconteceu da última vez em que tentamos isso. - Pedras caindo... poeira sufocante... gritos. Rezando para que os estudos ilícitos do garoto tivessem incluído Aparatação, porque só correr não iria adiantar; arrastando-o pelas vestes, pela mão... As lembranças são cruéis, em amargo conflito com o que aconteceu antes. Os lábios dele. Os meus. Suaves. Instantes breves demais de um respeito quase sagrado. - Hogwarts não merece o mesmo destino.

- Hogwarts não está tentando nos matar. Não estamos presos em Hogwarts. - Ele tenta ridicularizar, mas só consegue um tom sombrio, com um leve trêmulo. Envolve o próprio corpo com os braços, aconchegando-se sob o manto. Será frio, ou as lembranças o assustam? - Acha que algum deles morreu?

- Não, acho que não. - E não me sentiria mal se achasse que sim, mas como uma criança se prepara para lidar com a morte? Todo o mistério da vida se estendendo à sua frente e ele está envolvido em morte. Tem sido assim há anos. A morte de seus pais. A morte de Cedric Diggory. A recusa perversa de Voldemort em renunciar ao fardo da vida. - Isso está perturbando você? - Minha responsabilidade pela segurança dele, minha promessa a Dumbledore, não se encerra com a parte física. Não com Potter. Ele parece doente, seus lábios pálidos e finos. Faz que sim com a cabeça e se aproxima um pouco mais pela neve. - Eu entendo. - Ou acho que entendo. Aprendi a respeito da Morte quando jovem, mas me sinto indigno quando ele ergue seus olhos e olha para mim em busca de algum grão de sabedoria que o ajude. Isso é mais algo para Dumbledore. Ele gosta mesmo de crianças, para começar. - Não há vergonha em defender a si próprio. - Auto-sacrifício é um nobre traço Gryffindor; uma tradição, até. O garoto devia ser Slytherin.

- Autocontrole. Você falou...

- É por isso que estamos aqui, não é?

- Certo. - Ele se recompõe bem o bastante, sempre pronto a enfrentar a tarefa em questão. Ou parece assim, mas quem crê que essa compostura exterior reflete seu estado interior? Nem mesmo Dumbledore, desconfio. Neste momento, eu creio. Sei melhor do que ninguém o que Potter oculta do mundo. Sinto pena dele se pensa que descobriu terreno fértil para suas confidências em mim, entre todas as pessoas. - O que vamos fazer?

Ou se ele pensa que tenho respostas para perguntas como essa.

- Creio que a sua sugestão de "nos concentrar de verdade"...

- Certo. - Outro assentir de cabeça, desta vez firme e decidido. - Certo. - Com o ar de quem está combatendo uma força física, ou preparando-se para tocar algo desagradável e perigoso, ele força a mão na direção da minha. Demoro a perceber que ele está certo. É necessário que nos toquemos. Envolve seus dedos com os meus e encontro-o gelado. Ele tenta um sorriso, mas este morre tão rápido que me pergunto o que está vendo em meu rosto.

- O primeiro movimento é seu, creio. - Se existem observações perturbadoras, aquela foi uma delas. A expressão dele vai do franzir de cenhos ao vago e volta ao início. Detesto ensinar alguém que não tem a menor idéia do que eu estou falando. - Você conseguiu, antes.

- Eu estava motivado.

O que significa isso, eu me pergunto. Motivado a salvar a própria pele, é claro. A minha também, ou será que eu era apenas o componente necessário que lhe faltava? O poder era dele, mas a violência? De quem era? O medo é um poderoso motivador, mas em Hogwarts Potter não tem nada a temer. Todos os professores e provavelmente muitos alunos dariam suas vidas para defendê-lo. Ainda assim, não se deve deixá-lo sentir-se confiante demais. A morte está sempre por perto. A conexão partiu dele, e não tenho a esperança de recriá-la. Mas ele não tem medo agora. Ele exige uma outra motivação.

- Você me tocou anteontem à noite. - Inspiração, mas misturada à incerteza. Não é bem o mesmo. - Conectou a sua magia à minha.

- Eu... - Potter parece disposto a argumentar, mas minhas palavras penetram-lhe a mente antes que ele possa. - Você me fez parar.

- Não era apropriado. - E após um beijo, ambas as vezes, como uma sombra persistente de nossa intimidade. Recuso-me a ficar aqui e a beijá-lo. Já é ruim o bastante que possamos ser vistos do castelo e por qualquer aluno de Slytherin que passe; já é ruim o bastante que estejamos de mãos dadas.

- E da outra vez era?

- Necessário. - Quase esmago os dedos dele. Eles parecem tão esguios, tão frágeis. - Era necessário. - Potter respira fundo uma vez, depois outra. Então fecha os olhos e eleva a mão esquerda para juntá-la à direita. A esquerda está ainda mais fria e me concentro nela, na sensação da pele dele contra a minha e na transferência de calor entre nossos corpos. Há um formigamento, a mais leve vibração de magia deslocada e perturbada, mas ele treme com o esforço.

- Feche os olhos - ele diz por entre dentes cerrados. - Você não está ajudando. - Os olhos dele permanecem firmemente fechados. Não posso evitar a curiosidade.

- Eles estão fechados.

- Não. - Ele abre os olhos e olha feio para mim. - Eu sei que você está mentindo.

- Então acho que podemos ter certeza de que conseguimos algo, para começar.

A visão do aborrecimento dele se transformando em surpresa é quase cômica.

- Mas eu não... - Várias piscadas depois, ele fecha a boca e pensa antes de tentar falar de novo. - Não foi como antes.

- Como assim?

- Bom. - Ele murmura para dentro da gola alta de seu manto. - Antes foi bom. - Suas faces maltratadas pelo frio passam de pálidas a róseas, e ele desliza as mãos para longe das minhas, escondendo-as nas mangas de suas vestes. - Pensei que... para você também... - Reconheço o arrepio do embaraço inominável; que homem não o reconheceria, se já foi garoto? Eu poderia me livrar de seu interesse por mim com uma frase cuidadosamente escolhida aqui e agora. Humilhá-lo completamente. Isso poria um fim à questão. Devia tê-lo feito muito tempo atrás; rido em sua cara quando me perguntou por que o odiava. Puni-lo por sua insolência ao me fitar por tanto tempo. Arrastá-lo direto para Dumbledore por ter invadido meus aposentos. A estrada atrás de mim está repleta de sinais inúteis do que eu devia ter feito.

- Não consigo ver qual é a graça. - A oportunidade de humilhá-lo me escapa, não mais do que um fio de possibilidade agora. - Acho que você deve ter perdido a razão. Estou cansado de noites insones. - Ele quase olha para mim, mas a coragem parece lhe faltar. Seguro-lhe o queixo e ergo-lhe o rosto. - Você é só uma criança. - Ele olha dentro dos meus olhos, ressentindo-se com essas palavras o bastante para vencer a súbita timidez. - No meio de uma guerra que começou antes mesmo que você nascesse e fosse empurrado para a glória e o dever sem que sequer lhe dessem a escolha. - Os olhos dele se enchem de lágrimas. Será que está se sentindo rejeitado ou apenas provando o sabor da verdade? Passo o polegar por seus lábios; um rosa tão luxuriante contra seu rosto pálido. Minha mente os mapeou (forma, cor, sabor e textura) e de modo quase indelével. - Não vou me aproveitar da sua confusão.

- Mas você quer. - Difícil negar, quando meu polegar ainda descansa sobre seus lábios. Minha vez de desviar os olhos, recolher a mão. Bater em retirada. - Eu só queria saber isso.

- Agora você sabe. Volte. Aproveite o Natal. - Fique acordado porque mal pode esperar para abrir seus presentes ao nascer do sol. Coma doces. Ria. Brinque. Seja uma criança enquanto pode, pelo amor de Deus. Dou-lhe as costas e olho para o outro lado do lago. Algo lúgubre e gelado com que preencher minha mente. - Será necessário efetuar pesquisas antes de tentarmos isso de novo. - Dois anos devem bastar. - Vá.

Ele se aproxima, em vez de ir embora, até estar quase colado às minhas costas.

- Não pode me obrigar.

- E se eu lhe pedir?

- Então eu irei. - Sem dúvida não de boa vontade, mas isso não importa, desde que ele se vá.

- Por favor, volte para o castelo.

Ele vai.

Que cena. Que desempenho ridículo, frustrante. Quão difícil é dizer um "não" incisivo aos avanços ineptos de um garoto de dezesseis anos? Fico olhando para o lago até ele ter-se ido há muito e eu estar tão gelado que nem consigo tremer. Até a escuridão começar a avançar do outro lado do lago e eu avistar a lua iluminando o céu perfeito. O Natal é uma época para as crianças e para as esperanças daqueles que nunca conheceram a verdadeira escuridão em suas almas. Potter ainda pode andar na linha entre a alegria e a escuridão e retirar forças de ambos. Eu o invejo por isso. Independentemente do que mais haja de verdade em meio a essa trama de sentimentos indesejados, eu o invejo por isso.

Quando me volto na direção do castelo. sinto uma súbita apreensão e o formigar da Marca Negra sob minha pele. O gosto de Voldemort pelo dramático faz do Natal um de seus momentos favoritos. Tempo de caçar, inimigos e Muggles indistintamente. Morrer nas mãos do Lord das Trevas - terrível! Mas morrer no Natal...

Outrora isso me divertia. Agora me deixa enjoado e pesa muito enquanto arrasto meus pés pela neve. Se Voldemort me chamar esta noite, precisarei ir e obedecer a ele. Dumbledore tem a minha promessa de que farei o melhor para Potter. Ele que esqueça o meu espírito de Natal.

~~~


No dia de Natal em Hogwarts não existe nada que se pareça com privacidade. Há saudações e presentes, preparações a serem feitas e, é claro, há crianças. Corujas em toda parte, apesar de nosso número reduzido. Expectativas e esperanças. O ar se torna vivo com sua presença. Junto-me à festa não porque Dumbledore espera isso de mim, mas porque Voldemort espera; preciso estar em todos os lugares, observando, e ser em tudo o modelo do que um homem como Dumbledore esperaria de seus leais empregados. Há dias em que mesmo eu não consigo encontrar a verdade em meio às mentiras em que vivo. Nós comemos, alunos e professores alinhados em uma única grande mesa porque somos tão poucos, mas o local parece lotado para mim depois de uma noite de solidão vigilante. Potter se ocupa em distrair seus pequenos amigos de Hufflepuff dos risos maldosos e irônicos de três Slytherins mais velhos. Os meus Slytherin ultrapassam as outras casas somadas, este ano. E não é de estranhar. Se fossem meus filhos, também não seriam bem-vindos para passar os feriados em minha casa.

No ano passado, houve "travessuras"; poções na cerveja amanteigada. Este ano, estou vigilante e de olho em todo o bando desordeiro. Se Dumbledore está certo, então estes feriados já terão magia suficiente, sem que seja necessário acrescentar ingredientes. Em certo momento, entre um e outro prato, encaro Potter olhos os olhos, e ele sorri antes de retomar sua conversa. Há alívio mesclado ao meu leve desapontamento: a amarga justeza de perceber que fui bem sucedido em detê-lo. Ele parece mais aliviado por isso, mas é uma vitória vazia. Decido não permanecer com os outros depois que os alunos seguiram para seus dormitórios ou suas travessuras. Prefiro ficar sozinho com seja qual for o significado que os feriados contenham; melhor isso do que fingir que estou compartilhando daquilo. Melhor as masmorras do que ver Hagrid ficar ainda mais embriagado, ou esperar em alegre companhia pelo aperto de mão de olhos enevoados e complacente de Dumbledore. Um aperto de mão e um livro, todos os anos durante nove anos, e todos os anos dedico um instante para pensar nele enquanto passo a mão sobre o presente. Sempre embrulhado em papel brilhante e sempre uma escolha criteriosa. Tais amigos são raros e difíceis de merecer.

Faço uma pausa para desfrutar do som da porta pesada se fechando atrás de mim e o silêncio que se segue. O fogo na lareira fornece luz mas pouco calor - um leve conforto mágico restante de uma outra noite insone. Ele lança um clarão quente e a luz é repousante. Preciso dormir. Potter e Voldemort e até mesmo as preocupações de Dumbledore precisam dar lugar a uma simples necessidade humana. Desabotôo minha gola e punhos, removo os sapatos e capto de relance a imagem de meu rosto no espelho ao passar, cada ruga totalmente relaxada pelo movimento do fogo.

- É cedo para ir para a cama. - Eu me pergunto quão difícil será obter um simples e inofensivo espelho Muggle. - Que tal um beijo sob o azevinho, então?

Posso pensar em coisas melhores a fazer com azevinhos - algumas poções bem úteis e interessantes. Sem mencionar algumas das mais letais. A tarefa rotineira de listá-las em minha mente me envia, enfim, para o sono.

Potter me acorda. Por fim eu o expulso junto com tudo o mais de minha mente por um tempo suficiente para adormecer profundamente, e o maldito vem me acordar em pessoa. Estou a meio caminho da porta e pronto para arrancar-lhe a pele antes de perceber que não posso saber quem é o responsável pela batida. E, no entanto, eu sei. Acordo sabendo, e não tenho dúvida.

- Potter. - Como se dizer seu nome em voz alta tornasse mais crível para mim que eu possa identificá-lo através de uma porta fechada. Talvez o som particularmente irritante da batida simplesmente me lembre dele... - Potter? - Mais alto; o bastante para atravessar a porta.

- Sou eu. Me deixe entrar.

- Visitantes! - grasna o espelho. - Finalmente! - E acompanha a exclamação com uma série de ruídos de beijos estalados.

- Oh, cale a boca!

- ... Professor?

- Não é você, Potter! - Sinto-me absurdo, conversando com um espelho e uma porta. - Escancaro a porta e ainda me sinto um tanto surpreso de que seja realmente ele, parado ali em pé. - Que diabo você quer? - Ele olha para mim com cautela, sugerindo que a minha aparência retrata exatamente meus sentimentos: extremamente hostis e possivelmente mentalmente desequilibrados.

- Com quem você estava falando? - ele pergunta, uma corajosa tentativa de ser diplomático em seu tom. Ergue-se na ponta dos pés e tenta espiar para dentro da sala. - Você não está sozinho?

- É claro que estou sozinho! - Afasto-me para o lado para provar isso a ele, tardiamente percebendo que Potter contava que eu fizesse exatamente isso. Ele está dentro antes que minha razão acompanhe minha raiva, e ele sorri para mim. Com um ar de quem pede desculpas, pelo menos. O espelho assobia com entusiasmo, e Potter quase pula para fora da própria pele. Dado o número de sustos desagradáveis a que sobreviveu, acho curioso que ele não leve a mão à varinha.

- Ooh, ele está enfeitiçando você! - Os olhos afiados do garoto levam apenas um segundo para encontrar a fonte da observação, e ele sorri, relaxando. Então o sorriso se derrete em algo muito mais intenso, e ele se aproxima demais. Achei que houvéssemos superado isso.

- Me enfeitiçando?

- Por que você está aqui? - Deixe que ele fique se perguntando. Eu poderia amaldiçoá-lo, enviá-lo direto à Torre de Gryffindor se achasse que lhe faria algum bem, mas nem o próprio Voldemort conseguiu lançar alguma maldição decente sobre ele. E não por falta de tentativas.

- Aqui. - Ele tira a mão do bolso e a estende na minha direção. - Pra você. - Afasto-me de seu olhar incerto e baixo os olhos para sua mão. - Você não estava lá na hora do chá.

Ele põe uma grande laranja na minha mão. Ambos olhamos para ela por um tempo ridiculamente longo.

- Está amaldiçoada?

- Feliz Natal pra você também. - Ele não parece especialmente ofendido pela minha falta de gratidão. - É só uma laranja. Sobre ontem...

- Potter...

- Harry. - De algum jeito ele consegue passar a mão por baixo da minha, aquela com a laranja, e insinua os dedos por dentro do punho aberto. - Meu nome é Harry. - O toque tem o efeito de me paralisar, e ele fecha a porta com um leve chute, bloqueando a luz da passagem. É mais fácil olhar para ele sob a pálida luz do fogo; saber que ele não pode ver muito de mim. - E eu não sou criança. - É um convite, um ultimato; um fato confidencialmente declarado. Provoca-me um arrepio impotente. A impotência me repugna.

- Decidiu isso, você? - Como se ele já houvesse sido detido pela minha rispidez uma vez que esteja decidido a respeito de algo. Eu tento, em todo o caso. - Talvez você também queira licença para não assistir às minhas aulas no futuro, devido a essa súbita explosão de maturidade?

- Não faça isso. - Ele sacode a cabeça, cerrando a lacuna entre nós e estendendo a mão para a minha cintura. Quase não ousando tocar em mim. - Você falou que iria ficar acordado.

- Falei demais. - Eu podia me desvencilhar, mas estou de costas para a porta e não seria uma solução elegante se ele resolvesse bloquear meu caminho. Eu poderia sair da sala se ele não quisesse sair, mas tenho orgulho o bastante para não fugir de um garoto. - Não sou a resposta para os desejos de ninguém, Potter. Vá embora. - Ele pode estar decidido, mas eu sou mais velho, capaz de controlar minhas tendências impróprias. A figura de autoridade. Que piada cruel eu fiz disso. O respeito dele por mim pode ter diminuído devido aos acontecimentos recentes, mas com certeza ainda tenho autoridade suficiente... Ele precisa ficar na ponta dos pés de novo para me beijar. Só um leve toque dos lábios dele nos meus, casto o bastante mas com a indiscutível oferta de mais. O sussurro dentro de mim, bem mais fraco do que antes, da magia chamando pela magia. Será que esta é a sedução dele, todo poder e mistério e sua singularidade? Eu sei que irei pagar por outro beijo com os piores arrependimentos e que não posso mais me dar ao luxo de permitir que Potter me marque tanto quando não posso marcá-lo. Mas ele cerra os olhos, e eu o beijo, saboreando o momento. Com certeza tenho direito a alguns poucos momentos como esse?

- Senti você sonhando - ele diz, sem afetação em sua voz sedutora. - Foi bom.

Bom, outra vez. A palavra que resume tão bem tudo o que eu não sou. Se ele veio aqui à procura disso, partirá amargamente desapontado.

- E então você veio me acordar. - Sinto o corpo dele ficar tenso sob minha mão. Talvez eu esteja segurando-lhe o braço com muita força, ou talvez ele tenha bom-senso o bastante para saber o que está pedindo. Se não fosse pela laranja, seriam duas mãos, e eu poderia sacudi-lo até que ele entendesse. Inconveniente. - Muita consideração de sua parte.

- Não agüento isso! - o espelho uiva, e Potter estremece sob minha mão, trazido de volta à realidade pelo choque, mas, nesse processo, conseguindo se aproximar de mim em vez de recuperar o bom-senso. Seu quadril roça em minha coxa e não há nenhum lugar para a minha mão com a laranja descansar a não ser nas costas dele.

- Você consegue fazer ele parar? - ele pergunta, e se vira o suficiente para que o brilho da lareira ressalte-lhe o cenho franzido. - Não quero que ele fique assistindo.

- Oh, que bondade sua!

- Assistindo? - Se ele planeja fazê-lo, então pode muito bem pedir por isso.

- Nós. - Ele evita meus olhos, mas puxa a frente de minhas vestes. Uma súplica. Uma promessa. Um plano. Todos os três, acho. - Nós, juntos. - Ele transforma minhas entranhas em água com sua ousadia. - Por favor.

- Potter... - Não. Eu não consegui atingi-lo dessa forma. - Harry. - Há poder em um nome, e Potter pertence ao pai dele. - Diga-me por quê.

- Alto, misterioso e sombrio: como não se apaixonar?! - Potter agarra minha laranja e acerta o espelho. Ele não passou seis anos jogando Quadribol para nada: sua precisão com objetos redondos pesados não deixa nada a desejar. O espelho colide contra a parede de trás e a laranja cai ao chão. - Ai!

- Desculpe. Mas cale a boca! Isto é importante! - Ele ergue os olhos para mim, em dúvida sobre como vou encarar tal ímpeto contra meus bens. Ouso dizer que ele quase desmaia ao me ver rindo. Sem nenhum som. Não um riso de verdade; devo ter esquecido agora como é que se ri. Mas ele não tem como confundir meu divertimento com nada mais. - Por favor, não ria de mim. - Ou talvez possa. Parece que a coragem está abandonando-o. - Por favor.

- Ele está rindo de mim - resmunga o espelho, em tom insubordinado. - Ele está louco por você.

- Creio que você deixou meu espelho com ciúmes. Estou impressionado. - Potter fica de lado quando me mexo. Não consigo ver a laranja no escuro, mas deve ter rachado: o aroma fresco sobe para me saudar de algum ponto do chão. - Devia haver uma lei contra encantamentos ambiciosos demais, você não acha? - O espelho resmunga sinistramente quando pego o primeiro pano à mão (minha camisola) e cubro-lhe a face.

- O seu espelho está apaixonado por você? - pergunta Potter, sua voz apenas um murmúrio. Parece duvidar.

- Ele não possui cérebro. Nenhuma capacidade de raciocínio ou de tomada de decisões. Deve ser desculpado por sua falta de bom gosto. Você, por outro lado...

- Eu já lhe disse - despeja ele. Orgulho ferido? Embaraço? - Faz sentido aqui. - Ele bate o punho sobre o coração, depois o deixa tombar junto à lateral do corpo. - Como você salvando minha vida quando preferiria me ver morto. Nem sempre há uma resposta! - Tanta dor. Eu me pergunto quem mais o terá visto assim, no limite do autocontrole e em conflito entre o desejo e a dúvida de si mesmo. - Não importa. Eu sei o que quero.

- E o que eu quero? - Seguro firme a coluna da cama, o apoio mais próximo. - Como é que fica?

- Estou aqui para descobrir. Não o que você acha que é certo - ele prossegue rápido, enquanto minha resposta ainda está se formando em meus lábios - ou o que acha que devia fazer. O que você quer.

Por mais equivocado que seu comportamento tenha sido às vezes, ele sempre assumiu a responsabilidade por suas ações. Sempre. Pode estar assombrosamente equivocado agora, mas não está tateando no escuro. Ele conhece a própria mente; isso é muito claro. E o que eu quero? Saber que ele está aqui por desejo e não por desespero? Isso seria um começo. Não estou acostumado a encarar a vida em termos do que eu quero. Mas creio que Potter sabe disso.

- Venha. - Eu me sento, devagar, escolhendo a ponta da cama. Parece menos uma capitulação, assim. - Venha cá. - Até neste momento, em tal encruzilhada, meio que espero que ele tome o outro caminho. Ele vem até mim e se senta. Perdido, como deveria estar. - Olhe para mim. - Quase não há luz suficiente, mas preciso ver por mim mesmo. - Olhe atentamente para mim, de perto. Faça a escolha certa. - Tenha certeza do que vai ganhar, garoto. Algumas coisas não podem ser desfeitas e o remorso pode durar uma vida. Não me importo de ser a pessoa que vá lhe ensinar isso. Ele olha, o rosto solene e estremecendo de nervosismo. Estuda meu rosto e meus olhos. Então se inclina para mais perto e vira o rosto para um beijo, e eu o dou, minha mão segurando-lhe a nuca. Ele tem gosto de laranja.

Ele quer tudo e ainda assim parece saber tão pouco, e o entusiasmo cru não vai nos levar mais longe do que isso. Permito que as mãos dele mexam em meus botões, confiante de que ele está tremendo demais para apressar a tarefa. Eu também era assim? Faz tanto tempo que os detalhes se esvaíram e as lembranças adquiriram formas indistintas. Quem e onde, quando e até mesmo por quê, mas nenhuma clareza. Nenhum gosto ou textura. Redescubro um pouco disso com os movimentos vagarosos de nossas bocas - guiando-o como fui guiado, beijando-o como fui beijado. Ainda conheço os passos, não tão enferrujado quanto pensei para me mover e modificar o corpo de outro. Não conto quanto tempo faz; jamais contei os dias vazios de meu tempo sozinho. Ele tem diversas roupas Muggle sob as quentes vestes de inverno. Um blusão que dá ao corpo a ilusão de algum volume, mas adivinho que, sob ele, ele ainda é como o salgueiro - esguio e flexível. Macio, também; imagino que ele deva ser macio, pelo menos do pescoço até a junção das pernas e então... e então. Longe demais para uma noite, para o garoto que sente tudo de forma tão profunda. Começo com o pescoço, e ele me dá acesso, a cabeça inclinada para trás, expondo-o a mim. Talvez eu não tenha sido o primeiro a descobrir o prazer de seus lábios, mas aqui estou em terreno virgem. Ele exprime seu prazer sem quaisquer palavras, atento o bastante agora que tem um real interesse no assunto em questão. Aposto que aprende rápido, também, e que irá aprender a amar com a mesma facilidade estonteante que demonstra nos ares. Nasceu para isso. Parece perder o interesse em meus botões e se contenta em se agarrar a meus braços, sorvendo de todos os prazeres que estou disposto a lhe oferecer. Não paciente, mas dócil. Confiando em mim. Que deposite essa confiança em mim, entre todas as pessoas, me espanta. Mal consigo me convencer de que isso não é mais do que outro sonho patético, as reviravoltas de uma mente excitada em demasia e uma consciência em guerra com uma vida de mentiras. Eu me pergunto o que ele sonha. Potter. Harry. Se vou desfrutar de seu corpo, então devo me acostumar ao som de seu nome. Por enquanto, é estranho.

- Um momento - sussurro, quando os músculos que fazem os beijos funcionar começam a protestar. Usados demais, depois de usados de menos. - Você vai se machucar. - Os dedos dele estão cravados em minhas vestes, rígidos de tensão. - Ou me machucar. - Isso faz os dedos afrouxarem. Ele sacode a cabeça, forçando os cabelos revoltos às suas habituais linhas indefinidas.

- Desculpe. - A voz dele me excita de um jeito que seus beijos não conseguem. Ele sopra as palavras com força, por causa do desejo. - É... - Não quero silenciá-lo, mas ele tem de descobrir que palavras são inadequadas para as coisas que ele precisa dizer. - Difícil pensar. Eu me lembro... de antes... e sinto agora. E... - a frustração dele avança e eu o sinto outra vez, aquele contato, aquela comunhão intangível. Vem dele e passa através de mim; uma muralha de energia. Ele ofega, lutando para chegar mais perto de mim, os braços enlaçando-me o pescoço e apertando-o. Sua face queima contra a minha. - Oh, Deus. É isso.

Eu me pergunto, foi por isso que ele veio? Faria mais sentido do que uma súbita fascinação pelo meu corpo. Não sou nenhum colírio para os olhos, mas isso... Nunca soube de nada parecido. É...

Quão tolo, hesitar com uma palavra tão pequena. As pessoas supõem que eu seja forte. Consigo olhar dentro dos olhos do Lord das Trevas e agüentar sua fúria. Com certeza posso usar uma simples palavra...

- É... bom. - Os braços dele apertam mais ainda e o contato se aprofunda. Parece que a minha cooperação é necessária, afinal. Ou será o meu controle? Será que ele é jovem demais, inexperiente demais para tomar para si o que quer, ou simplesmente não quer? Conheço a tentação de tomar tudo o que possuo, cada partícula de poder, e liberar para a minha própria gratificação. Conheço, também a vergonha e o arrependimento. E não tenho nem a metade do poder de Harry Potter.

Com cautela, resisto ao contato e sinto-o estremecer. Sinto a excitação dele fluir para mim para além de todos os sentidos normais; com mais profundidade e com tanta clareza. A consciência da presença dele vem em fragmentos, atordoante e desconcertante, embora eu não saiba dizer se porque ele está atordoado e desconcertado ou porque precisamos trabalhar para aperfeiçoar e controlar isso. Tenho de me soltar de seus braços antes que se esvaia. Ele geme, mais diante da forma como lhe agarro a cintura do que pela rejeição, acho, e se afasta.

- Eu sabia que conseguiríamos - ele se esforça para dizer, ofegante. - É tão forte!

- Inútil como arma, todavia. - Ele leva longos instantes para perceber que não estou falando sério. Palavras e gestos parecem desajeitados após aqueles relances de absoluta precisão, mas estendo a mão e abro-lhe as vestes, empurrando-as para os ombros e vendo-o perceber, devagar, que precisa cooperar. - Precisamos encontrar uma forma melhor de ter acesso a esse seu dom antes de experimentá-lo em Voldemort, você não acha? - Ele sorri em busca de uma resposta, seu relaxamento fazendo os últimos fios de contato interior retrocederem. Um fascinante assunto para estudo, seja ou não de uso prático em uma crise. Ele espera pela minha deixa, minhas mãos erguendo o blusão dele, antes de tomar tento e arrancá-lo de si. Ao jogá-lo ao chão junto com suas vestes, lança um olhar nervoso para o espelho enquanto eu estudo o emblema brilhante de sua camiseta. Algo importante para um garoto criado por Muggles, estou certo, mas que não significa nada para mim.

- Ele pode... nos ouvir? - sussurra ele, acanhado diante de um objeto encantado.

- De certo modo.

- Ele não vai... Quer dizer, se alguém mais vier aqui, ele não vai contar? - Ainda com a idéia de que costumo chamar meus Slytherins ao meu quarto. E por que não, dadas as circunstâncias? Por que pensar que tenho mais discrição com qualquer outro aluno do que tenho mostrado para com ele?

- Ninguém mais vem aqui. - Talvez ele tenha razão, contudo. Um espelho falante poderia ser considerado um fator de risco para um homem na minha posição. Recupero a plena atenção dele erguendo-lhe a camiseta, introduzindo meus polegares por baixo do tecido. Desta vez ele espera que eu complete a tarefa, inclinando-se para a frente e estendendo os braços para que eu possa tirar-lhe o traje elástico pela cabeça. Minha primeira visão de seu corpo nu, então, é de suas costas: os claros sulcos da espinha e músculos firmes, discretos. Ele é esguio, como pensei, mas não tão doentiamente magro como imaginei. A escola o alimenta bem o bastante, afinal. Ele fica tímido de imediato, aprumando-se para olhar para mim, mas segurando a camiseta amontoada no colo. Jeans de brim muitos tamanhos maiores do que ele e afivelados firmemente à cintura escondem bem sua ereção, mas ele foi exposto. Seus prazeres não mais privados - a abrupta compreensão de que ter um amante significa compartilhar ousadamente o que sempre foi um segredo e se expor, vulnerável e nu, a um escrutínio completo. Saboreio-lhe a hesitação, o rosto ruborizado e o sorriso incerto. Deixo-lhe a camiseta como um escudo e busco-lhe as costas para passar a ponta dos dedos por sua espinha, mas ele não reage como eu previra. Continua paralisado, o olhar dardejando entre suas mãos cruzadas e meu rosto.

- Quer parar? - Ele precisa ter essa escolha, sempre, e não ter nenhuma dúvida disso. Assim posso vender a mim mesmo a mentira e acreditar que não sou tão pervertido. Que não sou o monstro de meus pesadelos.

- Não! - Nenhuma hesitação. Duvido que tenha sequer pensado na pergunta. - Não. Eu só... não sei o que devo fazer.

Como se isso fosse algo de que se envergonhar.

- Se quiser esperar até que a srta. Granger o ajude na biblioteca, tenho certeza de que encontrará...

- Há livros sobre isso? - Ele estremece; o tremor é agradável à minha mão. Prova suficiente de que ele tem passado pouco tempo na biblioteca. É claro que há livros. Hogwarts nunca nega conhecimento a seus estudantes, em qualquer assunto, se eles estiverem decididos a encontrá-lo. - Tem lição de casa, também? - O tom dele me deixa com certa raiva. Por mais que eu tenha sido duro com ele no passado, sempre houve um núcleo em seu ressentimento que não foi criação minha. Uma desconfiança baseada em nada mais do que um primeiro olhar trocado entre nós, que tão facilmente se transformou em raiva. Sim, eu a alimentei, e generosamente (obsessivamente, até), mas não a causei e não posso apagá-la. Está sempre ali entre nós, quando os olhos dele brilham em desafio ou quando minha irritação extrai de mim palavras cortantes. Quando ele arruína alguma tarefa das mais simples em minha aula tão espetacularmente que acredito que ele o fez de propósito. Levei cinco anos para notar que Potter, Harry, não é o pai dele. Hábitos se tornam profundamente enraizados, em cinco anos, e confortáveis. Era confortável detestá-lo, assim como é estranho e humilhante...

Fazer o quê?

Desejá-lo. Querê-lo e permitir essa intimidade proibida por motivos tão egoístas quanto a minha crueldade anterior. Eu sei como não ser cruel, mas não sei como ser gentil. Parece-me que um homem deve procurar mais em seu primeiro amante do que não ser cruel, mas acho que Potter tem pouca base para comparação. Em silêncio, levo-o de volta para o que ele conhece. Os beijos, mais planejados do que antes, e mais equilibrados, já que ele devolve um pouco do que aprendeu e acrescenta um pouco de sua criatividade. Dentes, prendendo-se em meu lábio inferior e pegando-me de surpresa. Suas mãos, mais firmes com meus botões até ser capaz de enfiar os braços por dentro de meu manto. Ele nunca deixou de ter iniciativa. Suas demandas são mais atraentes que suas súplicas. Muito mais. Minha respiração acelera a cada beijo e com o jeito como as mãos dele me acariciam, nossos corpos separados apenas por uma camada de tecido fino. Gostaria que o tecido não estivesse ali, mas devo esperar e não tomar mais do que é dado. O gosto cítrico de sua boca foi substituído pelo sabor especial de beijos prolongados; meus lábios latejam, protestando levemente enquanto minha língua busca mais do mesmo. Parece que me lembro de ter pensado que um beijo poderia durar toda a noite, mas não contava com a impaciência de um jovem. O peito dele se eleva e suas mãos puxam minha cintura, buscando ritmo e proximidade de uma só vez e entrando no simples ciclo de estímulo, resposta, demanda. Ficar excitado com um beijo - esse é um detalhe de minha experiência de que ou me esqueci ou de que me desviei no caminho. Em minhas lembranças de mim mesmo, pareço menos jovem do que nunca. Faço-o parar pondo meus dedos sobre seus lábios e, como antes, como da primeira vez, ele beija meus dedos em lugar da boca. Achei que houvesse enfraquecido a um ponto vergonhoso, mas parece que construí uma pequena resistência à inocência dele. O bastante para que possa me levantar, jogar minhas vestes e manto ao chão e captar o forte aroma de laranjas vindo de algum lugar próximo a meus pés. Fico de camisa, mais armadura do que pudor. Alguma barreira física entre nós parece aconselhável quando ele já está praticamente nu e remexendo em seu cinto. Nenhuma hesitação, mas uma grande dose de incompetência. Ele não consegue fazer os dedos desempenharem a tarefa, provavelmente porque está também tentando remover os sapatos esfregando um pé no outro.

- Uma coisa de cada vez. - Como seu professor e protetor, a impaciência dele me cansa. Agora me encanta. Sapatos, depois cinto; funciona muito melhor assim, e ele me olha, enxugando as mãos nas coxas. Ele chega mais para o centro do colchão quando me aproximo de novo, tentando me seduzir, um tanto hesitante, e eu passo meu braço por baixo de suas costas e o deito. Ele arqueja; todos os seus músculos ficam tensos. Olha para mim como se fosse um estranho e então se acalma, algo caloroso se apoderando de seus olhos. - Você consegue enxergar alguma coisa sem eles? - Puxo-lhe a armação dos óculos sobre o nariz, perguntando-me se seria mais ou menos cruel privá-lo da visão. Exceto pelo rubor róseo do desejo, não consigo imaginar que prazer ele encontra em me ver claramente.

- Tudo bem - ele sussurra, e fica imóvel enquanto eu os removo e largo-os acima dos distantes travesseiros. - Obrigado. - Ele me segura por baixo dos cotovelos e me puxa para perto. Eu me pergunto se ele me quer mais perto para ver meu rosto ou se anseia pelo pleno contato. - É assim que a gente se sente?

Pergunta de criança.

- Assim como, exatamente?

- Como se eu não pudesse mais agüentar. Ali embaixo. - Resposta de criança. Será que ele imagina que esta noite o transformará em um homem? Meu criador me deu nervos de aço, mas eles estão temporariamente entorpecidos diante da inexperiência dele. Ele nem consegue pensar direito enquanto seu pênis arde. Devagar, ajeito-me contra os quadris dele, beijo-o de novo e seguro-lhe a mão esquerda com a direita quando ele a estende para tocar meu rosto. Há melhores usos para uma mão curiosa, e eu o guio, levando-lhe a mão para baixo até a junção de suas pernas e segurando-a ali junto com a minha. Seu arquejo se transforma em um grito quando eu o pressiono, movendo-lhe a mão contra sua própria ereção, resistindo à sua vacilante tentativa de retirar a mão de lá. Quando minha intenção se torna clara para ele, ele desvia a cabeça do meu beijo, a mão livre agarrando-me a nuca. A outra se curva sob a minha, acariciando a si próprio, e ele geme contra meu pescoço. - Não...

Na verdade estou fazendo muito pouco, mas o desafio com rápidos beijos no pescoço. Ele move a mão sob a minha, sua relutância se dissolvendo em face do desejo, e eu sigo o movimento da mão dele, não mais aplicando qualquer pressão. Leva só um instante até ele se entregar ao inevitável. Sem gritos, mas com rápidos arquejos; ele aprendeu a ficar em silêncio, senão a se controlar. Outro instante e ele se derrete sob mim, ofegando, afrouxando o aperto em meu pescoço e se virando para uma carícia tímida.

Uma camada removida, ele olha para mim com uma sombra nos olhos. Posso sentir a sombra dentro, também; ondas discretas de sensação que se tornam perceptíveis agora que estamos imóveis. Elas eram claras antes, e agora escureceram, embora eu não tenha suficiente profundidade de percepção para distinguir entre dor e intensidade. O doce rubor nas faces dele me tenta, mas eu o deixo avaliar a situação. Quando a pausa se torna dolorosamente longa, ele se sacode para afastar o estupor e sorri, dissolvendo minhas preocupações.

- Continua bom. - Minha consciência de sua presença cresce, mais calma do que antes, e procuro uma forma de responder. Não encontro, mas isso não afasta a possibilidade de que eu possa aprender. Todos os magos compartilham a mesma constituição em seu cerne, e a fraqueza pode se transformar em força com suficiente tempo e prática.

- Consegue saber o que estou pensando? - Ele sacode a cabeça, não tanto uma resposta à pergunta quanto uma completa rejeição. - Sentindo? - Deus não permita que ele seja capaz de olhar lá dentro e ver esse confuso tormento. Excitação versus responsabilidade, desejo contra bom senso. Prazer contra objetivo. Minha avançada idade contra a pouca idade dele. Estou em guerra.

- Não com isso - diz ele, seu sorriso se transformando lentamente em algo malicioso. Ele reforça brevemente a fraca conexão. - Pela sua cara, você está puto. - O sorriso de novo. É enlouquecedor, em combinação com o cheiro de sexo e aquelas faces sempre róseas. Com certeza o rubor do prazer irá desaparecer logo, para que eu possa vê-lo claramente outra vez?

- Acho que é melhor você trocar de óculos. - E tomar cuidado com o que diz. Dumbledore iria olhar para você daquele jeito, por usar uma linguagem como essa com o seu professor...

- É melhor sem, para beijar. - Será que ele sabia disso quando chegou ao meu quarto ou aprendeu aqui? - Eu conheço essa expressão no seu rosto. Você olhou para mim assim na aula, no primeiro dia.

Ah, sim. Quando eu quis colocar as mãos ao redor de seu pescoço fino e estrangulá-lo por sua insolência, ou só por estar ali. Como chegamos tão longe? Não gosto de ser desequilibrado por forças externas. Especialmente não na forma de um aluno.

- Está ficando tarde. Talvez seja melhor você voltar antes que dêem pela sua falta. - Sem muita convicção, no mínimo, já que não faço nada para soltá-lo.

- Só tem Neville lá. Ele não vai perguntar. - Com Longbottom como seu único colega de turma durante os feriados natalinos, é de estranhar que Potter procure outra companhia a qualquer custo? - Por que você odeia Neville? - Algo em meus olhos, sem dúvida. Um tom mais profundo de "puto"? A percepção dele me enerva. Certamente não revelo tanto que todos possam ver? Levo a mão ao rosto dele e acaricio-lhe os lábios de novo, mas seu estremecimento de prazer só nos distrai por um momento.

- Creio que irei puni-lo se usar essa palavra outra vez, Potter.

- Neville? - Ousado e rápido. Ele não tem medo de mim.

- "Odeia". Longbottom é uma criatura inútil que não irá significar nada no mundo mágico e que desperdiça o tempo de qualquer professor infeliz o bastante para ensiná-lo. Não gosto dele, nem o odeio. Só me ressinto de ter de desperdiçar meu tempo com ele.

- Você conhecia os pais dele. - É a vez dele acariciar meus lábios, suavizando o que soa como uma acusação e transformando em algo que poderia, talvez, ser interpretado como uma expressão de preocupação. - Você estava lá quando...

- Também me recuso a ser interrogado. - Como ele ousa sequer pensar no que eu não ouso? - Se não vai embora, então durma. Tenho trabalho a fazer. - Uma pura e simples mentira. Espero que ele não consiga detectar isso antes que eu seja capaz de me fechar para ele. Romper todo o contato físico parece o caminho mais curto para romper o outro, mas a relutância dele dura um instante a mais do que eu gostaria. Será que ele sequer compreende que poder ganhou aqui, esta noite? Agarro minha varinha e ajusto o fogo para uma intensidade normal enquanto passo. Talvez se estiver quente, além de saciado e cansado, ele adormeça mais cedo. As toras flamejantes enchem o quarto com um vivo estalido e crepitar, e o cheiro tentador de laranja é eclipsado gradualmente pelo cheiro de madeira queimada. Mesmo quando estou em minha escrivaninha e tentando com esforço me ocupar com a pena, ele me observa. Vira-se e senta de frente para mim na beirada da cama. Há um breve puxão dentro de mim quando ele tenta restaurar o fluxo de consciência. Fuzilo-o com os olhos.

- Pare com isso.

- Sinto muito.

- Deve mesmo sentir.

- Eu quis dizer por perguntar.

- Eu também.

Bem mais ao estilo de nossas conversas habituais. A mediocridade daquilo me deixa tenso e zangado. Por que ele não deveria perguntar? Se eu posso admiti-lo em minha cama, então por que não em meu passado? Inclino-me sobre o pergaminho iluminado pela vela, mergulho a pena e formo meticulosamente a palavra "hipócrita". Quando ergo os olhos a seguir, ele está inclinado sobre a cama e abrindo o zíper do jeans. Não posso evitar olhar, pelo menos para descobrir o que estou perdendo. Quando ele me pega olhando, digo a primeira coisa que me vem à cabeça.

- O que está fazendo?

- Preciso me lavar - resmunga ele, trocando o aborrecimento por outro momento de embaraço. Passei toda a minha carreira como professor descobrindo formas de fazer os pequenos corarem até o dedão do pé. É mais do que desconcertante que eu ache o rubor desse garoto sexualmente excitante. E por que notá-lo agora? Ele sempre foi um dos mais desafiantes, dos mais teimosos, mas eu o reduzi ao silêncio de faces rosadas em diversas ocasiões e não caí vítima de incontrolável desejo.

- Certo. Ali. - Atrás de mim, a porta do banheiro, oculta por uma velha cortina desfiada que pretendi substituir desde o dia em que me mudei para cá. Coisas triviais; parece não haver tempo para elas. Tive bons motivos, antes, e agora, mas não sei que desculpa dar quanto aos muitos anos entre os dois extremos. Os anos em que Harry Potter estava crescendo. Ele passa por mim, meias e cuecas e ombros curvados, e há muito cuidado no modo como evitamos olhar um para o outro.

Ele fica em silêncio no banheiro por tanto tempo que começo a me perguntar se estará mesmo lá e o que estará aprontando. Então ele gira uma torneira e o som de água correndo rápido se arrasta por quase tanto tempo quanto o silêncio. Será que ele está doente? Chorando? Nunca vi Harry Potter chorar; apenas uma vez provei suas lágrimas no escuro. Será que de repente ele não consegue mais me encarar, percebendo enfim plenamente o que fizermos? Largo a pena, virando um pouco em minha cadeira para olhar para a cortina. Estou a ponto de chamar por ele, procurando as palavras adequadas, quando ele sai. Ele está completamente coberto pelo meu roupão; uma leve cobertura contra o gelo das masmorras para mim, mas comprido e asfixiante para ele. Ele parece ridículo. E embaraçado, como se sentisse que talvez tivesse tomado liberdades demais ao fazer aquilo. Se ele não parecesse tão cativante, segurando a barra para não tropeçar ao andar, talvez eu achasse que sim.

- Lavei as minhas...

- Tudo bem. - Será que pareço tão velho que ele acha que não me lembro de quando tinha dezesseis anos? Eu me lembro. - Um feitiço funcionaria melhor.

O rosto dele passa da ansiedade ao embaraço moderado.

- Às vezes não sou lá essas coisas como mago.

Vestido desse jeito, realmente não.

- Trouxe sua varinha?

- Não. - Mais embaraço ainda. - Eu sei - ele se apressa em dizer, antes que eu possa começar. - Dumbledore diz que nunca devemos andar sem nossas varinhas.

- Você, em especial. Vivemos em tempos perigosos. Você ainda não é tão poderoso para poder se defender sem uma varinha. - Será que os pais dele estavam armados quando Voldemort os matou?

- Cuidado - ele diz, mais triste do que sarcástico. - Desse jeito até parece que você se importa.

Entendo que seja possível confundir minha habitual reserva com uma falta de preocupação, mas eu achava que o número de vezes em que salvei a vida dele provava que desejo o melhor para ele. Eu o tenho protegido, mas se ele busca gentileza como prova... Volto-me para minha escrivaninha e pego a pena.

- Se pretende me modificar, posso lhe assegurar que está perdendo seu tempo. - Ele sabia o que estava comprando; o que eu sou e o que fui. Talvez seja apenas a minha recusa em torná-lo meu confidente que o tenha magoado, ou simplesmente porque não lhe fiz as vontades. Ou talvez tenham sido necessários esses beijos e carícias e dez minutos no banheiro para ele compreender o que havia feito. - Ninguém jamais conseguiu me mudar. Nem Voldemort, nem Dumbledore, e certamente não você.

- Hipócrita. - Experimento um instante de pura e absoluta fúria antes de compreender que ele está lendo por sobre meu ombro. - Você ou eu? - Ele coloca as mãos em meus ombros, e sinto suas mãos geladas pela água através da fina camisa. Felizmente para nós dois ele não espera uma resposta. - Você não trabalhou muito. - Ele puxa meu cabelos para trás e desliza as palmas pelo meu peito.

- Já não teve o bastante por um noite? - Como se estivesse falando com uma criança saciada de doces. Como se "bastante" fosse um conceito que um garoto de dezesseis anos pudesse absorver em referência a sexo. Se apenas ele fosse tão entusiástico assim em relação a Poções!

- Você está sempre me dizendo que devo fazer as coisas do jeito certo. - Mais uma vez, ele me poupa da necessidade de responder, e sua carícia de despedida, a palma aberta sobre meu mamilo direito, faz com que eu tenha de lutar para ficar parado. Ele volta para a cama e por um louco instante acho que ele vai me obedecer indo para a cama dormir. Em vez disso, ele contorna a cama e puxa a minha camisola do espelho.

- Ele é sempre assim? - pergunta ele.

- Sombrio e rabugento? É sim! - O espelho muda para um sussurro conspiratório forte o bastante para chegar ao andar de cima. - Ele é bom de cama, então?

A expressão de Potter lembra um pouco a minha da primeira vez que o maldito me deixou sem fala. Ele o cobre de novo, às pressas.

- Se você quer saber detalhes da minha personalidade, sugiro que converse com Dumbledore, ou com seu padrinho, e não com objetos inanimados.

- Sirius acha que você é um... - Ele pensa melhor e desiste de falar, mas não importa. Posso inserir as palavras de minha escolha em nome de Black. - Mas você não vai me contar sobre isso também, vai?

- Você consegue explicar a aversão que sente pelo sr. Malfoy? Houve um momento sequer em que você poderia ter se tornado amigo dele? Consegue imaginar-se fazendo as pazes com ele depois de tudo o que se passou entre vocês?

- Acho que não. - Ele parece desconfortável com a comparação. - Mas eu tenho opinião própria a respeito das pessoas. Não penso como Sirius pensa. - Ainda bem, já que doze anos em Azkaban deixaram o padrinho dele instável, para dizer o mínimo. Posso ter odiado o sujeito antes, mas pelo menos ele era são. - Eu sei o que Dumbledore pensa de você também.

- Tenho minhas dúvidas. - Quem pode saber o que Dumbledore pensa? Largo a pena e viro a cadeira um pouco, a curiosidade se apoderando de mim. - Talvez eu fique com a impressão de que veio aqui em busca de informação, sr. Potter.

Os olhos dele brilham de raiva, e isso me excita. Ele dá dois passos em minha direção antes de parar, os punhos cerrados nas laterais do corpo.

- Você sabe por que eu vim. - A raiva lhe traz lágrimas aos olhos, difíceis de não serem notadas na ausência dos óculos. - Vai me dar o que quero ou não?

- Algumas coisas precisam ser tomadas em vez de dadas. - Essa voz é minha mesmo, esse ronronar suave, esse desafio? Soa a sedução. Em que me transformei?

- Boa cantada! - grita o espelho debaixo da camisola. Vejo Potter procurar ansioso por mais alguma coisa para jogar nele, eriçando as costas, mas em vez disso ele vem em minha direção e se senta desajeitadamente em meu colo, metade do corpo sobre mim e um joelho apoiado na cadeira, a meu lado. A cadeira não parece muito feliz com isso, mas eu não tenho de que me queixar. Desamarro o cinto que prende o roupão em sua cintura e enfio as mãos por baixo. Pele nua, em todo ele, e ele arqueja contra minha testa. Deslizo as palmas de seus quadris até as omoplatas e depois desço outra vez, até embaixo, acrescentando uma suave lamúria às minhas descobertas de seus sons íntimos. Ele tenta relaxar em meus braços, mas ambos somos altos demais para encontrar uma posição confortável em uma única cadeira de madeira. Pena. Aprecio a iniciativa dele mais do que ele possa imaginar.

- Me leve pra cama - ele murmura em meu ouvido, compensando o fato de que seu joelho ossudo está machucando minha coxa. - É tudo o que quero. Foi por isso que vim. - Seus lábios depositam um beijo quente embaixo do lóbulo de minha orelha. - Não vou fazer perguntas. - Uma concessão e tanto da parte dele, imagino. Minha vida se tornou uma seqüência de extremos improváveis; não admira que brotem perguntas das meias verdades que ele tem coletado sem a minha assistência. Da depravação à negação, das trevas à luz. Do celibato indiferente a um súbito gosto por garotos adolescentes. Nunca andei pelo caminho do meio, em nada. Mas ele também não. Ele é... agradável. O verão o transformou de menino em jovem, mas olhando de perto a linha ainda está indefinida. Ele carrega novos fardos; verdades e perigos para os quais é muito jovem. Se ele pode enfrentá-los, então por que não os prazeres e as escolhas que vêm com eles? Levanto-me, fazendo-o deslizar de cima de mim e desfrutando do momento em que nossos corpos se comprimem um contra o outro. Ele encontra meu traseiro e o segura com ambas as mãos antes de recuperarmos o equilíbrio, e não larga. Muito agradável, afetuoso e disposto, carinhoso e aberto. Uma boca perfeita para beijar, e ele me quer. Por mais que eu me preocupe em negar e ridicularizar o fato, por tudo o que faz dele um tolo, ele obviamente me quer, e um homem tem o direito de ser um tolo, se escolher. Puxo-lhe o roupão dos ombros, e ele deixa os braços caírem de lado. Poupo-lhe de um longo escrutínio inclinando-me para beijá-lo e vê-lo, em vez disso, com minhas mãos. Ombros e costas, músculos bem definidos mas não salientes; quadris esguios, o local sobre o osso respondendo poderosamente à mais leve carícia de meus polegares. Ele arqueja. Sim, ele é agradável. Fica excitado tão facilmente, a ponto de eu poder dizer a mim mesmo que é mais do que só juventude, que em parte sou eu que causo aquela respiração ofegante e aquelas mãos ávidas. Ele quer. Eu quero. Isso devia ser o bastante para permitir nossos prazeres.

- Ande. - Dou-lhe um empurrão nada gentil na direção da cama. A escolha é dele. Martelo isso em minha mente ao segui-lo, tirando a camisa. A escolha é dele. Largo a camisa atrás de mim, minha atenção fixa em Potter quando ele ergue os lençóis e desliza para baixo deles. Sua única hesitação parece ser o resgate de seus óculos do local onde caíram, entre os travesseiros. Eles são cuidadosamente colocados ao lado, sobre o presente de Natal que ganhei de Dumbledore. Este está ainda embrulhado e aguardando a minha atenção; um momento que parece bem distante. A mão de Potter treme um pouco ao desempenhar a tarefa simples. O tremor não é de medo, estou certo. Ergo-me e olho, tentando vê-lo inteiro; cabelos negros, sorriso incerto e pele quente cor-de-rosa preenchendo a metade da cama que em geral fica vazia. Dispo as calças também e tiro-as do caminho. O olhar dele passa por todo o meu corpo e pára não em minha virilha, mas em meu braço. Será que agora, com o pior de meus segredos desnudado a ele, ele duvida de sua escolha? Junto-me a ele na cama antes que ele possa observar por muito tempo. O escrutínio me deixa envergonhado, não pela nudez, mas pela verdade e o passado. Ele logo busca a intimidade, prendendo-me entre seus joelhos e empurrando-me contra a cama, e seus dedos encontram a Marca. Os olhos dele não se afastam dos meus. Ele parece menos frágil, inclinando-se sobre mim desta forma, segurando-me com tanto desejo. Ele parece menos jovem.

- Dói? - Aperta a Marca com mais força, a ponto de suas unhas marcarem a pele. Sacudo a cabeça, grato quando a atenção dele se desvia e a mão busca um encontro mais agradável. Meu tórax, meu pescoço. Ele se estende e me beija, nosso primeiro beijo compartilhado na nudez, agora com ele deslizando entre minhas coxas. Qual de nós possui o outro, deitados assim, eu não sei dizer. Minha própria excitação vem do beijo, erguendo-se do ritmo paciente de nossas bocas; do calor entre minhas coxas e do gosto do proibido. Eu sempre gostei demais disso, mas achava que estivesse curado. À medida que os lençóis se aquecem com nossos corpos e se tornam mais maleáveis a nossos movimentos, sinto o seu primeiro sussurro; Harry, da minha cabeça ao coração, a sensação ultrapassando a proximidade dos corpos e o compartilhar dos beijos. Eu preciso tê-lo. O contato que se expande dentro de mim me lembra de que ele já me tem. Sempre um preço a pagar por desfrutar do que é corretamente proibido, tanto para o prazer quanto para a escuridão. Eu o movo, giro-o, aperto-o contra os travesseiros cerrando as mãos em torno de seus pulsos. Sinto exatamente o que posso ver em seu rosto e em seus olhos: uma combinação de emoção e paixão que nega todas as palavras, reverberando através de mim sem que eu veja, mas com tanta clareza como o que vejo diante de mim. Sem nome, óbvia e sincera. Um homem fraco poderia se afogar em tal momento, mas eu sou mais forte. Creio que ele também é. Fecho meus olhos, sondando a coxa dele entre as minhas; meu próprio controle físico assim como minha capacidade de controlar a conexão. Sem avistar-lhe os olhos ela se enfraquece de imediato, mas então ele luta, tentando libertar os pulsos, e seu ímpeto reforça a presença dele dentro de mim. Um dom e tanto, se apenas ele soubesse para que serve, ou como usá-lo. Deixo-o se soltar, deixo-o escolher. Ele me puxa para baixo, mais forte do que parece. Talvez haja, afinal, algum mérito em sua obsessão por acrobacias em cima de vassouras. Força e velocidade, precisão e inventividade. Pensamento rápido e confiança para tomar decisões em um átimo de segundo. Alguma dessas qualidades ou todas elas podem salvar-lhe a vida nos dias vindouros. Ele me beija, e eu me entrego ao beijo, mas este logo se torna amargo. Nenhuma dessas qualidades ajudou o pai dele a se salvar.

- Não pense coisas ruins. Não agora - diz Potter com delicadeza, segurando meu rosto entre as mãos. Eu a criança aprendendo a andar, e ele o meu guia. Perverso. Irônico. Ele aprova meu sorriso e, enquanto a preocupação ressoa como uma vibração opaca em meu peito, a aprovação brilha em meu crânio. Jogo de palavras e racionalização para o que jamais será nomeado ou verdadeiramente descrito, nem pelos poetas, nem pelos cientistas. A conexão está sentindo sozinha e, a se julgar pelo arrebatamento no rosto dele, ele a entende melhor do que eu. Ele está se movendo, forçando movimentos em mim. Dentro, nossa consciência recíproca se aprofunda e chega ao auge da incerteza e da satisfação. Fora, apenas movimentos rápidos, suor e uma troca de sons. Contra a coxa dele. Bom... Tão bom. Eu gozo, e ele grita, encobrindo minha própria reação. Muito forte, muito rápido. Um final que mergulha tudo na escuridão e me deixa completamente à mercê dele. Ele me segura com os braços, ainda perseguindo os últimos tremores lá dentro. Eles são inatingíveis e se esvaem rápido. Sinto minha mente doer, e a persistência dele começa a machucar.

- Pare... Eu não agüento mais... - Minha voz, mais estranha do que nunca. Não consigo resistir aos pensamentos dele e preciso suplicar. Forçado por um garoto a suplicar. Eu devia agradecer porque a amabilidade é a principal força dele. A tempestade estonteante de sentimentos se acalma, mas duvido que ele seja capaz de terminá-la completamente antes que nos separemos. Não consigo me mexer.

- Isso foi um tanto demais - diz ele, ofegante, minimizando meus próprios sentimentos com perfeição. Não sei dizer se ele encontrou seu próprio prazer naquele redemoinho ou se apenas ecoou o meu, mas ele sorri e puxa minha cabeça para o seu ombro, tão despreocupado quanto estou destroçado. Não gostaria de ter dezesseis anos de novo nem por todo o ouro do mundo, mas invejo-lhe a adaptabilidade da juventude. Há muito tempo deixei de ser flexível o bastante para fazer pouco de tais sustos.

- Você pode matar alguém com isso - resmungo junto a seu pescoço, e ele se sacode dando uma risada. Eu não estava brincando. É claro que já classificamos o talento dele como arma potencial; não admira que eu me sinta ferido e esgotado por ter sofrido seus efeitos. E de tão perto. - Espero que esteja satisfeito.

Ele dá de ombros. Obediência mais do que indiferença, acho, mas ele sai de baixo de mim. Até isso é sensação demais, e ele não vai longe o bastante para o meu conforto. Fica a meu lado, o pé ainda enfiado sob meu tornozelo e a mão sobre meu tórax.

- Você está bem? - A voz dele é uma mistura de diversão e preocupação nervosa. Lembro-me claramente de que ele prometeu não fazer perguntas. Terá de esperar por uma resposta até que eu mesmo a saiba. - Não machuquei você de verdade, machuquei?

Parece-me que eu é que deveria estar fazendo essa pergunta.

- Vai levar muito tempo até que eu me acostume.

- Isso significa que podemos fazer isso de novo? - Creio que ele queria soar arrogante, mas só consegue soar hesitante. Ele me machucou? E eu quis dizer aquilo mesmo? Não sei. Não deixei que meus pensamentos fossem além desse ponto; ele e eu, o instante após o impensável. Não mais impensável, com o corpo dele maculado e um novo e silencioso conhecimento em seus olhos.

- Se você quiser. - Minha capitulação é clara, desta vez, mas tais coisas nem sempre agüentam o teste do tempo. - Com um pouco mais de cuidado, se não se importa. - E isso soa como a aniquilação total. Meu tom irritado apenas arranca-lhe um sorriso. - E não esta noite - acrescento, às pressas, quando ele tenta me beijar de novo. Ele me beija mesmo assim, mas sem qualquer avidez. Mais de gratidão, e parece veneno aos meus lábios. A excitação física dele responde à minha pergunta anterior, ou talvez ele apenas seja insaciável, mas ele parece satisfeito. - Suponho que pretenda ficar? - Não tenho condições de obrigá-lo a ir embora.

- É, pretendo. - Ele se deita sem esperar permissão, dando um jeito de insinuar-se na dobra do meu braço.

Não digo nada.

 

Fim

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O original desta história, em inglês, Sins of Omission, pode ser lido aqui.