Paciência
Autora: Nym

Uma palavra tão simples. Uma sílaba, três letras. Dá para se falar de só um fôlego.

- Não.

Ele não entende isso, a mais simples das palavras. Ou talvez duvide de minha sinceridade. Eu lhe dei motivos. É preciso que eu corrija a palavra ineficaz.

- Não, por favor.

Se eu suplicar em vez de mandar, talvez ele escute. Ou talvez não. A sua rápida investida me empurra contra a parede. A longa ausência acrescentou-lhe centímetros suficientes para me beijar, quer eu resolva me inclinar e me submeter ou não e - oh, horror! - agora ele tem a altura certa para mim. Os quadris logo abaixo dos meus. A silhueta se amoldando à minha. Ficar na ponta dos pés é o bastante para que seus lábios alcancem os meus. Ele me beija e espera, prevendo tudo o que eu possa fazer para evitá-lo, mas, enquanto espera, coloca os óculos no bolso do manto novinho em folha. Espera que meus esforços sejam vãos, portanto.

- Não aqui.

Se não a recusa, então talvez a simples lógica o comova. Estamos em uma sala de aula. Eu sou professor. Ele ainda é, e sabe disso bem demais, um aluno. Mas ele tem o mundo a seus pés agora, é um herói, e o decoro não é um obstáculo. Minha mão se move com a dele, em simetria, e nós selamos a porta com um feitiço - selamos nosso pecado em segredo. E nos beijamos. Com suavidade, até doçura. Não nos mexemos, nenhum de nós, apenas desfrutamos. Ficamos ali, lábios se tocando, olhos e respiração traindo tudo. O "sim" em meu frágil "não". A gratidão em suas demandas ingratas. O conhecimento que compartilhamos, mais do que terrível, mais do que proibido. Tanto desejo. Eu cedo ainda mais e o tomo nos braços. A parede agüenta o meu peso e eu sustento o dele, recompensado com um beijo que é iniciativa só dele, e com sua presença entre minhas coxas. Ele se move, em sua paródia travessa de cópula, os lábios arrancando-me arquejos. Um dia esses movimentos inocentes, esse roçar contra mim em vai-e-vem, irão quebrar minha resistência, mas não hoje. Mais velho, maior, mais forte, eu lhe agarro os braços e o movo. As costas dele contra a parede. A cabeça roçando a pedra, as mãos procurando pelo lugar certo em minhas costas enquanto eu, em retruibuição, o ataco. Só beijos. Ele acha engraçado que eu não ouse tanto quanto ele. Não agora. Sempre nele a impulsividade, em mim a hesitação. Nosso padrão. Ele ainda reclama, em vão, quando meus lábios cobrem aquela cicatriz. Mais um símbolo do que uma sensação real. Seus cabelos, rebeldes como sempre, fazem cócegas em meu nariz quando eu contorno a forma do raio com a língua. Ele esconde a marca, símbolo de seu poder. É delicioso violá-lo de forma tão simples e completa; sentir-lhe a boca contra meu pescoço enquanto escuto, sinto e percebo o seu assombro. Para mim a cicatriz simboliza apenas teimosia. Não partir quando deveria. Não ser comum quando deveria. Não morrer quando deveria. Mais de um desses atributos é uma bênção, eu sei, mas experimentar o gosto dele me faz esquecer qual. Como ele me deseja, incendiando-me. A experiência me ensinou a medir e a conhecer o vazio nele, mas nunca a entender. Sei da sua profundidade, extensão e acima de tudo, impacto, mas não por que ele vem até a mim para buscar a satisfação. Não o que ele encontra em mim. Talvez eu nunca saiba.

- Rápido -, ele murmura, fazendo exigências sem um pingo de vergonha, esperando que sejam atendidas. Nunca cruel; mas eu sou. Prendendo-lhe os pulsos contra a parede, meu peso contra as suas coxas, eu sou cruel. Por uma vez na vida, ele terá paciência. Mesmo que eu precise lhe dar a minha. As pedras esfolam os nós de meus dedos e os pulsos dele, mas a sua luta não irá me mover. Mais da metade de minha vida já se passou sem que eu desperdice meu desejo em encontros medidos em segundos. Ganhei minutos, que ele me concedeu. Horas, mas não agora. Não aqui. Talvez logo eu o faça esperar horas por mim, até dias, mas por enquanto eu me contento com essa resignação momentânea. O modo como ele luta, de lábios cerrados, por autocontrole, o esforço que lhe custa tão mais do que o que aplicava ao prazer. Ele quer. Ele sempre quer e, mais do que isso, ele quer algo que lhe é negado. Eu entendo isso nele. Divido a culpa, mas com o tempo eu a dominei. Hoje não temos tempo para ele dominar nada. Ele sussurra quando meus lábios se afastam de sua boca; as palavras fluem enquanto desfruto-lhe do queixo, do pescoço, das faces ardentes. Ele me quer. Ele precisa disso. É o que ele diz, e repete sem parar, em um murmúrio cálido, o corpo se movendo ao ritmo das palavras. Sentiu saudades? Por que isso agora? Isso é novo, perturba o equilíbrio, mas, de alguma forma, ele deixa de notar. Seus olhos vibram, semicerrados, mal ocultando a tentação no verde sombrio. A oferta, feita em silêncio; a sua certeza calma de que, um dia - se não hoje, logo -, ele vai me ter em suas mãos. Minha rendição incondicional a seus encantos.

Não hoje.

Solto-lhe os pulsos para passar ao pescoço, o primeiro botão, deixando pequenas manchas de sangue em sua gola branca engomada. Nada que a magia não possa ocultar, embora o sangue nunca possa ser realmente apagado de nada em que toca. Meu sangue na brancura dele. Não é encantador e perfeito? Os próximos dois botões são arrancados, descuidadamente mas sem mais manchas de sangue, e ele ergue o queixo, antecipando beijos sob ele. Em vez disso, minha mão se encaminha para lá, cerrando-se suavemente ao redor do pescoço só para sentir-lhe a respiração e o pulso. A vida. Ele é forte. Teimoso, também. Um por um, os botões de minha camisa cedem à sua mão direita, enquanto eu, ao pescoço, me entretenho contando o pulso, a respiração e os botões. Os meus e os dele, mas devagar. Ele faz disso um jogo, desvelar cada novo centímetro de pele nua. Até parece que está aprendendo, afinal. A mão esquerda se insinua por dentro de meu manto, agarrando-me pela cintura, e ele ainda faz exigências. Só com os olhos, agora. Talvez também com a respiração. Sou seduzido por sua simplicidade, humilhado ao perceber que ansiava por ela sem mesmo reconhecer esse desejo. Será que sou tão cego, sem ele? Minhas mãos entram em guerra com o resto das roupas dele. Tudo novo, engomado e limpo para o novo ano. Mais um ano. Nossos olhos se encontram, compartilhando isso, mas nenhum de nós sabe o que significa. O futuro. Nem mesmo nossas próprias ambições. Não agora.

É assim. Dezessete anos. Estudo-lhe a nova forma com as mãos, a um passo da parede e pronto a empurrá-lo de volta para lá, caso precise lembrá-lo de como ser paciente. Um ajuste diferente, só isso. Meses e uns poucos centímetros não o tornaram um homem, nem os cabelos mais longos, mas o beijo me dá o que pensar. Ele retribui, faz suas próprias exigências, não mais esperando por aprovação. Experiente, agora? É isso? O manto, a camisa dele. Enviam-me um sopro quente de ar quando caem às suas costas. Ombros mais largos e sinais de terem visto o sol; a cavidade do pescoço parece mais profunda. Um corpo alterado pelo verão, mas a carne não trai segredos. O que mais terá mudado enquanto esteve enclausurado com o lobisomem? Será que devo perguntar, quando nem mesmo devia querer saber? Beijos, então. Muitos beijos, rápidos e firmes ao longo do pescoço. Consigo vencer a curiosidade, afogado em sensações corpóreas. Acreditar que as mudanças nele não me afetam.

- Senti saudades -, outra vez.

Um gemido profundo transformando o murmúrio em algo mais, com seu calor. As mãos, ambas, se infiltrando em meus cabelos, mas sem tentar forçar meus movimentos. Quem quer que tenha lhe ensinado, ele aprendeu muito. Meus dentes o fazem gritar. Surpresa, não dor, e ele quase nem é marcado. Como o sangue na gola, facilmente ocultável e, ainda assim, presente. Marcando minha passagem.

- Sentiu saudades de mim?

Nenhuma resposta a isso. Silencio-lhe a boca, segurando-lhe a cabeça e atacando-o impiedosamente até que tudo o que ele consiga fazer seja se agarrar a mim e, afinal, tremer. Aquele sopro de inocência em seu súbito estremecimento. Aha! As pontas de seus dedos deslizam de meu peito para a barriga, dedilham minha cintura, eletrizando-me com o contato insolente. Acompanha-me a silhueta, as formas, franzindo o cenho diante da falta de familiaridade e se esquecendo de beijar. Isto o deixa de boca aberta, desprotegida, quente e ávida. Mais tentadora do que ele imagina.

Sem desviar os olhos dos meus, ele começa, do botão de cima, a descer pela minha braguilha com a mesma falsa pretensão de paciência. E é uma falsa pretensão. A ponta da língua umedece os lábios, o lábio inferior é mordido e logo solto, e brilha um pouco. Prova visível do desejo que lança sobre mim, até ultrapassando o meu e me desequilibrando. A doçura dele, ao se ajoelhar. O medo. Novo. Isto é novo. Eu triunfo, minha mão indo descansar sobre sua cabeça. Não exijo nada além de paciência, mas ele sabe disso. Olha para mim em busca de orientação, olhos erguidos, de joelhos - que imagem. O momento pede que eu olhe para a sua postura, de joelhos, mas isso não me serve. Só um ou dois instantes e eu o farei se levantar, guardar essa iniciação para tempos melhores e um ambiente mais confortável. Ele apóia a face contra mim, tocando a parte de trás de minhas pernas e tentando puxar minhas calças com discrição. Não vai dar certo nunca, esse novo começo de poucas roupas e desajeitado. Só um ou dois instantes e então ele vai precisar esperar. Por alguma razão minha mão discorda de minha percepção da situação e puxa a cabeça dele para junto de minha virilha. Pelo menos isso o faz parar de me despir. Não há nenhuma dignidade em estar em pé em uma sala de aula com as calças a meio mastro, e nem mesmo o anseio por sua boca irá me mover. Isso terá de esperar.

- Levante, garoto.

- Que...

Eu o puxo pelos braços, excitado ao sentir-lhe a pele nua.

- Eu quero - ele insiste.

- Sim. - Eu o beijo de novo, antes que ele possa argumentar; levo-o de volta com o beijo até aquela submissão de olhos sonhadores e pernas bambas. Ou até o silêncio, em todo o caso. O bastante para poder dizer a minha fala. - Mas não hoje.

- Não ouse... - ele geme, vendo-me abotoar a calça. - Nem tente. - Eu fico intrigado com a suposição dele de que qualquer ser humano com sangue nas veias deva desejar o que ele tem a dar. A vida irá desapontá-lo mais do que eu o desapontei. Hoje não é a primeira vez. - O que você faz com isso tudo?!

- Eu tenho algumas poucas virtudes. Paciência é a maior delas. - Empurro-o de volta contra a parede e minha boca retorna-lhe ao pescoço. Ele geme quando beijo a agora pálida marca de mordida, minha palma aberta esfregando-lhe o mamilo direito. Quase caio na risada ao mencionar a mim mesmo e à virtude na mesma frase. - Isso terá de esperar.

- Talvez eu mude de idéia. - Irritado. Fiz bem em mantê-lo esperando. Com medo, ele lutaria contra a tarefa, mas em desafio...

- Sim. Talvez mude. - Eu me comprimo contra ele, camadas de tecido mal atenuando a sensação de corpo contra corpo. O tecido se torna um substituto da paciência, para nós dois. Adiar o fim inevitável. - Agora fique quieto. - Com os braços sob minha camisa aberta e as costas contra a parede, ele faz o que digo. É isto o que devo fazer para impor respeito em minha própria sala de aula? Quase consigo provar o sorriso que se espalha por seu rosto; sentir as palavras provocadoras formando sentenças e buscando o tom certo de voz. Recuso-me a lhe dar a oportunidade de me atormentar. Eu sacrificarei minutos para distraí-lo, envolvendo-o, cobrindo-o com a mão e escutando-lhe a respiração entrecortada que me deixa saber que tenho sua completa atenção. Ele estremece, o fino suor irrompendo-lhe na fronte e no lábio superior. Isto não o satisfaz. Outra mudança. Antes, qualquer coisa o satisfazia - o mais mero toque. Tudo acabava logo. Agora ele está frustrado, não só atordoado pelo contato físico.

- Eu quero... - Ele me puxa, mãos úmidas contra minhas costas, mas suas palavras se esvaem. Nem sempre precisamos delas. Ele não previra as limitações de uma sala de aula espartana. Se não fosse a minha sala, eu poderia encorajar-lhe a criatividade, mas até eu tenho meus limites. Mesmo agora. Como um de nós conseguiria trabalhar aqui se violássemos um ao outro em cima de todas as superfícies? Já é bastante ruim que maculemos a parede.

- Você escolheu o lugar. Agora desfrute dele ao máximo.

- Não pude esperar. - Seus lábios relutam um pouco diante da última palavra, porque eu o esfrego e aperto. Ele flertou comigo durante toda a festa e eu podia jurar que estava com a mão no bolso e prestes a aprontar alguma durante o interminável coro cantando o hino da escola. Como se eu pudesse escapar dele aqui? Não posso escapar dele em lugar nenhum. Harry, o herói. Minha mão continua ocupada, e ele, ao que parece, aprendeu ao menos um pouco de tolerância em nome do prazer. Quando fito de novo seus olhos, descubro-o já fitando os meus. - Acredita que senti saudades? - A mão dele agarra-me o pescoço por trás, implorando um beijo.

- Nem por um instante.

Estamina, sim, para se conter durante todo esse tempo; os olhos dele brilham de desejo mas ele respira firme, respondendo à minha mão com movimentos suaves e lentos. Retribui o toque, leve como antes, fingindo que vai abrir os botões de minha braguilha. Agora ele hesita, quando um momento atrás, sem refletir, estava pronto a abocanhar o que, agora, mal ousa tocar. O que ele sabe, o que ele quer e o que ele pensa que quer - tudo ainda tão estanque. No fim das contas, ele sabe pouco sobre o mundo.

- Você me deixa? - Abre a palma, encontrando-me plenamente ereto, e recua. Olhos turvos se abrem de repente e se tornam alertas. Será que ele duvida de minha humanidade até agora, julgando-me incapaz de qualquer sentimento humano? Beijo-o outra vez, temendo que sua reação dê início a uma briga. Agora que ser antipático para com ele é uma exigência, para manter as aparências, descubro que tudo isso me cansa. Conheço os limites de seu ego, e ele do meu. Ambos aprendemos tudo isso sem sequer tentar. E eu o deixo. Não pretendia mais do que ganhar uns beijos, dissuadi-lo e mandá-lo embora, mas ele iria achar a minha recusa mesquinha, tendo pedido com tanta doçura. E não estaria errado. Permito que me toque e desfruto do beijo que dura mais tempo do que ele, sobrevive às suas contorções e estremecimentos e ao lento suspiro de alívio. É quase o bastante, mas "quase" está a um átimo da satisfação; tento afastá-lo e ele segura meus braços, me empurra contra a parede, o corpo de volta aonde estava no início, esfregando-se entre minhas coxas. Eu desmorono.

- Oh, Deus, você... - O palavrão morre em meus lábios, incendiado até às cinzas pelo calor de um longo suspiro e depois acalmado por um beijo. Eu não preciso proferir insultos em voz alta e estragar o momento.

Haverá outras oportunidades.

 

Fim

 

O original desta história, em inglês, Patience, pode ser lido aqui.