Só Ela
Autora: Luthien

 

O sol se pôs, tarde, como de hábito perto do auge do verão, e ainda está escuro lá fora, ou estaria, se não fosse pela lua quase cheia pairando junto ao horizonte. O ar quente da noite não chega às masmorras, é claro, mas a janela enfeitiçada deixa o luar se espalhar pelo chão do quarto da mesma forma como o teto do Grande Salão mostra uma perfeita cópia do céu lá fora.

Ele não consegue conter a mão que se move até moldar-se ao ventre dela; eles estão deitados juntos, relaxados e nus na cama dele, na primeira noite após o retorno dela. Sob sua mão, as formas dela são as mesmas de sempre, mas, ainda assim, a mente dele vagueia solta e imagina aquela suave curva arredondando-se, arredondando-se com a prova de que ela é sua.

Ele sabe que não pode ser. Para começar, isso poderia colocá-la em perigo. Ela ainda não passou da idade de engravidar, mas está chegando perto, e Snape não tem muita fé na biologia. Aliás, nada nem ninguém mais merece a fé de Snape.

Só ela.

Ele não pode colocá-la em perigo. Não irá fazer isso.

E, de qualquer forma, este não um mundo onde se deva colocar uma criança, mesmo supondo que eles fossem livres para mostrar ao mundo o que realmente são um para o outro. Já é difícil o bastante esconder isso; impossível esconder uma criança.

Uma família.

Sim, ele sabia que nunca poderia ser, que eles não poderiam continuar sendo amantes, desde o momento em que iniciaram aquela união imprudente. Ele sabia que jamais seria possível, que eles nunca poderiam ser mais do que um caso passageiro, quando fez a ela uma pergunta que sabia não ter o direito de fazer.

E ele sabia que nunca poderia ser, que ela nunca poderia responder na afirmativa, ainda que ela o tivesse feito - embora não com o entusiasmo leviano de qualquer outra mulher que ele pudesse imaginar em uma situação similar. Ela lhe respondeu com um grave gesto de cabeça, tão consciente quanto ele dos riscos envolvidos na pergunta e na resposta, quanto mais no ato em si.

Ele anseia por mostrar ao mundo que ela é dele. Que ele a conquistou, e que agora ela é "Minha. Minha esposa. Minha."

Mas não é uma boa idéia divulgar que eles são amantes, ou mesmo amigos íntimos. Não é prudente mostrar qualquer tipo de vulnerabilidade. Ainda mais essa.

O perigo se torna a prioridade. Mais uma vez.

Não é um casamento que seria reconhecido por aqueles no mundo mágico para quem tais coisas importam - quem já ouviu falar de um bruxo e uma bruxa de sangue puro se casando em um cartório Trouxa, afinal? E não era essa exatamente a idéia? Fazer a coisa de tal modo que fosse um segredo só seu, tão seguro quanto algo tão perigoso poderia ser. O diretor talvez tenha suspeitas sobre o modo como eles passam tantas de suas noites - Dumbledore tem formas de saber quase tudo o que acontece na escola -, mas o máximo que ele pode saber é que dois de seus professores, ambos seus leais auxiliares, encontram conforto nos braços um do outro. E que se isso é, talvez, imprudente, eles ao menos são infalivelmente discretos.

A discrição é uma faca no coração dele, freqüentemente demais para o seu gosto. Quando ela foi atacada, ele não pôde fazer nada. Quando a levaram para St Mungo, as mãos dele estavam atadas. Ele teve de permanecer ali e confiá-la aos cuidados de outros em quem não tinha nenhuma confiança - ou fé.

Teve de se conter hoje, quando ela voltou. Quase se traiu, avançando em passos largos e quase não conseguindo controlar a vontade de correr para ela. Quase não conseguindo controlar a vontade de segurá-la pelos ombros e abraçá-la com força, para ter certeza de que era sólida e real. Ainda assim, ele chegou perto o bastante para poder estender a mão e tocá-la - mas não o fez - e perto o bastante para sentir-lhe o cheiro - o que ele fez. Aquela prova acalmou-o o bastante para se lembrar de onde estavam e quem estava presente - um fato que, ele estava certo, não escapara à mente dela. Como sempre, o controle próprio dela era notável, e único entre as mulheres, sem dúvida. Ela o fitou nos olhos, então, e eles executaram um outro capítulo de sua rotina formal, a rivalidade entre os chefes de casa pela qual eram justamente famosos.

Deitado ali, agora, e relembrando os acontecimentos da tarde, ele sabe que não ocultou o alívio pela volta dela tão bem quanto deveria. Ainda bem que Malfoy e Potter estavam concentrados demais em sua própria rivalidade para notar que a de seus professores tem uma intensidade que não se deve à inimizade. Ainda bem que Crabbe e Goyle estavam atordoados demais pelas ordens de Minerva para notarem qualquer outra coisa.

Ainda bem que ela está aqui, agora, cálida e viva e aconchegada a ele enquanto suspira levemente em seu sono. Ali, naquele quarto e naquela cama, eles podem ser marido e mulher e fingir que não há um mundo lá fora.

Até que o sol se levante e sua rotina recomece outra vez.

 

~Finis~

 

 


O original desta história, em inglês, Only Her, pode ser lido aqui.