Parselíngua Presa
Autora: Dementor Delta

 

- Oi! O que temos aqui? - Harry Potter enfiou a enxada na terra recém revolta e espiou em baixo da grande rocha cinzenta. Uma cabeça negra fininha se ergueu ao som de suas palavras em Parselíngua.

- Você fala? - sibilou a cobra negra, claramente surpresa, deslizando de volta para baixo da pedra chata. Harry a havia sobressaltado alguns momentos antes, e ela havia-se enfiado sob a rocha com um mero agitar de cauda.

- Ah, falo - respondeu Harry, apoiando-se na resistente enxada enquanto a cobra cor de ébano se recolhia em baixo da rocha. Olhos negros redondos fitaram-no, e Harry se agachou para ficar mais próximo do nível do solo. Seus joelhos, arranhados e sujos, saíam do short cortado a partir de calças velhas. Esticou um dedo calejado pelo trabalho e esfregou sobre a cabeça da cobra. - Você é uma graça - disse ele, na linguagem suave das serpentes. A cabeça elegantemente afilada oscilou prazerosamente ao toque. - Qual é o seu nome?

A cabeça se inclinou, um olho negro pequeno e brilhante fixo nele.

- Nome? - perguntou a cobra.

- Como você se chama? - explicou Harry, achando que talvez tivesse dito a palavra errada. A Parselíngua continha muitas sibilantes que podiam se sobrepor e soar similares.

- Cobra - foi a resposta, em um tom divertido.

Harry também sorriu.

- Eu sou Harry - disse ele, passando o dedo uma última vez sobre a cabeça antes de ficar em pé e esticar os membros. Estava quente, sob o sol brilhante de verão. Ele fez um feitiço de chamamento para atrair para si a concha do balde d'água que ele mantinha ali perto, e deu um gole comprido na água gelada.

- Olá, Harry - disse a voz, vinda da rocha. - Você também é uma graça.

Harry riu de novo e pegou a enxada, arrancando as ervas daninhas ao lado da grande rocha cinzenta.

- Obrigado - disse ele, cuidando para não atingir o lado da pedra onde a cobra havia-se escondido antes. Provavelmente ali estava o buraco que levava ao seu ninho. - Pronto - disse ele, apoiando-se na enxada e estudando seu próprio trabalho. - Assim você vai ter um pouco de sol deste lado e o outro vai ficar protegido. - Harry não mencionou o provável ninho. As cobras se preocupavam muito em proteger seus ninhos.

A cobra deslizou e contornou a pedra uma vez, balançando a cabeça em seu percurso. Harry a observou, admirando-a. Tinha cerca de 1,20m de comprimento; grande para uma cobra de jardim, mas bela e graciosa.

- Ótimo - foi o veredito final da cobra, que se enrolou toda sobre a rocha, descansando a cabeça entre seus anéis, de costas para Harry, de frente para o sol outra vez.

Harry deu de ombros e voltou ao trabalho. Tinha mais terra a revolver, se queria plantar as carreiras que planejara plantar naquele dia. Quando fez outra pausa para tomar água, sentou-se ao lado do balde. A cobra brilhava ao sol oblíquo. Após um longo gole, virou o resto da concha sobre a cabeça e a sacudiu, sem se preocupar com as roupas, uma camiseta sem mangas e um short, ambos suados.

- Ei!- reclamou a voz sibilante. Harry se virou para ela. Um olho perolado estava fixo nele, uma gota brilhante adornando a cabeça negra lustrosa.

- Desculpe! - ele se apressou em dizer. - Está quente aqui fora.

- Você devia descansar nas horas mais quentes - aconselhou-lhe a cobra, ajustando os anéis e balançando a cauda. - Enrolar-se e dormir ao sol.

- Não podemos viver torrando ao sol - disse Harry, fingindo se lamentar. Gostava de trabalhar no jardim, gostava do leve bronzeado que seu corpo adquirira nas quase duas semanas que passara revolvendo a terra de Hogwarts.

- Humanos - falou a cobra, sonolenta, com a cabeça novamente enfiada entre os anéis.

A forma negra mal se movera quando Harry passou por ela umas duas horas depois, embora o sol não estivesse mais incidindo direto sobre a rocha. Ele tomou outro gole comprido do balde. A água ainda estava gelada, pois havia sido encantada naquela mesma manhã. Harry pegou a caixa de lata sob o banco da água e se sentou sob uma frondosa árvore ali perto para comer o seu segundo sanduíche.

Enquanto abria a lata, a cabeça negra se ergueu da rocha, girando em sua direção; então a cobra se desenrolou graciosamente e deslizou da rocha, se aproximando de Harry. Harry descansou as costas contra o tronco retorcido da árvore enquanto o longo corpo negro da cobra ondulava pelos sulcos de terra recém-arada e montes de ervas daninhas. Quando entrou na região sombreada, a cabeça da cobra se ergueu outra vez, procurando-o. A cabeça lançou-se pela rústica bota de trabalho de Harry, uma delicada língua projetando-se ao longo de sua parte inferior.

- Há adubo fresco no solo - disse a cobra, avançando devagar em sua direção. - Tome cuidado com o que come.

Harry olhou para o animal, surpreso.

- Obrigado - disse, tirando a varinha do bolso. - Sano - pronunciou, rápido, e a sujeira evaporou de suas mãos. A elegante cabeça negra assentiu em aprovação, então começou a se virar.

- Ahn - Harry apressou-se em dizer -, você quer um pedaço?

A cobra virou-se outra vez, inclinando a cabeça de modo que um dos olhos cor de azeviche encontrasse os de Harry, depois se voltasse ao pedaço de sanduíche em questão.

- É, ahn... - Harry levantou a fatia de cima, para verificar - ... frango.

Por mais que gostasse daquele trabalho e da solidão que lhe proporcionava, às vezes ele sentia saudade de seus dias de estudante, que recém haviam chegado ao fim, e do tagarelar constante dos colegas.

- Parece delicioso - foi a resposta sibilada, e o corpo sinuoso se aproximou dele. Harry partiu um pedaço da carne e depositou-o sobre a grama. Eles comeram em um silêncio amistoso por algum tempo, mas quando Harry lhe ofereceu outro pedaço, a cobra declinou, com polidez, descansando a cabeça novamente sobre um de seus anéis, sonolenta. Harry coçou-lhe a cabeça, depois sorriu diante do sibilar contente que escapou da pequena boca. Suas longas pernas, um tanto bronzeadas do trabalho ao ar livre, estavam esticadas sobre a grama, e a pequena cabeça repousava bem junto à sua coxa.

Quando terminou o sanduíche, ele dobrou o papel encerado e colocou-o de volta na lata. Relutava em se mexer e perturbar a cobra, que, estranhamente, o confortava. Estudou-a, apreciando os pequenos padrões formados pelas escamas de ébano, apreciando também o leve oscilar da cauda que se movia mesmo durante o sono. Era hora de se levantar, pensou, sonolento. Tinha de terminar de plantar aquelas fileiras de repolhos. Em vez disso, escutou o zumbir dos insetos nas árvores e os ruídos distantes vindos da Floresta Proibida. Devagar, seus olhos se fecharam.

Harry despertou com uma pressão quente sobre a coxa. Seu movimento de sobressalto desequilibrou a pequena cabeça que descansava sobre sua coxa estendida.

- Ei - disse ele, com a voz rouca de sono. - Fique à vontade.

- Harry é bem quente - disse a cobra, sonolenta, estendendo-se com um movimento suave e ondulante que Harry se viu copiando ao espreguiçar-se. Seu visitante cavalgou a perna em movimento enquanto Harry juntava as mãos por trás da cabeça, deslizando-as pelo tronco da árvore.

- Preciso voltar ao trabalho - disse, voltando fácil à Parselíngua mesmo com o cérebro ainda um tanto confuso por causa do cochilo inesperado. Bateu a perna sugestivamente, mas os olhos negros olharam para seu rosto sem piscar.

- Você não pode usar magia? - perguntou-lhe a cobra, vibrando a pequena língua bifurcada.

- Bem, posso, para algumas coisas. Mas tem muita coisa que precisa ser feita manualmente. - Ele deu um sorriso torto. - É por isso que me contrataram esse verão. - Harry sabia que, em Parselíngua, "verão" significava o mesmo que "tempo em que se está acordado".

- E depois do verão? - perguntou a cobra, desenrolando-se lentamente da perna de Harry, mas ainda o observando.

O sorriso de Harry se apagou um pouco.

- Vou jogar Quadribol, espero, pelo menos por uma temporada. - Ele deu de ombros. - Conhecer um pouco do mundo.

A cabeça negra se elevou, inclinando-se para olhar melhor para o rosto de Harry.

- Quadribol é aquele jogo da vassoura?

Harry concordou com um gesto de cabeça.

- Por que só uma temporada? - perguntou a cobra.

Harry refletiu.

- Para ver se eu gosto, acho - respondeu ele, com sinceridade. - Quer dizer, acho que não é isso o que quero fazer da vida, mas pelo menos vou ter um tempo para pensar a respeito.

- Não há nada que você queira fazer por mais de uma temporada?

O jovem franziu o cenho para a cabeça negra pontuda. Então seu olhar se dirigiu, involuntariamente, ao distante castelo de Hogwarts.

- Pensei que houvesse. Mas não deu certo.

Harry recolheu as pernas da grama e, em um movimento flexível, se ergueu. A cobra deslizou para longe sem olhar para trás.

Ele não viu a cobra quando foi recolher suas coisas logo antes do pôr-do-sol. Normalmente ele não trabalhava depois que o sol se punha, mas ainda se sentia um pouco culpado por causa do cochilo que tirara à tarde. Desencantando a água, despejou o resto dela na terra recém-plantada, então colocou a sua lata de lanches no balde e fez com que ambos levitassem atrás de si enquanto carregava a enxada sobre os ombros. Partiu na direção da cabana de Hagrid, emprestada a ele durante o verão enquanto o guarda-caça tirava as suas tão necessárias férias. Harry, que não tinha para onde ir durante o verão, havia-se oferecido para substituí-lo até que os testes de qualificação de Quadribol começassem, no outono.

Só quando se sentou para comer seu primeiro sanduíche no dia seguinte foi que viu a cobra de novo. Viu a cabeça pontiaguda sair de baixo da rocha, sacudindo a língua nos ares, sondando, farejando o ar a seu redor. Então ela se enrolou ao redor da rocha e seguiu em sua direção. Parando a seu lado, balançou a lustrosa cabeça em saudação.

- Posso tomar um pouco d'água? - perguntou, surpreendendo Harry.

- Claro - respondeu ele, estendendo a varinha para evocar a concha.

- Eu posso pegá-la - disse a cobra, provando-o ao se enrolar em torno do banquinho até sua cabeça chegar ao balde. Não levou muito tempo. Quando conseguiu, voltou ao local sombreado ao lado de Harry. - Gentileza sua, me oferecer seu lanche.

- Sirva-se sempre que quiser - disse Harry. - Tem bastante.

A cobra concordou com um gesto de cabeça.

- Quer um pedaço? - perguntou Harry, vendo que a cabeça se inclinava para analisar a oferta. - Hoje é rosbife.

Houve uma leve hesitação antes da resposta.

- Não, mas você é muito amável.

- Já comi bastante, verdade - Harry se apressou em dizer. - E tenho mais um, para a hora do chá.

- Você devia comer o lanche todo, jovem - disse a cobra, embora "jovem" pudesse querer dizer "filho" ou "macho ainda não em idade de reprodução". - Você está magro demais.

Harry sorriu.

- Você devia ter filhos. Fala como uma mãe.

Embora fundamentalmente incapaz de mudar a expressão, o rosto de ébano dava a impressão de divertimento.

- Não tenho uma fêmea para pôr ovos - falou, confirmando a impressão de Harry de que era uma cobra macho.

- Não foi um jeito muito polido de perguntar - admitiu Harry. Existiam modos de se descobrir o sexo das cobras, mas ele nunca estudara a espécie, da mesma forma como nunca estudara a língua delas.

- Os humanos se preocupam mais em serem polidos do que as cobras - a cobra replicou. - A maioria dos humanos - acrescentou.

- Você conhece muitos humanos? - perguntou Harry, depositando um cantinho de rosbife ao lado de seu joelho, em um tufo de grama limpinho. Talvez a cobra estivesse ali já há alguns anos e conhecesse Hagrid.

A oferta de carne foi abocanhada.

- Alguns - admitiu a cobra. - Nenhum que falasse a minha língua.

Harry deu de ombros.

- Não existem muitos como eu - disse ele, com tristeza.

Um leve gesto de assentimento veio da cabeça pontuda.

- É o que estou começando a perceber.

Antes que Harry pudesse perguntar o que ele queria dizer, a cobra se virou com um giro da ágil cauda e deslizou para longe pelo gramado. Inexplicavelmente, Harry se lembrou do professor Snape rodopiando em suas vestes negras e sumindo de vista. Sorriu brevemente diante da comparação, perguntando-se quem se sentiria mais insultado, se Snape ou a cobra.

Viu a cobra quase todos os dias depois disso, quase sempre sobre a rocha cinzenta e plana. Às vezes a cobra se aproximava em uma das pausas de Harry, e em geral se deixava persuadir a aceitar um pedaço de carne de seu lanche. Era uma novidade que Harry imaginava que ambos gostassem, pois a cobra parecia gostar de conversar. E Harry, apesar de gostar da solidão das férias que o trabalho lhe proporcionava, gostava também.

No sábado, ele estava arrumando a lata e o balde quando disse à cobra que não iria trabalhar no jardim no dia seguinte. Embora ele não respeitasse o sábado dos trouxas de jeito nenhum, os domingos na escola normalmente eram um pouco menos turbulentos, e ele mantivera a tradição no primeiro verão a sós.

- Tenho alguns consertos a fazer na casa - explicou à criatura, que escutava com atenção. - Talvez você queira passar por lá? - Aquele agora familiar inclinar de cabeça quando a cobra o estudava o fez questionar o seu próprio convite. - Isso é idiota, não é? Desculpe.

- Cobras em geral são animais solitários - concordou a cobra, em um suave sibilar -, mas pensei que os humanos fossem animais sociais. Você deve ter amigos da escola, não?

- Bem, tenho, sim - disse Harry, sentindo-se um tanto tolo ao explicar a sua falta de vida social para uma forma inferior de vida. - Só pensei que, se você passa todos os dias tomando sol nesta pedra, talvez gostasse de uma mudança de cenário.

- Tudo bem - disse a cobra.

Já havia passado do meio dia no domingo quando Harry começou a se sentir um idiota. Não havia sinal de seu amigo réptil. Ele se equilibrava em pé sobre a instável escada de madeira de Hagrid, o suor pingando em seus olhos e embaçando-lhe os óculos. Trajava o seu short e botas de trabalho, como sempre, mas, como estava quente, jogara a camisa na varanda.

O que lhe dera na cabeça? Convidar uma cobra, pior, uma cobra que nem mesmo tinha um nome, para ir visitá-lo? Estava se sentindo assim tão solitário? Era verdade que podia ir visitar Ron e Hermione quando quisesse, e sabia que era bem-vindo na Toca ou mesmo no castelo a qualquer momento. Era bem da perversa natureza humana desejar a solidão quando se mora em um dormitório cheio de estudantes e desejar com a mesma intensidade aquele mesmo dormitório quando se tem toda a solidão que se pode suportar.

Mas, por mais estúpido que se sentisse por admitir, até para si mesmo, ele gostava da companhia da cobra, gostava de conversa com uma criatura para quem ele não era famoso, nem por ter sobrevivido nem por ter livrado o mundo de Voldemort. Estava martelando outra telha, sentindo o suor se acumular sob seus braços e ombros, quando percebeu algo deslizando em seu tornozelo.

- Porra!- gritou ele, quando a sensação subiu por sua perna, ao redor de suas costas suadas e sob um dos braços, enquanto Harry oscilava na escada, agarrando-se ao telhado para não cair.

- Olá, Harry - foi a saudação sibilante vinda do longo corpo esguio que deslizava para o telhado revestido de alcatrão.

- Está tentando me matar? - Harry engoliu em seco, encarando a agora lânguida cobra com fúria.

- Não seja bobo. Eu gritei, mas você não me escutou. - A pequena língua se projetou para fora ao falar, as presas despontando. - Eu não tenho sacos de ar para me servir de pulmões como você. - A língua roçou brevemente no tórax de Harry.

- Pare com isso! - disse Harry, rindo apesar da raiva estar se dissipando. A pequena língua deslizava ainda mais pelo peito de Harry. - Ei, isso faz cócegas! - Ele passou os dedos ao redor da parte de trás da cabeça da cobra e a afastou.

O animal aceitou o gesto com tranqüilidade, arqueando-se para espiar por sobre o ombro nu de Harry.

- Você tem razão. A vista é muito melhor daqui de cima. Dá para ver o castelo.

Harry seguiu os olhos perolados até Hogwarts, à distância. Virou-se e pegou a chave de fenda que estava usando para alavancar as telhas. Enquanto a cobra admirava a paisagem, Harry testou mais telhas.

- Você sente falta? - murmurou uma voz perto de seu ouvido. A cobra havia-se instalado perto de seu cotovelo. - De morar no castelo?

Harry franziu o cenho, mas continuou trabalhando.

- Às vezes. Quer dizer, foi o primeiro lar que eu tive. - Olhou por sobre o ombro, depois soltou uma telha teimosa, com raiva. - Mas todos os meus amigos foram embora para viver suas próprias vidas. Eu devia fazer o mesmo.

- Você não parece muito seguro - sibilou a cobra.

Harry se concentrou em firmar novamente as telhas soltas, tirando pregos compridos de um dos bolsos do short e martelando-os com golpes rápidos e eficientes.

- Todo mundo precisa crescer.

- Os seus amigos estão pondo ovos? - perguntou a cobra em tom natural, deslizando para evitar a chave de fenda de Harry.

- Ahn, não nesse sentido - disse ele, imaginando Hermione sentada sobre uma pilha de ovos. - Meus dois melhores amigos têm um relacionamento sério. Provavelmente eles vão se casar. É o que os humanos fazem antes de porem ovos - explicou.

- Parece complicado - falou a cobra, parecendo dar de ombros. Como conseguia, se não tinha ombros? - As cobras se acasalam e depois põem ovos. É só reprodução.

Harry sorriu diante da idéia.

- Tem razão. Os humanos complicam mesmo as coisas. E você? Onde está a sra. Cobra?

A cobra ergueu sua cabeça reluzente até que seus olhinhos estivessem quase na altura dos de Harry.

- Reprodução é para os jovens. Meus dias de acasalamento já se foram.

Harry não pôde resistir, e provocou:

- Talvez você não tenha encontrado a cobra certa ainda.

Testou a telha embaixo do monte de anéis superpostos. Com um sobressalto, a cobra deslizou para cima do braço e do ombro de Harry.

- Ei!

- É mais fácil assim, e eu não preciso gritar.

- Você estava gritando? - A voz da cobra soara suave e sussurrante.

Ele trabalhou ininterruptamente, sentindo o surpreendente conforto do peso ao redor de seu pescoço e ombros.

- Então, Harry - disse a cobra, com a boca bem perto de seu ouvido. A língua fazia um pouco de cócegas. - Você é jovem, em relação à sua espécie, não é?

- Acho que sou - respondeu ele, resistindo à vontade de coçar a orelha.

- Onde está a sua sra. Cobra?

Sabia que a cobra não tinha nenhuma má intenção, mas algo semelhante à raiva despertou no âmago de seu estômago.

- É diferente com os humanos - disse ele, tentando não demonstrar raiva em sua voz. - É complicado.

Devia saber que aquilo não acalmaria a curiosidade da cobra.

- Às vezes os humanos é que complicam as coisas. A natureza faz as coisas bem simples.

- Nem tudo - observou Harry, passando a se concentrar na ponta de uma telha solta.

A cobra esperou até que ele houvesse pregado o último prego antes de falar de novo.

- Você fala assim porque é jovem.

Harry se virou para olhar para a cabeça negra lustrosa.

- Algumas coisas não mudam quando se fica mais velho.

A escada havia dado toda a volta à pequena cabana. Assim, com a cobra ainda pendurada em seus ombros, Harry desceu, observando o seu trabalho do chão. Hagrid não teria de usar baldes da próxima vez que chovesse. Parando para pegar a camisa descartada, Harry enxugou o suor do rosto e em baixo dos braços enquanto a cobra observava de camarote, com um sibilar de protesto.

- Desculpe - disse Harry.

- Gosto do cheiro dos humanos - disse a voz, em um tom que Harry interpretou como sonolento. Francamente, as cobras não faziam mais nada além de dormir?

- Vou almoçar - decidiu Harry. - Você me acompanha?

A cauda em seu cotovelo balançou com entusiasmo.

- É só ovos com torrada, mas tenho um ensopado de carne com legumes para o jantar - ele explicou, sacando de sua varinha e batendo na escada, que se dobrou e começou a andar na direção da despensa.

- Ovos? - A voz agora parecia bem desperta, a língua vermelha se projetando como que para saboreá-los.

Assim que entraram, a cobra desceu pelas suas costas, deixando Harry arrepiado. Enquanto ele se lavava e preparava as coisas para o almoço, a cobra explorou a pequena cabana. Quando os ovos, acomodados na cesta de Hagrid, apareceram, a cobra abandonou suas explorações e subiu ao balcão, instalando-se ao lado do antiquado fogão de ferro. Harry levara algum tempo para se acostumar a cozinhar no velho fogão, mas acabara aprendendo a fazer algumas coisas simples. Sabia que seria bem-vindo no castelo se quisesse fazer lá suas refeições, mas nunca se aproveitara disso.

A pequenina língua vermelha bifurcada se projetou várias vezes na direção da panela.

- O cheiro é bom.

A cabeça balançava para frente e para trás, e Harry sorriu e tirou a tampa. O aroma preencheu a pequena cabana, e a língua bifurcada oscilava, em deleite. Com uma colher de madeira, Harry pegou um pouco do ensopado e colocou sobre um pano; depois lambeu a colher. O homem e a cobra provaram. Harry franziu o cenho.

- Passe-me o sal - pediu, sem pensar. - Oh, desculpe - apressou-se em dizer, mas a ágil cauda já se enrolara ao redor do pesado saleiro marrom e deslizara com ele na direção do fogão.

- Não se preocupe - falou a cobra, pragmática, enquanto Harry salgava o ensopado e tampava de novo a panela. Depois de ligar a torradeira, ele quebrou os ovos dentro da frigideira de ferro. As cascas abandonadas despertaram o interesse imediato de seu visitante. Harry viu a cabeça pontuda oscilar na direção das cascas.

- Vá em frente! - Harry fez um gesto com a espátula na direção do réptil.

- Obrigado - sibilou a cobra com suavidade, a língua já lambendo, deliciada, as cascas quebradas. Concentrando-se em tostar a torrada uniformemente, Harry não escutou a primeira batida no balcão. Então ergueu os olhos e começou a rir.

- Você está ridículo! - exclamou, tirando a meia casca de ovo que grudara na cabeça da serpente. Mesmo enquanto estava retirando a casca, a lingüinha continuava lambendo a clara pegajosa. A língua vibrou inutilmente nos ares antes que a cobra olhasse para seu anfitrião com resignação.

Harry levou o almoço para a resistente mesa de madeira. O convidado escalou-lhe a perna até chegar ao topo da mesa. Harry lhe deu um pedaço de ovo, e ele o comeu com delicadeza, sibilando de satisfação.

- É melhor cru - suspirou, mas Harry notou que não sobrara nem uma migalha. Enquanto Harry terminava a refeição, a cobra se enrolou e apoiou a cabeça sobre os anéis.

- Posso lhe fazer uma pergunta? - indagou a cobra quando ele estava tomando o último gole de suco.

Harry se reclinou na cadeira de madeira. Enfeitiçara uma das cadeiras para adaptar-se ao seu reduzido tamanho.

- Claro.

- Por que você fica triste quando fala sobre reprodução?

Harry sobressaltou-se e olhou com dureza para a pilha de anéis negros. Sem esperar pela resposta, o réptil prosseguiu:

- É por que os seus amigos estão planejando acasalar?

- Não! - apressou-se em dizer Harry. Depois respirou fundo antes de erguer os olhos de novo. - Estou feliz por eles. Sempre estive.

- Mas não está feliz com a sua situação - observou a cobra, com sagacidade.

- É que é... - começou Harry.

- Complicado. Eu sei; você falou. - Algo naquele olhar fixo o lembrava dos tempos de escola e de não ter feito a lição de casa. - Você é um belo jovem - continuou a cobra. - A essa altura, já devia ter um monte de ovos.

A Parselíngua, pensou Harry, era imprecisa quando tratava de conceitos fundamentalmente humanos. Afastou-se um pouco da mesa e serviu-se de mais suco de abóbora gelado. Era bem mais frio dentro da cabana de pedra, mas ainda estava quente lá dentro.

- Não funciona assim com os humanos - disse Harry, olhando para a mesa. A cobra, apesar das perguntas, parecia sonolenta e quieta. - As cobras... - Pensou com cuidado em como formular a pergunta. - Existem cobras que não se acasalam com outras cobras?

O triângulo negro se inclinou, pensativo.

- É claro. As mais lentas em geral são devoradas.

Harry pestanejou, depois riu.

- É isso aí, eu sou das lentas.- Largou a xícara no balcão. - Tenho mais trabalho a fazer. Se quiser, pode ficar para o jantar.

Harry passou o resto da tarde arrumando a caótica despensa de Hagrid. Pensou nas estranhas perguntas que a cobra lhe fizera, e sorriu diante de sua dúvida sobre como explicar a um réptil o que era ser gay. Como sempre, trabalhar o fazia se sentir em paz. Era um dos benefícios do trabalho que escolhera, embora significasse ficar um tanto perto demais dos ocupantes do castelo para que sua paz de espírito fosse absoluta.

Como a maioria dos jovens, descobrira cedo suas preferências. Então descobrira que apenas saber que preferia os homens não era a resposta para a insatisfação que lhe roía as entranhas. Saber que desejava um homem em particular, um homem que jamais o desejara de forma nenhuma, era isso que o assustava.

Quando voltou para dentro da cabana, a cobra estava dormindo no meio da cama de campanha junto à parede. Abriu os olhos, sonolenta, ajustou os anéis e voltou a dormir. Não era como ter um cachorro, pensou Harry com tristeza, tirando o short e a camiseta sujos para tomar um banho de esponja antes do jantar, mas era bom ter uma criatura viva em casa.

Quando terminou de jantar, a cobra saíra da cama de campanha e subira outra vez na mesa pela perna de Harry. Este lhe deu um pedaço de frango e sentou-se no sofá pequeno com um livro. A cobra deslizou para o seu lado.

- Você consegue ler em língua de cobra?

- Acho que sim - respondeu Harry, embora tivesse de se concentrar para fazer isso. Leu um pouco, a cobra descansando sobre os anéis a seu lado enquanto ele lhe acariciava a cabeça com o polegar, distraído. Assim, pareceu bastante natural quando ele, sonolento, convidou a cobra para ficar. Sem falar, ela fez que sim com a cabeça e seguiu para a lareira de pedra.

- Boa noite, Harry.

- Boa noite, Cobra.

Talvez uma coruja piando lá fora, ou outro animal se mexendo na Floresta Proibida o houvessem acordado. Ou talvez tivesse sido seu membro ereto. Harry gemeu baixinho. O que estivera sonhando para ficar daquele jeito? Devagar, insinuou a mão por baixo do fino lençol que o cobria. Então se lembrou de seu visitante. Aquela ereção o impelia a pensar na cobra como qualquer outro animal na casa - só por que podia conversar com ele, não queria dizer que fosse como ter uma pessoa por perto, não é? Então escutou o som sibilante de seu deslizar e estendeu a mão para pegar os óculos ao lado da cama.

- Que sonho - foi o comentário divertido que veio de baixo de sua cama. Então Harry sentiu um peso característico ao pé da cama e a cobra deslizou, subindo por sua perna. De repente, ele se sentiu grato pela existência do lençol, por mais fino que fosse.

- Desculpe ter acordado você - desculpou-se Harry, tentando ignorar o deslizar sensual que lhe subia pela perna.

- Você estava gemendo - disse a cobra. A pequena cabeça afastou o lençol ao redor dos quadris de Harry. - Mas não parece ter sido ruim.

Antes que percebesse o que estava acontecendo, o grosso corpo da cobra estava se insinuando por baixo do lençol.

- O que você está fazendo? - perguntou ele, querendo se sentar e não querendo esmagar a cobra em sua pressa. A sensação da carne musculosa sobre a sua não estava ajudando a aquietar-lhe a ereção.

A cobra não respondeu. Em vez disso, deslizou até seu peito, por baixo das cobertas. A ágil cauda caiu no vale entre suas pernas.

- Você não vai dar um jeito nisso? - perguntou ele, a cauda roçando no membro duro.

- Er - gaguejou Harry, horrorizado e excitado ao mesmo tempo. - Não quero ser rude, mas...

A viscosa cauda se ergueu, transformando o lençol em uma tenda e dando a impressão, por um louco instante, de que Harry era o jovem mais bem dotado da face da terra.

- Esqueci como os humanos são tímidos com essas coisas - disse a cobra enquanto o lençol deslizava para fora do corpo de Harry, deixando-o apenas de cuecas, como costumava dormir. Desde que saíra do castelo, desistira dos pijamas, ao menos durante o verão.

Por mais estranho que fosse, o membro de Harry ainda estava ereto.

- Ajudaria se eu lhe mostrasse o que as cobras fazem quando isso acontece?

Harry pestanejou e, agora que podia ver a cobra, tentou subir para mais perto da cabeceira da cama.

- As cobras sentem tesão? - perguntou, intrigado, tentando pensar naquilo como uma pesquisa científica. Uma pesquisa científica com ereções.

Os olhos redondos pousaram sobre ele, brilhando em meio à luz fraca.

- Oh, sim - disse ele, deslocando-se de modo que o terço inferior do longo corpo musculoso recaísse sobre a coxa de Harry. Devagar, a cobra começou a ondular sobre ele, vibrando a cauda a cada movimento. A cabeça pontiaguda subia e descia ritmicamente, a língua pendente provando o ar.

Então a cabeça mergulhou, roçando a ereção coberta pela cueca, e Harry, não mais embaraçado, tirou a cueca com as mãos. Deus, aquilo era bom. E, sinceramente, embora ele não quisesse examinar muito de perto, era como se a cobra fosse um outro pênis esfregando contra o seu. Seus olhos se fecharam enquanto ele se masturbava, e se escancararam de repente ao sentir o toque sobre a cabeça aveludada. A pequena língua vermelha estava lambendo uma gota prematura de sêmen que lhe escapara da fenda.

Harry gemeu, mas não parou de se acariciar. Algo deslizou por entre suas pernas, e Harry teve de decidir se abria os olhos de novo ou não. A curiosidade venceu, e ele viu que a ponta da cauda do réptil circulava-lhe os testículos e acariciava a região sob eles. Quando a rígida ponta roçou-lhe a entrada estreita, Harry gemeu alto e ejaculou violentamente sobre a barriga.

Por um momento, tudo ficou silencioso, exceto pelos ruídos distantes do bosque noturno e o som dos pulmões resfolegantes de Harry. Então a cabeça negra mergulhou no estômago de Harry, a língua lambendo as poças de sêmen que o cobriam. Harry assistiu àquilo quase sem respirar até que a última gota desapareceu.

- Mmmm - murmurou a cobra, enfim, enrolando o corpo sobre o plano do abdômen de Harry.

Harry viu a cabeça aninhar-se e percebeu que a cobra ia voltar a dormir.

- Ah, obrigado - sussurrou ele, sem saber o que dizer.

- Boa noite, Harry.

- Boa noite, Cobra.

Quando Harry acordou na manhã seguinte, estava sozinho. Que esquisito era acordar depois de uma noite daquelas, pensou, sem saber ao certo como se sentia a respeito de todo o incidente. Quando colocou seu balde d'água no local costumeiro, não havia nenhum corpo negro sobre a rocha cinzenta. Pensou em chamar a cobra no ninho sob a rocha, mas não sabia bem o que dizer.

"Obrigado por me ajudar a bater uma punheta" não parecia muito polido. "Creio que é melhor não nos vermos mais, porque estou me sentindo atraído por uma cobra" também não parecia bom. Assim, limitou-se a dar de ombros e se lançou ao trabalho. Levara a vassoura naquele dia, planejando podar algumas das árvores do pomar. Estava trabalhando duro há várias horas quando escutou uma voz. Uma voz humana.

- Potter?

Harry quase caiu da árvore. Era o professor Snape. Enfiou a cabeça por entre a densa folhagem e olhou para baixo. O rosto pálido, emoldurado pelos densos cabelos negros, estava sob os galhos mais baixos, espiando, de cenho franzido.

- Só um minuto - sibilou Harry, e só então percebeu que não falava linguagem humana há mais de uma semana. Precisou pensar um instante antes de mudar o registro. Repetiu o que dissera; desta vez o professor escutou, e recuou.

Harry balançou até o galho mais baixo e pulou para o chão. Snape o encarou em silêncio, e Harry se deu conta de que devia estar com uma aparência horrível. O trabalho era sujo e, além disso, estava quente. Sentiu o suor em ambos os lados de sua camiseta sem mangas. Snape, embora não trajasse as costumeiras vestes no calor da tarde de verão, parecia impecável como sempre. Calças pretas e uma camisa também preta de mangas curtas adornavam o corpo esguio. Harry engoliu em seco e tentou não ficar olhando muito.

- Er, olá - disse ele, embaraçado.

- Eu trouxe as sementes de trevo de cinco folhas - disse Snape, sem preâmbulo, retirando um saquinho de pano do bolso.

- Certo - disse Harry, sem saber muito bem o que significava aquilo.

- Elas precisam ser plantadas na lua nova - continuou o professor. Então ele inclinou a cabeça. Harry tentou dar a impressão de haver entendido. - Ou seja, amanhã à noite.

- Certo - repetiu Harry, e pegou o saquinho, sem jeito.

- Você está bem, Potter? Parece ainda menos coerente do que o normal.

- Desculpe. Eu não converso muito por aqui. - Baixou os olhos para o saquinho em sua mão. - É para eu plantar isso? - Ergueu o saquinho do tamanho de sua palma e olhou para cima a tempo de receber o impacto do olhar fulminante lançado em sua direção.

- Deveria sair mais, sr. Potter. O isolamento parece ter embotado a sua inteligência e paralisado sua língua. Talvez devesse arranjar um animal doméstico para lhe fazer companhia, se não quer ter o trabalho de ir até o castelo.

Harry tentou esconder sua reação enquanto o homem mais velho prosseguia:

- Sim, deve plantá-las. Amanhã, quando for lua nova. Hagrid sempre fez isso, todos os anos, então não pode ser tão difícil. - Snape franziu o cenho, e sacou de sua varinha. - Você não precisa ficar nu para isso. Agora se afaste, que vou aparatar.

Harry se sentou pesadamente sobre o gramado irregular sob a frondosa pereira.

- Que beleza - rosnou ele, se sentindo péssimo. O que é que havia naquele homem que fazia com que as células de seu cérebro se congelassem?

- Que homem feio e bruto - sibilou alguém a seu lado, e Harry se virou para ver a cobra se aproximando, deslizando pelo gramado.

- Não, não é não! - disse Harry, em tom defensivo. Passou a mão pelos cabelos, mais devido à agitação do que na esperança de ajeitá-los. - Estou cansado de... - começou ele, enquanto a cobra se erguia para fitá-lo. - Escute, ele pode não parecer um modelo trouxa, mas não é a aparência que importa nele. Ele... Bem, ele não é gentil, mas sempre me protegeu, e até salvou minha vida. Não vou aceitar que o insulte.

- Ele não foi gentil com você - observou a voz sibilante.

- Pelo menos ele é sincero sobre como se sente em relação a mim - disse Harry, arrancando um tufo de grama da terra. - E eu... ele... - Hesitou, olhando para o local de onde o mago desaparecera. - É complicado.

- Você gosta dele - disse a cobra, um lado da cabeça negra fixa em Harry. - Você quer se acasalar com ele.

- Cale a boca, Cobra - resmungou Harry, de mau humor. O longo anel negro se instalou a seu lado. A cabeça triangular se enfiou sob sua mão, e Harry a acariciou, distraído, arrancando-lhe um suave sibilar de contentamento. - Desculpe ter sido ríspido com você - acabou dizendo. - Acho que estou me sentindo meio estranho depois da noite passada.

O corpo musculoso se insinuou por entre seus dedos.

- Por quê? - O longo corpo ondulou uma vez. - Foi só o alívio de uma necessidade sexual.

Harry suspirou.

- Porque eu gosto de pensar que não estou me sentindo solitário ou desesperado o bastante para fazer sexo com um animal. - Ele ouviu algo como um suspiro da pequena boca com presas. A cabeça se enfiou por baixo dos dedos de Harry, sugerindo que desejava ser acariciada outra vez.

- Nós não copulamos - observou o réptil, enquanto o polegar de Harry alisava as escamas frias. - Não vejo como possamos fazer isso, na verdade, por causa dos nossos tamanhos.

Os olhos de Harry se arregalaram.

- Você é uma cobra muito estranha.

Um risinho sibilante veio de seu colo.

- Quem falando!

Harry empurrou a cobra para fora de seu colo abruptamente e voltou ao trabalho.

Não viu mais o irritante réptil, mas a raiva o impediu de pensar no que não queria pensar: Snape. Maldição. A vida era tão mais simples quando ele o odiava, antes de descobrir que era gay. Antes de descobrir que queria ser gay com Snape. Harry se viu sorrindo diante da descrição de acasalamento da cobra. Imaginou uma das quatro camas de pilares de Hogwarts, talvez com cobertas verde-Slytherin, ele e Snape enrolados um no outro...

Cortou a fantasia em botão, antes que caísse da árvore que estava podando. Quando se arrastou de volta pelo caminho rumo à cabana de pedra, avistou o anel negro dormindo nos degraus. Carregando o balde d'água agora vazio, ele se inclinou e empurrou a porta para abri-la.

- Tudo bem, entre - falou, em tom aborrecido. - Receio que esta noite eu só tenha restos - disse, perguntando-se por que é que estava se desculpando pelo cardápio.

- Tudo bem, Harry - disse a cobra, entrando e ficando à vontade, deslizando para cima do balcão. - Eu não venho aqui pela sua comida.

Harry lançou um olhar de estranhamento à cobra, sem saber ao certo se aquilo era uma... cantada. A pequena língua bifurcada se projetava para fora e depois se recolhia enquanto Harry começava a esquentar o ensopado. A cobra pareceu perceber que estava sendo observada e se virou em sua direção.

- Você é uma ótima companhia, para um humano.

Harry sorriu e ergueu a camisa suja.

- Deixe eu ir me lavar, então - disse ele, tirando a camisa e o short, um tanto embaraçado. Mas um rápido olhar na direção do balcão mostrou-lhe que a cobra estava mais preocupada em farejar o ensopado do que com Harry tirando a roupa. Lavou-se e vestiu roupas limpas.

- Acho que tem um pouco de pão em algum lugar - disse ele, vestindo a camiseta antes de ir vasculhar o armário. - Ah. - Tirou para fora o pão e a manteiga e colocou ambos sobre a mesa. Então verificou o ensopado, ajustando o feitiço de aquecimento e depois mexendo-o com a pesada colher de madeira.

- O cheiro está uma delícia - disse a cobra, balançando de leve a cabeça.

Harry sorriu.

- Está, não está? - Ele sempre tivera bastante apetite; trabalhar no jardim naquele verão parecia deixá-lo sempre com fome, como se seu estômago não tivesse fundo. - Acho que todo aquele treinamento em poções adiantou para alguma coisa. - Espiou dentro da panela. - É pouco. Acho que vou ter de pôr mais água.

- Você cozinha mesmo? - perguntou a cobra, com curiosidade.

- Claro - respondeu Harry com naturalidade, mergulhando a concha no balde d'água junto à pia e acrescentando um pouco à panela. - Minha tia e meu tio me treinaram um pouco quando eu era criança. - Fez uma careta. - Quando ainda confiavam em mim a ponto de me deixar fazer a comida. - Outra mexida e Harry achou que bastava. - De qualquer forma, Hagrid... normalmente ele é o guarda-caça aqui... deixou comida bastante para um exército, então não creio que nenhum de nós vá ficar com fome.

- Você nunca come no castelo?

- Ahn, não - Harry respondeu depressa. A cabecinha negra balançou, como que assentindo.

- Não vai ao castelo só porque ele está lá?

Harry sentiu um calor súbito.

- Escute, é melhor não discutirmos minha vida amorosa. - Considerando-se que a última pessoa com quem fizera sexo nem mesmo era uma pessoa.

- Talvez ele goste, se você for - disse a cobra, enquanto Harry colocava a sopa em uma gamela de madeira com a concha e pescava alguns pedaços de frango para o convidado.

- Ele jamais gostou, antes. Ele não gosta de nada em mim. - Harry olhou para o teto. - Exatamente o que preciso: uma serpente casamenteira.

A cobra deu uma mordida delicada, a língua vibrando em óbvio prazer.

- Você não parece estar se virando muito bem sozinho.

Partindo um pedaço de pão, Harry o mergulhou no caldo.

- Eu me viro muito bem. - Balançou a fatia de pão para a cobra. - Só por que estou só não quer dizer que me sinta solitário.

Perfeito. Conseguira soar adulto.

Os intensos olhos negros percorreram-lhe o rosto.

- Por isso a noite passada.

Harry se reclinou na cadeira abruptamente.

- Eu lhe disse que me sentia estranho a respeito disso. - Mergulhou outro pedaço de pão no caldo. - Não estou negando que tenha necessidades. Todo mundo tem. Aparentemente até as cobras.

- Necessidades são uma coisa - disse a cobra, passando a língua sobre um pouco de líqüido no dedo de Harry. - Acasalamento é outra. Você gosta desse homem. Por que não conta a ele?

Harry ficou imóvel.

- Não é tão simples - declarou. Viu que cobra ia protestar e continuou. - Nós temos sete anos de história... nenhum deles favorável em termos de relacionamento. Não posso simplesmente chegar lá e dizer "oi, eu fiquei aqui este verão por que acho você atraente". Primeiro porque ele nunca vai me acreditar, e segundo porque, mesmo que acredite, ele nunca irá demonstrar o menor interesse... - Para seu horror, sua voz falhou, e ele se levantou de repente, agarrando o prato e o lavando na pia.

- Não podemos deixar isso de lado? - perguntou Harry, voltando para a mesa. Sentiu algo deslizar, subindo por seu pé descalço e perna nua. A cobra se instalou confortavelmente ao redor de seus ombros.

- Claro, Harry.

Como antes, Harry permitiu que ficasse ali por algum tempo, gostando do desafio de ver as palavras em inglês e traduzi-las para a Parselíngua. Desta vez a cobra ficou ao redor de seus ombros, a cabeça apontada para o livro, como que acompanhando a história. Mas o árduo trabalho o obrigava a começar cedo durante o verão e, quando ele tentou conter um bocejo, a cabeça comprida oscilou em sua direção.

- Acho melhor deixar você dormir, já que você não tem o bom senso de dormir quando o sol está quente - disse a cobra, com a cabeça no mesmo nível da de Harry, os olhos negros cintilando sob a luz suave da lamparina.

- Pode ficar, se quiser - disse Harry, sem saber bem como expressar o convite. "Não precisa me ajudar a me masturbar" soava ríspido demais, e "mas se surgir uma oportunidade" soava patético demais.

Então deixou o convite no ar até que a cobra falou:

- Obrigado.

A única diferença naquela noite foi que a cobra esperou até que ele tivesse se deitado na estreita cama antes de deslizar para a barriga de Harry, onde se enrolou toda e adormeceu. Harry, confortado pela presença da outra criatura, imediatamente fez o mesmo.

E conseguiu dormir durante quase toda a noite. O sol já estava surgindo quando seus olhos se abriram, sonolentos. Algo o estava acariciando intimamente. Seus olhos se escancararam, e ele estendeu a mão para pegar os óculos, que costumava deixar sobre o criado-mudo. Já estava semi-ereto quando viu o anel musculoso desaparecer dentro de seu short. Não sabia dizer se havia ficado ereto sozinho ou com uma pequena ajuda do réptil.

Harry retirou o short de cima da cobra, e a cabeça negra se ergueu, desenrolando-se um pouco antes de deslizar para baixo e se enrolar ao redor da extensão ereta de Harry. A cauda deu leves batidas em ambas as coxas, como que pedindo para que as pernas se separassem, e Harry, que já havia superado o embaraço, obedeceu.

A ágil cauda o acariciou-lhe outra vez a abertura, em rápidos movimentos. Devagar, os anéis ao redor do membro se erguiam e abaixavam, ondulando de leve, apertando-o na medida certa até que Harry projetasse os quadris para cima, gozando forte, derramando-se todo por sobre a cobra.

Como antes, a pequena língua vermelha lambeu o líquido derramado antes que a cobra voltasse sua atenção ao seu próprio corpo negro reluzente.

- Isso está ficando estranho mesmo - disse Harry com suavidade.

O corpo rígido e musculoso soltou-se do pênis já mais flácido e descansou a cabeça sobre a clavícula do jovem.

- Você não pediu para eu parar.

Se as cobras pudessem sorrir, aquela cobra estaria sorrindo. Harry sabia disso.

Ele suspirou.

- O fato de eu ter gostado me torna uma pessoa ruim?

A cobra deu de ombros erguendo um anel, e Harry viu-se sorrindo.

- O fato de que eu gosto de fazer isso me torna uma cobra ruim? - replicou.

Puxando a serpente pela parte de trás da cabeça, Harry se sentou e colocou as pernas para fora da cama, ainda nu.

- Pensei que minha vida fosse ficar normal depois que Voldemort se fosse - disse Harry, passando a mão pelos cabelos, distraído.

A cobra deslizou para o chão, olhando para Harry.

- Por que ser normal é tão importante para você?

O longo corpo negro se enrolou no topo do balcão, e a cobra arqueou o pescoço por sobre o balde d'água. Como ainda estivesse olhando para Harry, não viu que o balde estava vazio. O peso extra desequilibrou o balde, e a cobra desapareceu de repente dentro do balde agora oscilante.

- Merda!

Harry riu alto, e riu de novo quando a cabeça negra emergiu, envergonhada, na borda do balde.

- Estou com sede - resmungou, enquanto Harry tentava parar de rir. Sua varinha estava sobre o criado-mudo; depois que a cobra saiu do balde ele pronunciou o feitiço, enchendo o balde até a borda de água fresca e límpida.

- Obrigado. - A cobra se esticou toda antes de tentar beber água de novo. Depois de alguns goles deliciados, a cabeça se voltou para Harry. - Você é muito salgado.

Ainda nu, Harry se sentiu corar. Pior, estava sentindo o início de outra reação instintiva e decidiu que era melhor se lavar antes que tudo ficasse ainda mais estranho. Deixou a cobra enrolada sobre a lareira, lembrando em voz alta, sonolento, que tinha de plantar as sementes dos trevos de cinco folhas de Snape.

- Esta noite - assentiu a cobra, antes de descansar a cabeça sobre os anéis.

Harry trabalhou duro naquele dia, concentrando-se no árduo labor em vez de em coisas sobre as quais preferia não pensar. Ao contrário do dia anterior, Snape não estava no topo da lista. Fazer sexo com um réptil ocupava esse lugar.

Estava tão cansado quando voltou à cabana que pensou em ignorar as sementes de trevos de cinco folhas. Mas pensar no rosto do mestre de Poções se enchendo de raiva foi o bastante para motivá-lo. Não viu a pilha negra de anéis sobre as escadas que levavam à cabana, por isso não ficou surpreso de ver a forma familiar em sua cama.

- Fique à vontade - observou, secamente. Ambas as extremidades, cabeça e cauda, se ergueram em saudação. - Que tal ovos para o jantar? - perguntou, animado. Com que rapidez se acostumara com o animal compartilhando a casa com ele!

- Ótimo - sibilou a voz, enquanto a cobra se desenrolava. Harry decidiu que estava imaginando o interesse nos olhos negros enquanto tirava as roupas manchadas do trabalho. Vê se cai na real, pensou Harry.

Eles comeram, leram por algum tempo até anoitecer completamente. Com um suspiro, ele fechou o livro.

- É melhor cuidar daquelas sementes - disse ele, bocejando.

- Você está cansado, Harry - disse a cobra, do braço da cadeira. - Deixe isso para amanhã de manhã. Ele nunca irá saber. - A cabeça se ergueu, seguindo-o enquanto ele se levantava.

- Ele vai saber, sim - replicou Harry, olhando para o teto.

- Quero ver como é que termina este capítulo - disse a cobra, em tom petulante.

- Não tem jeito - retrucou Harry, vestindo novamente as botas de trabalho.

- Posso ir junto, então?

Harry deu de ombros.

- Claro.

Então, com seu "carona" confortavelmente instalado ao redor dos ombros, Harry seguiu para o canteiro de ervas. Sem a lua, estava bastante escuro, mas Harry conhecia o caminho.

- Harry - disse a cobra, aproximando a cabeça do ouvido de Harry. - Posso lhe perguntar uma coisa?

O jovem mago riu.

- Desde quando você ficou tímido?

Cobras podiam sorrir? Aquela parecia expor as presas quando achava algo divertido. Por sorte, não era venenosa.

- Eu estava pensando no que você disse na outra noite, que os seus parentes não confiavam em você para fazer a comida.

(Em Parselíngua "parentes" soava meio como "companheiros de ninho", mas Harry entendeu o sentido.)

- Oh, isso - disse Harry, um tanto aliviado. Não sabia bem o que temera que a cobra fosse perguntar, mas pelo menos aquilo ele podia responder. - Não tem nada de especial nisso. Eles não eram magos, e odiavam tudo o que tivesse a ver com magia. Eles tentaram tirar a magia de minha cabeça, mas é claro que não conseguiram. - Contornou a pequena elevação que conduzia ao muro de pedra do jardim. - A tia Petúnia costumava me fazer cozinhar para eles... em geral o café da manhã, mas eu sei fazer um bom almoço, se precisar. Mas, depois de alguns anos, eles começaram a me vigiar durante o verão. Como se eu fosse fazer algo de horrível com eles.

Riu, empurrando o portão de ferro, que não era enfeitiçado, já que tudo o que ele protegia era o canteiro de ervas.

- Depois do quinto ano, acho, deixei meu livro de Poções aberto na página dos venenos. Nunca mais tive de cozinhar.

- Por que você ficou lá, então? - perguntou a cobra, enquanto Harry fechava o portão atrás deles.

- Precisava. O lugar era protegido. E pelo menos trabalhar para meus tios me dava algo para fazer, já que eles não me deixavam fazer a lição de casa. - Tirou o saquinho de pano do bolso do short. Por alguns segundos, quando o segurou, o cheiro lhe pareceu reconfortantemente familiar, como as masmorras. Como Snape. Então o ar da noite carregou consigo o aroma pungente das ervas em crescimento.

- Sabe alguma coisa sobre trevos de cinco folhas? - perguntou, mudando obviamente de assunto. Surpreendentemente, a cobra sabia, tendo, ao que afirmou, passado muito tempo rastejando pelo jardim. Em pouquíssimo tempo, eles já haviam plantado duas fileiras. Quando terminaram, Harry avaliou seu trabalho à luz da varinha.

- Nos tempos antigos, eles plantavam nus - disse a cobra, ainda em seus ombros.

- Por isso na lua nova, aposto - disse Harry, imaginando Snape ali fora, a pele pálida...

O riso sibilante da cobra interrompeu-lhe os devaneios.

- Provavelmente você tem razão - disse a cobra. Com a missão cumprida, eles voltaram à cabana de pedra e, com o peso reconfortante da cobra sobre sua barriga, ele adormeceu.

Nos dias que se seguiram, aquilo se tornou uma agradável rotina. Às vezes Harry acordava sozinho; às vezes encontrava a cobra ainda aninhada junto a si. Era bom, contudo, ter o réptil ali todas as noites, embora a intimidade incomum não tivesse se repetido. Harry não sabia ao certo se se sentia aliviado com isso ou não.

Certa noite, após o jantar, ele deixou a cobra cochilando, decidido a tratar de um assunto que vinha protelando. Banhos de esponja normalmente bastavam, sobretudo com o ótimo feitiço de limpeza que ele conhecia e o ocasional mergulho no lago. Naquela noite, contudo, ele queria algo mais.

Hagrid mantinha a grande banheira de madeira no depósito. Harry proferiu um encanto para fazê-la passar de lado pela porta. Era grande demais para caber dentro da cabana, então ele a deixou no alpendre do depósito, privado o bastante para seus propósitos.

De varinha na mão, começou a encher baldes com água do poço, levitando-os e depois os esvaziando na banheira até estar satisfeito com o nível da água. Faltava só um feitiço.

- Thermia - disse ele baixinho, e um leve vapor se ergueu da banheira. Ele deixou esfriar um pouco enquanto entrava na cabana para pegar o sabão feito em casa e uma toalha. Uma vez lá fora, tirou as roupas e deslizou para dentro da banheira.

Já ouvira falar das jacuzzis dos trouxas, mas o seu banho era melhor, pensou. Os sons suaves da noite vindos da floresta a seu redor o acalmavam. O vapor logo lhe embaçou os óculos. Ele os depositou com cuidado sobre o short e se reclinou, apoiando-se contra a parte de trás da banheira, fechando os olhos.

Em algum ponto entre o sono e a vigília, Harry sentiu algo roçar-lhe o mamilo. Aprumou-se de súbito e ouviu o som de água derramando e um sibilar gorgolejante. Uma de suas mãos tateou o fundo da banheira, agarrando a varinha.

- Lumos - disse ele, certo de que já conhecia a identidade do culpado. Uma cobra muito molhada e zangada estava deslizando pela parede da banheira perto de seus pés. Uma vez fora da água, seguiu ondulando pela borda, a cauda borrifando água de volta à banheira.

- Isso é que dá tentar ser sedutor - sibilou, com irritação.

- Era isso o que você pretendia? - perguntou Harry, ainda sorrindo. Depositou a varinha sobre a grama.

- Faz muitas noites que você não faz... aquilo - replicou a cobra. - Eu estava ficando preocupado.

Harry riu baixinho. A noite estava muito quente e ele estava relaxado demais para pensar em quão estranho era discutir seus hábitos masturbatórios com uma serpente.

- Nem tudo é sexo - observou.

A cabeça negra descansou sobre a borda espessa, perto da cabeça de Harry.

- Para as cobras, é. - Então a cabeça triangular se ergueu, como que reconsiderando. -A não ser que você leve em conta toda a luta pela sobrevivência.

Harry largou o pano molhado sobre o peito, desfrutando do calor apesar da temperatura externa.

- Está querendo dizer que eu estou mimando demais você? - Torceu o pano e o largou sobre a cabeça negra, provocando mais reclamações cuspidas. Harry escutou com atenção, ainda sorrindo tanto dos palavrões quanto das tentativas de remover o pano.

- Você tem um ótimo vocabulário para uma cobra - comentou. - Mas acho que fazer isso com um bode é impossível.

Um olho negro perolado se fixou nele.

- Aposto que uma semana atrás você teria dito o mesmo sobre uma cobra.

Quando Harry acordou na manhã seguinte, não viu a cobra em lugar algum. Apesar dos avanços da noite anterior, seu companheiro dormira enrolado a seu lado como sempre. Assim, com um balde em uma das mãos e uma lata de sanduíches na outra, Harry saiu ao calor da manhã.

E viu o professor Snape atravessar o gramado em sua direção. Por alguma razão, Harry sentiu vontade de dar o fora. Mas o professor já o avistara, então Harry ficou com os pés grudados ao chão.

- Sr. Potter - disse o homem mais velho, à guisa de saudação.

- Bom dia, professor - disse Harry. Como Snape conseguia parecer frio e composto àquela hora da manhã?

- Vim colher os trevos de cinco folhas - disse a voz melíflua, mas Harry franziu o cenho.

- Eu só plantei na semana passada. Na lua nova... como o senhor mandou. - Não via como podia ter feito algo errado. Os olhos negros pousaram sobre ele, e a boca de Snape se retorceu, com impaciência.

- As sementes foram enfeitiçadas - Snape explicou, como se Harry estivesse no primeiro ano.

- Oh - replicou Harry, sentindo-se como se estivesse no primeiro ano. - Certo. - Largou o balde e a lata, olhando com saudades para os degraus de pedra, esperando avistar a cobra, mas os degraus estavam desertos. - Por aqui, então.

Snape começou a andar a seu lado e, embora nenhum dos dois houvesse falado nada, o silêncio não era tenso. Harry nunca fora bom em conversa fiada, nem Snape parecia esperar que fosse. Agora que não era mais aluno, não precisava se desculpar ou se explicar. Agora era diferente.

Chegaram ao jardim murado, e Harry conduziu-o ao canteiro onde plantara a erva cheia de folhas. Realmente, ela crescera e desenvolvera luxuriantes ramos repletos de folhas. Snape sacou de sua varinha e uma tesourinha, encantando-a para que voasse até as plantas e as cortasse. Harry observou, admirado.

- É um lindo feitiço - declarou, com sinceridade. Então se lembrou de com quem estava falando e olhou para seu interlocutor. Mas havia um leve sorriso no rosto magro.

- Fui eu que criei. - Os olhos de Snape seguiam a tesoura, a varinha imitando-lhe os movimentos flutuantes. - Posso lhe ensinar, se quiser.

Ao som da palavra "ensinar", Harry sentiu outra vez o quanto era estranha aquela situação. Por que aquele homem sempre o fazia se sentir como se tivesse onze anos de idade?

- Seria ótimo, obrigado.

Nenhum dos dois falou de novo até que Snape deixou a tesoura vir às suas mãos e, tirando um saco de pano dobrado do bolso, se inclinou para recolher os ramos. A cobra estava certa, pensou Harry, fazia muito tempo que ele não aliviava a tensão sexual. Snape se inclinando, se agachando, os longos dedos elegantes recolhendo as plantas... cada um daqueles gestos fazia com que sua libido enlouquecesse.

Não agora, ele suplicou aos seus hormônios, sabendo que eles iriam exigir satisfação depois. Prometeu-lhes qualquer coisa se o deixassem em paz naquela hora. Quando conseguiu pensar racionalmente outra vez, percebeu que algumas coisas nunca mudavam. Como o desejo que sentia quando estava perto de Snape.

Por sorte, o homem mais velho se ergueu.

- Excelente - disse Snape, embora Harry não soubesse bem se era um cumprimento ou uma observação a respeito das sementes encantadas. Então os olhos negros se fixaram nele. - Você escolheu um excelente local. - Os olhos se desviaram do rosto de Harry e se dirigiram ao resto do jardim. - Bom solo e luz perfeita.

Aquilo soava mesmo como um elogio. Que pena, pensou Harry com amargura, que não podia aceitá-lo.

- Eu, er, tive alguma ajuda. Conselho, quero dizer - confessou, pensando na cobra em seus ombros naquela noite.

- Você foi sábio em segui-lo. - Snape ergueu o saco e depois parou, estudando Harry outra vez. Então respirou fundo, como que se preparando para alguma coisa. - Duas semanas antes do início das aulas, o Diretor vai fazer uma... reunião para saudar todos os professores.

Harry piscou os olhos, surpreso, ouvindo Snape mencionar a data.

- Você está convidado a comparecer, é claro.

Era difícil pensar em algo para dizer. E foi exatamente por isso que ele teve de dizer:

- Acho que não, mas obrigado.

Um momento de silêncio. Então:

- Hagrid sempre foi convidado e nunca deixou de comparecer.

Snape estava tentando convencê-lo?

- Estou certo de que o Diretor ficaria encantado em vê-lo, já que você não visitou o castelo durante todo o verão. A professora McGonagall estará de volta nessa data, também.

Ele estava tentando convencê-lo!

- Obrigado, mas... - iniciou Harry, sem saber como explicar quão desconfortável aquilo seria para ele. Nem conseguia mais ser coerente na presença de Snape. Só conseguia imaginar como seria embaraçosa a situação.

Os lábios elegantes se afinaram, e um brilho zangado faiscou nos olhos negros.

- Se não quer fazer isso por Dumbledore, então faça por você mesmo. Está passando tempo demais sozinho aqui. Um pouco de companhia lhe fará bem.

O queixo de Harry caiu.

- Olhe só quem está falando - disse, sem pensar.

Algo reluziu naqueles olhos que não piscavam de jeito nenhum.

- Eu sou velho... muito mais velho... E escolhi minha solidão com o conhecimento de que a minha companhia não é sempre... bem-vinda.

Harry tentou absorver aquela confissão extraordinária. Snape, contudo, não esperou a réplica, fosse ela arrasadora ou não.

- Faça como quiser, então. Já cumpri o meu dever. Seis horas, na sala dos professores, se mudar de idéia.

Harry ficou olhando para as costas que se afastavam até mesmo depois de saírem de seu campo de visão.

Não viu a cobra de novo até fazer sua pausa para o almoço e encontrá-la enrolada sobre a rocha cinzenta crestada pelo sol. A cabeça negra se arqueou em saudação.

- Fico feliz de vê-lo inteiro. - O corpo negro deslizou para fora da rocha e seguiu Harry até o local sombreado sob a árvore. - Vi você sair com ele esta manhã - explicou a cobra. - Eu não tinha certeza.

Harry desembrulhou o sanduíche e ofereceu um pedaço de carne a seu acompanhante. Embora aquele não fosse um assunto que quisesse discutir, respondeu, pensativo:

- Oh, ele nunca me machucou. Passou muito tempo me tirando de encrencas para fazer algo assim.

Acabou contando toda a conversa à cobra, inclusive a extraordinária confissão.

Terminando de comer seu pedaço de carne, a cobra pôs a longa língua para fora, em gesto crítico.

- Acho que você devia ir.

Sem saber como, Harry conseguiu dar um meio sorriso.

- Essa eu não esperava.

A cobra fez um barulho com a língua como que imitando um peido em seu estilo reptiliano.

- Discordo - teimou Harry.

- Você quer encontrar esse homem ou não? Não foi por isso que ficou aqui todo o verão?

- Eu sempre digo algo idiota, ou não digo nada. Não devia ter ficado aqui. Devia ter ido para longe, o mais longe possível.

- Obrigado - sibilou a cobra, e Harry olhou para baixo, envergonhado. - Se você gosta desse homem, precisa dizer a ele. E precisa ir ao castelo.

Harry arrancou a grama sob a árvore, distraído.

- Oh, seria uma conversa maravilhosa. - Fingiu estar segurando uma xícara de chá. - Professor Snape... eu estava pensando... Sabe os últimos sete anos que o senhor passou me odiando? Era só um disfarce porque, na verdade, o senhor queria trepar comigo? - Em seu joelho, a cobra sibilou, rindo, e Harry ficou mais animado. Era impossível não sorrir diante do riso da cobra.

- Seria um começo - aconselhou a cobra, em sibilos que soavam, de forma bastante suspeita, como soluços.

Naquela noite Harry nem sequer fingiu não estar excitado quando a cobra se enrolou ao redor de sua perna. Havia relembrado a breve conversa com o ex-professor várias vezes durante o trabalho naquele dia.

A sólida cauda da cobra rastejou por entre suas pernas, deslizando por sobre sua entrada, quase provocando-o. Harry, masturbando-se, gemeu. Sentiu uma pressão em seus testículos quando a cobra se enrolou ao redor deles, apertando-os levemente. Quando a pequena língua roçou-lhe a ponta do membro, Harry impeliu os quadris para cima, quase, quase dizendo o nome dele. Como antes, Harry sentiu a língua limpá-lo meticulosamente.

Quando terminou, a cobra se aconchegou sobre o peito de Harry, e ele lhe esfregou o topo da cabeça.

- Você pensa nele?

- Penso - confessou Harry, sabendo que não adiantava mentir.

- Boa noite, Harry - disse a voz delicada.

- Boa noite, Cobra.

Harry permaneceu acordado por mais alguns minutos, e então...

- Cobra?

- Ahn? - perguntou a voz sonolenta, e a cabeça se ergueu um pouco.

- E você, em quem é que estava pensando?

- Você - respondeu, descansando a cabeça de novo sobre o tórax de Harry.

Arrastando-se para casa dois dias antes de acabar o mês de julho, Harry preparou o seu jantar simples de sempre e, como era seu hábito, leu para a cobra por algum tempo antes de bocejar e se levantar para se espreguiçar. Então foi até o fogão e colocou um bule de água para ferver. O longo corpo musculoso de seu amigo subiu deslizando até o balcão, olhando para o bule alegremente decorado, depois para Harry.

- Chá?

Harry franziu as sobrancelhas e pegou a xícara e o pires.

- Vou tentar ficar acordado até um pouco mais tarde esta noite. - Acariciou-lhe a cabeça afetuosamente. - Você não precisa ficar, se está com sono.

- Por quê?

- À meia-noite eu lhe mostro - disse ele, tirando a água do fogo e colocando o chá lá dentro. - Se ficar acordado - acrescentou, como que desafiando o amigo.

- Vou ficar acordado.

Então eles voltaram à cadeira de couro e leram mais dois capítulos. Harry estava ficando craque em ler em Parselíngua. Um pouco antes da meia-noite, levantou-se outra vez e foi até a caixa de pão, tirando um pacote embrulhado em papel marrom. Teve de desfazer o feitiço antes de abri-lo. Dentro havia um bolinho achatado com cobertura de chocolate. Ele vasculhou a gaveta de mantimentos, retirou um toco de vela e cravou-o ao centro. Quase à meia-noite, acendeu a vela e colocou o bolinho sobre a mesa, enquanto a cobra deslizava para o seu lado, obviamente curiosa.

À meia-noite ele fez um pedido e soprou a vela.

- Feliz Aniversário, Harry - disse Harry baixinho, e sorriu para a cobra. - Você é a primeira pessoa... quero dizer... o primeiro ser vivo que comemora comigo.

- Eu me sinto honrado - disse a cobra, depois olhou para o bolinho. - Não vai comer?

- Réptil guloso - disse Harry, em tom de censura, mas tirou o papel do bolinho que comprara em Hogsmeade em seu último fim de semana como aluno. Partiu um pedaço e ofereceu-o à cobra.

- Mmm - fez a cobra, passando a língua sobre o pedaço, depois sobre o próprio embrulho, que estalava sob o peso do réptil.

No dia seguinte Harry recebeu corujas de Ron e Hermione, uma do sr. e da sra. Weasley, uma de Hagrid, e uma do Diretor. Esta última trazia um bilhete: "Espero vê-lo no dia 12."

- Você vai, não vai? - perguntou a cobra. Harry ficou olhando para o cartão de cores vivas.

- Talvez dê uma passada rápida - respondeu, com cautela, sentindo-se muito feliz com o aniversário, o primeiro que passava sozinho. Poderia ter se sentido solitário, embora, é claro, tivesse recebido convites de todos os amigos para visitá-los. Ajudou a cobra a subir em cima de seus ombros e sentou-se em sua habitual cadeira junto ao fogo. Sentiu um cutucão no braço.

- Você não comeu muito no jantar.

Harry se reclinou para trás na cadeira fofa demais.

- Mmm, talvez esteja cansado da minha própria comida. - Os ovos estavam acabando e ele estava pensando que talvez devesse ir ao mercado em Hogsmeade para reabastecer o estoque de Hagrid.

- Então vai ser bom pra você ir ao castelo daqui a alguns dias.

Harry olhou para o teto, embora, daquele ângulo, a cobra provavelmente não pudesse vê-lo.

- Não comece. Eu disse que ia pensar a respeito.

- O que há para se pensar a respeito? - Os anéis se moveram em um gesto semelhante a um dar de ombros.

Harry se levantou e foi até a estante embutida na parede. A estante era levemente torta, e os livros também ficavam inclinados. Encontrou o que procurava, um livro de culinária que era mais uma grande coleção de folhas de pergaminho presas com fios, e o retirou da estante.

- Talvez eu possa tentar algo novo - falou Harry, mudando obviamente de assunto. Ver Snape era, definitivamente, algo em que não queria pensar.

Sentiu o deslizar suave de escamas sobre o braço, depois sobre o livro de receitas, até que a cabeça musculosa lhe roçou o colo.

- Hmm, parece bom - murmurou a cobra, em um tom claramente excitado.

- Caramba, você é a cobra mais tarada que eu já conheci.

Harry esticou as pernas, dando mais espaço à cobra. Só para ficar mais confortável, disse a si próprio.

A cauda enrolou o pequeno corpo ao redor da perna de Harry.

- Você também não fica muito atrás, pelo que venho notando.

Harry tentou ignorar seu próprio corpo.

- Bem, eu tenho 17, oh, 18 anos agora. - Os lentos movimentos rítmicos em seu colo o estavam distraindo. Pelo menos ele não estava pensando em... - Droga, pare com isso.

Leves ruídos sibilantes.

- Azar seu. - A cobra se dobrou sobre seu colo, a cabeça triangular surgindo sobre a borda do livro de receitas.

- Certo - disse Harry, decidido. - Podemos tentar algo diferente. Eu poderia ligar o forno. Assar algo. - Ele suspirou. - Oh, não olhe para mim com essa cara, eu estou tentando ser adulto.

A cabeça pontiaguda se inclinou para fitá-lo, claramente irritada.

- Tudo bem. O que vai fazer para mim? Algo com ovos?

Harry sorriu.

- Na verdade o jantar é para mim.

A cobra o ignorou, balançando a cabeça, sonhadora.

- Ovos fritos são uma delícia.

Sob o pesado tomo, Harry acariciou a cabeça cor de ébano.

- Comida e sexo. É só nisso que as cobras pensam?

A pequena cabeça arqueou-se para o dedo que se movia sobre ela.

- Sono também é um dos primeiros itens da lista. - Um olho perolado fixou-se em Harry. - E você não me deixa falar sobre a única coisa que eu queria falar.

Acariciar uma cobra era algo bem relaxante.

- O quê? - Ele suspirou. - Oh, isso. Se quer mesmo saber, provavelmente eu não vou.

A cobra se eriçou toda, em seu estilo reptiliano.

- Por que não? - Tirou a cabeça de baixo do dedo de Harry que a acariciava, com irritação. - Pensei que pelo menos você fosse dizer que ia pensar a respeito, só para me manter calado.

Harry deu de ombros e fechou o livro de receitas, largando-o ao lado da cadeira.

- Não vejo sentido em fazer isso. Olhe, se eu for, vou acabar dizendo algo idiota, e a última impressão dele sobre mim vai ser a do garoto idiota que ele sempre odiou. - A cobra estava prestando a máxima atenção. - Se eu não for, pelo menos a última impressão que ele vai ter de mim será a de "Potter, Aquele Que Não Fez Nenhuma Bobagem Com o Trevo de Cinco Folhas".

Por um longo instante, a cobra o encarou, olhos nos olhos.

- Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi. - Desenrolou a cauda e subiu os anéis um pouco mais para cima na perna de Harry. - Por que tem tanta certeza de que irá dizer algo idiota? Você não parece mais idiota do que a maioria dos humanos que já conheci.

- Obrigado.

- Você conversa muito bem comigo - acrescentou a cobra.

- É diferente. Você gosta de mim. - Era verdade, pensou Harry. Pelo menos ele não achava que a cobra ficava com ele só por causa da comida. Ou do sexo.

Se uma cobra podia parecer orgulhosa, aquela parecia.

- Então é fácil. Quando estiver falando com ele, finja que sou eu. Cobra não é "snake" em inglês? Snape, snake, é quase a mesma coisa.

Harry não sabia o que dizer. Viu a cobra descer para a sua perna e roçar-lhe a braguilha outra vez.

- Podemos?

Mesmo sem dizer "sim", ele separou as pernas.

- Decida-se: quer comer ou fazer sexo? - Harry abriu o zíper do short e tirou o pênis para fora. A pequena língua também se projetou para fora.

- É mais ou menos a mesma coisa quando se é uma cobra - disse o réptil com suavidade, enrolando-se ao redor da carne rígida. - Você pensa nele quando eu faço isso?

- Penso - respondeu Harry, ofegando um pouco. - Você fica chateado com isso? - Reclinou-se na cadeira, tentando não se mexer muito para não deslocar a cobra.

- É claro que não. Conte-me no que está pensando.

Um anel circulou-lhe os testículos.

- Como em uma fantasia? - Harry tinha várias delas. Nenhuma envolvia uma cobra.

- Cobras não têm fantasias. Só me conte no que está pensando.

Harry estava completamente ereto, e sentia a cobra ondulando contra sua barriga. Gostava da sensação do anel musculoso se movendo em várias direções sobre ele.

- Bem, eu penso nele nu, é claro. Magro e... oh Deus, pálido. - Como a cobra se movia em várias direções ao mesmo tempo? - Penso em como se parece o pênis dele. - Mordeu os lábios para conter o gemido, mas, ao olhar para baixo, deixou-o escapar. - Penso no pênis dele enquanto a minha boca desliza sobre ele, penso no gosto de seu esperma. - A pequena língua passou sobre a cabeça de seu pênis, provando o líquido claro que lhe molhava a ponta.

- Fico me perguntando se ele iria me chupar - prosseguiu Harry, dando voz a fantasias em que antes só havia pensado. - Se aqueles lábios que há tanto tempo eu fico observando vão cerrar-se... oh, isso, assim mesmo... ao redor do meu pênis. - A cobra se movia mais rápido. - Não vou durar muito...

- Continue falando - disse a cobra.

- Quero que ele me possua - disse Harry, mesmo respirando com dificuldade, mas pelo menos as imagens estavam bem nítidas agora. - Quero que ele me deseje tanto que mal possa esperar, que monte em mim e me penetre. Quero que ele me fale sacanagens enquanto trepa comigo. Talvez o hálito dele cheire ao meu esperma enquanto ele fala. - Seus dedos se agarravam aos braços da cadeira, os quadris se projetando involuntariamente.

- O que ele fala, Harry? - A ponta da cabeça triangular roçou-lhe um mamilo, esfregando-o no mesmo ritmo dos anéis que o apertavam.

- Tão apertado. - Ofegou. - Tão quente. Ele diz que vai trepar comigo e que eu vou gozar tão forte que nunca mais vou querer outro homem, nunca mais vou querer outro pau que não o dele. - Seus quadris se separaram; ele estava quase chegando lá. - Ele fala "goze para eu ver, Harry".

- Goze para eu ver, Harry. - Era o que bastava para empurrá-lo precipício abaixo. Harry respirou fundo enquanto lambidas lentas o limpavam. - Você vai ao castelo?

Harry olhou para o seu colo.

- Vou pensar a respeito.

A cobra o lembrou desse momento de fraqueza em seu aniversário quase todos os dias depois daquele até o instante em que, ao entardecer do dia 12, Harry parou de trabalhar mais cedo e foi enfeitiçar a banheira.

Quando esperava no corredor do segundo andar, sentiu falta do peso reconfortante da cobra ao redor de seus ombros. Obviamente ninguém havia proferido um feitiço do silêncio, já que sons de risadas vinham lá de dentro.

Então ele entrou e foi instantaneamente saudado como se não o vissem há anos, e não apenas há poucas semanas. Harry passou os olhos rapidamente pela sala. Snape não estava em lugar algum. Seria uma daquelas ocasiões em que o mestre de Poções sentia que sua presença não era bem-vinda? Tentando conter o desapontamento, Harry disse a si mesmo que não importava. Não tinha mesmo nada a dizer a ele. Só queria vê-lo de novo.

Harry prestou homenagem ao anfitrião, conversando amigavelmente com Dumbledore, que o crivou de perguntas sobre as férias de verão e tentou fazê-lo comer.

- Você devia estar com o dobro do peso, Harry - repreendeu-o Dumbledore.

Deixou-se distrair por sua antiga Chefe de Casa, a professora McGonagall, que lhe contou que acabara de retornar da visita à sua irmã na Austrália. Estava escutando polidamente uma descrição de sua viagem quando uma estranha sensação o fez erguer os olhos: o professor Snape, elegante como sempre, estava parado junto à porta conversando com a professora Sinistra.

Os olhos de McGonagall seguiram os de Harry, e ela sorriu para o objeto de sua atenção.

- Oh, finalmente. Não vi Severus desde que voltei, e estou morrendo de curiosidade para saber sobre como está indo o projeto em que ele está trabalhando...

Harry forçou-se a desviar os olhos, ainda preocupado em tentar não atrair a atenção do antigo professor. Snape não o vira ainda; obviamente não estava olhando para ele.

- Que projeto?

A escocesa baixou a voz, em tom conspiratório.

- O professor Snape vai se registrar como animago antes do início das aulas, caso tenha obtido sucesso em sua transição.

Harry sentiu-se começar a tremer.

- Desculpe, professora - disse ele, incapaz de encará-la. Atravessou a sala lotada. Algo deve ter alertado sua presa, pois a cabeça negra se ergueu de súbito, avistando Harry e estreitando os olhos.

Harry postou-se diante do homem mais alto, zangado e ferido demais para se importar com o que fossem pensar.

- Deve ter achado muito divertido - disse ele, em voz baixa mas ríspida - fingir ser uma cobra, fingir ser meu amigo e rir o tempo todo enquanto eu... me abria com você.

A raiva aflorava, mas ele a conteve.

- Não sei se você fez isso por causa daquele estúpido rancor contra o meu pai, ou porque me odeia por princípio, mas o jogo acabou. - Elevara a voz, mas apenas as últimas palavras seriam audíveis para alguém exceto o homem atônito à sua frente. Deu meia volta.

- Harry, espere! - gritou Snape, mas Harry já se fora. Ninguém conhecia aqueles corredores melhor do que ele, e logo ele não podia mais ser visto da sala dos professores.

A traição queimava dentro dele, afastando as lágrimas que ardiam por trás de seus olhos. Não parou até chegar à estátua da bruxa corcunda. Com um simples sacudir de varinha, entrou naquele lugar onde ninguém o encontraria.

Como podia ter sido tão burro? Como podia não ter percebido? Com o cuidado que havia tido, a cobra podia muito bem ser Voldemort redivivo, e ele, solitário e desesperado, a convidaria a entrar em sua casa. E a compartilhar de sua cama. As faces de Harry arderam de vergonha. Estivera dormindo com Snape há semanas, sem saber.

Cuidado com o que deseja, pensou Harry, sentindo um riso perigosamente histérico crescendo dentro de si. Burro, burro, burro.

O que fazer? Queria voltar à cabana de Hagrid, arrumar as malas e sair de Hogwarts para sempre. Com um suspiro, percebeu que não poderia ir embora. Talvez não tivesse de encarar Snape depois daquilo. Agora que o jogo acabara, não achava que o canalha teria coragem de enfrentá-lo.

Atravessou a passagem e aparatou na vila. Como não sentisse vontade de voltar para casa, perambulou pela silenciosa vila por algum tempo, depois iniciou o caminho de volta para casa. Casa. Lar. Como fora idiota de considerar Hogwarts seu lar. Quando o verão terminasse, duvidava que fosse voltar lá. Aquela idéia fazia seu coração ficar apertado, mas sabia que era verdade. Não conseguiria enfrentar... aquela humilhação outra vez.

A cabana estava escura quando chegou. Não havia saído muito durante as longas noites de verão e não estava acostumado a deixar uma luz acesa em casa. Uma vez lá dentro, apoiou-se contra a porta. Lágrimas não derramadas queimavam em seus olhos, embora não soubesse dizer se se sentia pior por ter sido humilhado mais uma vez... por Snape, ou se por ter perdido um amigo. Virando devagar, no escuro, tateou em busca de sua varinha e acendeu uma única vela.

Uma familiar forma negra estava enrolada sobre sua cama. Por um segundo, ele sentiu um ímpeto de alívio. Quis desabafar com o amigo. Que amigo.

- Saia daqui - disse ele, a raiva amargando-lhe a boca.

A cabeça negra se ergueu, queixosa.

- Eu queria conversar.

Harry grunhiu.

- Tarde demais. - Esfregou a base do nariz, sobre a marca deixada pelos óculos. - Você já riu o bastante. - Acendeu mais algumas velas. - Você não é mais meu professor, e eu não preciso fazer o que me manda. Agora saia.

A longa forma negra se estendeu.

- Eu sei que não sou mais seu professor. Esperava que fosse seu amigo. - A cabeça triangular ergueu-se um pouco mais, projetando a língua para fora como que para sentir o clima na sala. - Pensei que pudéssemos conversar sobre alguma coisa.

A vergonha queimou no estômago de Harry.

- Oh, Deus! As coisas que eu disse a você! - Então ficou pior. - As coisas que fizemos. - Deu as costas para a cama, incapaz de suportar até o olhar perolado da cobra. Escutou um crepitar atrás de si.

- Eu gostei de ser seu amigo - disse uma voz muito humana atrás dele. Harry se voltou devagar. Snape, vestido exatamente como na festa, sentado na estreita cama de campanha, as longas pernas na borda, segurando-se no fino colchão. - Eu, ahn, gostei daquelas outras coisas que fizemos, também.

- Aposto que sim. A única coisa boa nisso é que, quando você estiver rindo disso com os seus perversos Slytherins, você também vai parecer um anormal. - De repente Harry teve a visão do rosto sarcástico de Malfoy iluminado pelo riso às custas de Harry.

- Harry. - A voz suave o fez fechar os olhos para se proteger da intensidade. - Não tenho a intenção de contar a ninguém. Eu nunca pretendi magoá-lo. - Uma pálida mão percorreu os cabelos desalinhados. - Eu só queria ver se minha transfiguração conseguiria resistir à observação de um ofidioglota. - Os olhos negros encontraram os dele. - Então você acabou me defendendo diante da cobra. Eu não sabia por quê. - Ele engoliu em seco. - Ainda não sei.

Harry cruzou os braços diante do peito, estreitando os olhos.

- Gratidão. Você salvou minha vida. Eu fiquei agradecido. Provavelmente foi isso que... levou... àquelas outras coisas, mas era só isso. Nada mais.

Olhos perspicazes estudaram-lhe o rosto, mas ele obrigou suas feições a exibirem indiferença. Tivera a vida toda para praticar.

- É só isso?

Um breve gesto de cabeça.

- É.

- E... er... aquelas outras coisas? - perguntou Snape, com uma ponta de sarcasmo.

Suas mãos penderam, e Harry fechou os olhos, apertando-os com força.

- Pelo amor de Deus! Não me diga que nunca faz isso - disse ele, sentindo o rubor subir-lhe às faces.

Um claro sorriso irônico.

- Não com uma cobra.

Era um sinal nítido de sua agitação que não se perturbava por estar falando com Snape sobre masturbação.

- Canalha - despejou Harry. Os dois se encararam com desconfiança. Então Harry viu Snape levar a mão ao bolso da calça e retirar um pequeno frasco, depositando-o sobre a cama a seu lado. Harry soube o que era imediatamente.

- Não tenho de provar nada a você - disse ele, franzindo o cenho.

- Não seja bobo - disse Snape, levantando-se da cama e, de repente, preenchendo a pequena cabana com sua presença máscula. Pegou o frasco e o entregou ao desconfiado jovem. - Para provar que não houve maldade no que eu fiz.

Harry deu um passo instintivo para trás.

- Faria mesmo isso? - Snape assentiu com a cabeça, sem dizer nada, e Harry olhou para o frasco em sua mão. - Alguma... er... restrição quanto ao que eu posso perguntar?

Os ombros magros se ergueram.

- Como eu poderia lhe impor limitações? Assim que o soro fizer efeito, eu não terei nenhum poder.

As últimas palavras fizeram Harry estremecer. Destampou o frasco e o cheirou.

- Desconfiado, não? - disse Snape, mas havia um sorriso pairando nos cantos de seus lábios. Harry não se deu ao trabalho de responder. Tirou a rolha e encheu o conta-gotas até a última gota. Se o mestre de Poções pensou que ele estava blefando, teria uma surpresa. O homem mais velho aproximou-se de Harry e, inclinando-se levemente para ele, tirou a língua para fora. Snape fechou os olhos e, quando os abriu de novo, todo o seu rosto mudara, suavizando-se.

Harry conduziu-o até o banco de madeira, onde Snape se sentou enquanto Harry pegava a cadeira maior. Sentiu uma pontada de nervosismo, mas estava quase ansioso pelo que estava para acontecer.

- Por que fingiu ser meu amigo?

As sobrancelhas negras se ergueram.

- Eu não estava fingindo. Gosto de você.

Oh.

- Por que se aproximou de mim como uma cobra? - perguntou Harry.

- Para ver se minha transformação era boa o bastante para um ofidioglota. - O Veritaserum obrigava a pessoa a dizer a verdade, mas a pessoa só respondia o que lhe era indagado.

- Foi esse o único motivo?

- Sim, é claro.

Harry sabia que teria de se expor e perguntar.

- E... er... aquelas outras coisas?

As feições severas se franziram.

- Perdão?

Harry teve a impressão de que Snape estava se divertindo com aquilo. Cerrou os dentes.

- O sexo?

Um sorriso lânguido e sarcástico se estampou no rosto de Snape.

- Não é uma pergunta.

Ele precisava saber. Tomando coragem, perguntou.

- Por que fazia sexo comigo?

Agora o sorriso não era mais tão irônico, embora continuasse lânguido.

- Porque sinto atração por você.

O coração de Harry começou a bater forte em seu peito.

- Você é gay?

Snape olhou para o céu.

- Achei que o fato de eu ficar me enrolando ao redor do seu pênis fosse uma pista forte o bastante até mesmo para você, Potter.

Harry se esforçou para se concentrar na conversa e não nas imagens que lhe brotavam na mente.

- Se você sabia como eu me sentia...

- Eu não sabia - Snape o interrompeu. - Eu não sabia mesmo. Nada. Eu sabia que os últimos anos haviam sido uma espécie de trégua. Sabia que você confiava em mim. Mas até você ficar zangado com a cobra por me insultar, eu não tinha idéia de que fosse algo além de uma simples gratidão.

Harry tentou absorver as palavras, pronunciadas suave e sinceramente naquela voz que nunca deixava de fazer suas entranhas se contraírem.

- Você... - disse Snape, cruzando as pernas e se reclinando um pouco no banco - vai continuar sendo infantil ou vai pôr fim a isso?

Curioso, Harry perguntou:

- Como?

O rosto de Snape não estava mais suave. Parecia tão amedrontador como quando Harry o vira pela primeira vez. Aquele homem não precisava de mantos para parecer imponente.

- Você pode me perdoar, para que eu possa ir embora, ou...

- Então você admite que precisa ser perdoado! - atacou Harry, e Snape baixou os olhos para seu colo.

- Admito que gostava tanto de ficar com você como amigo que não quis pôr fim à farsa. Eu acabaria confessando... um dia.

Harry sabia que precisava acreditar nele, sabendo que Snape se safara com aquele "um dia". Reclinou-se na gasta cadeira de couro.

- Então... a outra opção é não perdoar você?

- A outra opção - disse Snape, assumindo um tom de professor - é me perdoar e depois vir me beijar, porque isso era uma coisa que eu não podia fazer quando...

Harry silenciou-o do jeito mais vantajoso possível, atravessando a curta distância entre ambos, lançando-se contra o esguio corpo trajado de negro, cobrindo-lhe a boca com a sua. A boca de Snape era quente e moldou-se à sua, convidando-o decididamente a penetrar naquele confortável porto. Gemeram quase ao mesmo tempo, Harry comprimindo-se contra ele, ávido, em busca do calor que Snape parecia irradiar.

- Está perdoado - disse ele, enlaçando o pescoço de Snape com os braços, deliciando-se com a sensação suave dos cabelos do homem mais velho roçando-lhe os braços. Aspirou fundo o aroma dos fios cor de ébano.

- Você cheira a... - começou ele, distraindo-se ao beijar a pele sob a cortina de cabelos.

- Poções e coisas mortas - sussurrou-lhe ao ouvido o pragmático mestre de Poções, sem poder mentir.

- Luar. - Harry sorveu o aroma, enlevado.

Havia mãos em suas costas, firmes e sábias, puxando-o para o colo firme. Então as mãos cobriram-lhe o traseiro, puxando-o para o mais próximo possível, moldando seu corpo ao de Snape. Harry arquejou, sentindo a rígida extensão da ereção de Snape contra a sua própria. O que, é claro, fora exatamente o objetivo de tudo.

- Oh, isso é... - respirou fundo, a boca adorável acariciando-lhe o pescoço. - Bom demais. - A boca descera pela região da clavícula, enquanto dedos lhe desabotoavam a camisa. - Quando foi que você... ah... - A boca de Snape encontrara um mamilo - começou a sentir atração por mim?

A cabeça negra se ergueu de súbito, olhos turvos perscrutando-o.

- Assim que pus os olhos em você - disse ele, em voz um tanto rouca. Então ele voltou a atenção novamente à presa, distribuindo beijos por toda a extensão do tórax.

Harry absorveu a resposta.

- Pervertido!- disse ele, rindo.

Snape o encarou com ar culpado.

- Não desse jeito - começou, depois reconsiderou. - Tudo bem, desse jeito, mas eu sabia que nunca poderia ser, nunca assim.

Um dedo contornou o maxilar de Harry. Seus rostos estavam muito próximos.

- Eu nunca soube - confessou Harry -, nem nunca desconfiei. Por que você não, sei lá, não disse nada? - Seus braços ainda enlaçavam o pescoço de Snape.

- Você mesmo disse para a cobra, que bela conversa seria. - Reclinou a cabeça para trás, sacudindo o cabelo do rosto. - Olá, Potter, agora que você completou dezesseis anos, que tal trepar com o seu velho mestre de Poções? - Sacudiu a cabeça. - Não daria certo.

Harry remexeu os quadris contra os quadris mais magros de seu ex-professor.

- Alguma vez já se masturbou pensando em mim?

Um sorriso deliciado pairou sobre aqueles lábios perfeitos.

- Oh, sim. Como homem e como cobra.

De repente, as calças de Harry ficaram insuportavelmente apertadas.

- Gostaria de ver isso - gemeu.

- Bem, a parte da cobra você já viu - respondeu Snape em tom aveludado -, e há muitas coisas que eu gostaria de lhe mostrar.

Como que lendo seus pensamentos, Snape desceu as mãos até a braguilha de Harry, desabotoando-a e abrindo-lhe o zíper com uma concentração que Harry achou incrível. Quando seu pênis se alojou na mão de Snape, foi um alívio para ambos.

- Você não faz idéia a tortura que foi - Snape respirou fundo - desejar isso quando eu era cobra.

Harry sentiu como se não pudesse mais respirar.

- Vamos para a cama? - perguntou, mas Snape só pôde fazer que sim com a cabeça, ajudando-o a tirar o resto das roupas enquanto se levantava. Nu, Harry puxou Snape a reboque para a sólida cama de campanha.

- Não acredito que a minha primeira vez com você como homem vai ser na cama de Hagrid - lamuriou-se Snape, tirando a camisa pela cabeça. Harry sorriu, passando a mão pela pele cor de creme.

- Não tem jeito de eu agüentar até chegar às masmorras - falou Harry, desabotoando os teimosos botões sobre a ereção de Snape. - Além disso, você não se importou antes.

Harry puxou as calças negras até Snape ficar nu como ele. Respirou fundo.

- Não era o que eu planejava - disse o homem mais velho, puxando Harry para si em um beijo esmagador, como se quisesse marcá-lo com os lábios. Harry estremeceu, desfrutando da ávida boca.

- Quando foi a primeira vez que você ficou duro pensando em mim? - perguntou ele quando Snape interrompeu o beijo e o empurrou para a cama. Harry estendeu as mãos para que a forma esguia e elegante o cobrisse.

- Eu... - principiou Snape. Um lento sorriso triunfal se estampou nos lábios cheios. - Acho que não quero lhe contar isso. - Ajeitou as longas pernas ao lado das de Harry, um joelho arqueando-se sobre a coxa do jovem. Pela primeira vez, seus membros se encontraram quando Harry se moveu contra aquela gloriosa rigidez.

- Você foi cauteloso demais na dosagem - Snape deu um riso irônico. - Poderia ter ganhado horas de confissões chocantes.

Harry mergulhou os dedos na onda de cabelos negros.

- Eu me contento com horas de sexo chocante.

A hábil mão desceu-lhe pelo tórax, no plano macio de sua barriga, envolvendo ambas as ereções.

- Horas, é?

A mão desceu até os testículos de Harry, depois continuou até chegar atrás deles.

- Posso me contentar só com uma boa trepada, depois um tempo de descanso para me recuperar e então um longo tempo com a gente aconchegado nos braços um do outro - corrigiu Harry enquanto um dedo deslizava ainda mais para baixo. Harry arqueou-se em sua direção. - Sem dúvida, estou pronto para aquela boa trepada agora. Oh, merda! - O dedo estancou diante da súbita explosão de Harry, e a expressão de Harry se tornou sombria. - Duvido muito que Hagrid tenha alguma coisa que se pareça com um... - Estava repassando na mente todos os produtos da despensa quando Snape riu.

- Existem feitiços para isso, Harry - disse ele, inclinando-se para pegar a varinha. - Feitiços que não ensinamos aos alunos.

Ele murmurou o encanto e inseriu o dedo dentro de Harry com facilidade.

- Oh, isso é... é...

- Quando eu era cobra, queria ter penetrado em você - falou Snape, a voz enrouquecida de paixão. Os dedos ecoaram as palavras. - Feito você gozar como nunca na vida. - Um segundo dedo penetrou, distendendo-o, preenchendo-o.

- E por que não fez isso? - conseguiu dizer Harry, vendo Snape baixar a cabeça o suficiente para passar a língua sobre a ponta de seu membro ereto, removendo as gotas prematuras de esperma.

- Eu não queria chocá-lo - disse a voz aveludada.

Harry sorriu, sonhador.

- Eu estava me masturbando com uma cobra. O que mais poderia me chocar?

Passou a mão novamente pelos cabelos lustrosos.

- Se lhe serve de consolo, eu não queria... - Dedos cerraram-se sobre ele intimamente, e Harry, desfrutando da sensação por dentro e por fora, puxou o rosto de Snape para um longo beijo.

- Tudo bem - conseguiu dizer, os lábios ainda próximos.

Então a cabeça negra se ergueu, os dedos deslizaram para fora e mergulharam nos pêlos encaracolados entre as coxas de Harry.

- Diante do que eu fiz - disse Snape, e Harry surpreendeu-se ao ver uma leve cor tingindo as faces pálidas - eu não vou objetar se você quiser... se você quiser que eu...

Algo semelhante à alegria borbulhou no peito de Harry, e uma mão se ergueu para acariciar o rosto de Snape.

- Eu quero você dentro de mim - disse Harry, empurrando os quadris contra os do homem mais velho. - Desejo isso há tanto tempo!

Harry soube que se lembraria com emoção da expressão no rosto de seu amante por muito tempo.

Em vez de responder, Snape aproximou o rosto e capturou a boca de Harry com uma delicadeza refinada que excitou Harry tanto quanto o ávido desejo. Os dedos que o estavam acariciando se afastaram, e Snape usou o que restava do lubrificante mágico sobre seu próprio pênis dilatado. Harry sentiu a respiração acelerar-se ao vê-lo. Lembrou-se da fantasia que compartilhara com a cobra, em que Snape o desejava tanto que mal podia esperar.

Erguendo o corpo, Snape levantou as pernas de Harry, passando-as ao redor da cintura. Harry agarrou uma almofada bem fofa e colocou-a sob os quadris. Assim postados, eles passaram um instante mirando-se olhos nos olhos, registrando o momento. Então a rígida extensão de Snape estava em sua entrada, deslizando para dentro até que, numa estocada final, penetrou até o fundo. Suas bocas se encontraram, os quadris moveram-se juntos. Não havia muita delicadeza no ato, mas nenhum deles parecia notar. Uma mão quente cerrou-se ao redor do membro ereto de Harry, acariciando-o. Harry queria que durasse toda a noite, mas sentiu os testículos se contraírem, sentiu que ambos eram carregados para uma espiral de sensações.

Os cabelos caíram dentro dos olhos de Harry quando os dois homens tombaram juntos, pernas emaranhadas, peitos arfantes. Então Snape se apoiou nos cotovelos e olhou para o rosto de Harry, afastando com suavidade os cabelos revoltos.

- Uma boa trepada - disse Snape, como que verificando um ingrediente de poção. - Agora começa o tempo de descanso. - Franziu o cenho para seus próprios quadris e separou-se de Harry antes de mergulhar e, com uma concentração de cobra, começar a lamber o sêmen sobre a barriga de Harry.

Foi o gesto mais erótico que Harry já havia visto. Sentiu os primeiros sinais de excitação, que só se intensificaram quando Snape notou seu pênis pulsando. Olhando para cima, Snape se moveu para baixo, voltando a atenção à ereção que aumentava.

- Você devia estar descansando agora - repreendeu-o Snape, embora sem muita firmeza, entre lânguidos golpes de língua.

- Mmm - Harry ronronou -, vamos mudar os planos... uma boa trepada, uma longa chupada, depois direto para a parte em que ficamos um longo tempo aconchegados nos braços um do outro.

Acariciando lentamente a cabeça do membro de Harry com a língua, Snape parou tempo bastante para murmurar:

- Uma chupada a caminho - e abocanhou Harry até os pêlos.

O cabelos negros eram irresistíveis; tantas vezes Harry sonhara em tocá-los. Agora que era livre para satisfazer seu desejo, não via razão para não o fazer. Escutou Snape dar um murmúrio apreciativo junto a seu pênis ereto enquanto Harry assistia, enlevado, o corpo pálido, macio e aveludado estendido entre suas pernas. Exatamente como ele fantasiara todas as vezes que o observara nas aulas de Poções, Snape possuía um corpo sensual. Daquele ângulo, Harry podia ver as curvas não arredondadas demais do traseiro do amante.

Uma mão de longos dedos cobriu-lhe os testículos, massageando-os com destreza, pressionando-os na direção da base da ereção agora firme. Harry viu a elegante boca cerrar-se em torno da cabeça de seu pênis, deslizando, lambendo, descendo pelo lado de dentro. A mão ao redor dos testículos seguiu para dentro do tufo de pêlos negros enquanto Snape lambia lentamente os testículos, tomando-os em sua boca. Então a mão se insinuou na junção de suas coxas, o dedo mais longo penetrando facilmente na fenda. Os dedos de Harry cerraram-se sobre os cabelos negros, marcando o passo sutilmente, passando de "moderadamente" a "intensamente". Um grito sufocado escapou-lhe da garganta e ele se derramou naquela boca que sugava com voracidade. Quando conseguiu abrir os olhos de novo, olhos viperinos o observavam, satisfeitos, do V de suas coxas.

- Acho que agora preciso ficar aconchegado nos seus braços - disse ele, em voz saciada e feliz. Sem dizer nada, Snape se deitou a seu lado, puxando-o para junto ao forte tórax, as mãos nunca lhe deixando a pele. Então, com um grunhido, o corpo esguio se ajustou ao seu, e suspirou.

- O que foi? - Harry ergueu os olhos, curioso.

- Traseiros nus e paredes de pedra não combinam - disse o amante, com certo mau humor.

Harry riu, já prevendo a próxima noite e alisando as partes maltratadas.

- É gostoso aqui, com você aqui juntinho.

A fina sobrancelha negra se arqueou.

- Nunca que eu vou deixá-lo ficar por baixo da próxima vez.

- Próxima vez?

Dois pares de olhos se encontraram, e Snape sorriu languidamente.

- Nas masmorras. Não vou passar o resto do verão na cama de Hagrid com pedaços de pedra me cutucando em regiões sensíveis. Regiões - acrescentou - que deverão ser utilizadas em um futuro próximo.

Harry passou os braços ao redor de Snape.

- As masmorras parecem ótimas. - Ficou encantado em descobrir que seu novo amante levava aquela história de ficarem aconchegados nos braços um do outro bastante a sério: mãos nunca ociosas sobre seu peito, polegar traçando padrões sensuais ao redor do mamilo. - Ahn, Severus - principiou Harry, sonolento e saciado, mas ainda curioso.

- Hmmm? - respondeu a voz lânguida a seu lado.

- Posso lhe fazer mais uma pergunta? Mesmo que o Veritaserum já tenha perdido o efeito?

- No seu primeiro jogo de Quadribol.

Harry ergueu os olhos.

- Hein?

A cabeça negra se ergueu e o fitou.

- Foi a primeira vez que fiquei duro olhando para você. Foi assim que notei que aquele desgraçado do Quirrell o estava enfeitiçando, mesmo que isso não tenha me dado nenhum consolo, em minha mais profunda humilhação.

Harry abriu a boca, pasmo.

- Não era isso que você ia me perguntar, era?

Harry sacudiu a cabeça.

- Mas obrigado.

Snape o encarou, desconfiado, depois apoiou a cabeça no cotovelo, movendo a outra mão para a clavícula de Harry, acompanhando a carne saliente. Harry tomou o silêncio como assentimento e foi em frente.

- Por que você queria tanto que eu fosse à festa esta noite? - Harry perguntava isso porque, quando cobra, Snape mencionara isso constantemente em toda a semana anterior.

Um sorriso malicioso se estampou nas feições severas.

- Para que eu pudesse convencê-lo a descer às masmorras e seduzi-lo. - Fez uma pausa, mordendo o lábio inferior. - Depois ia confessar.

O jovem sabia que não precisava do soro da verdade para acreditar.

- Ah, entendo: primeiro cama, depois confissão?

A mão em movimento subiu-lhe ao rosto, contornando-lhe o lábio inferior.

- Eu sou de Slytherin. Achei que, mesmo que tivesse de confessar primeiro, ainda teria uma boa chance com você.

Harry esfregou os lábios nos dedos flexíveis.

- No jogo de Quadribol, né?

- Ahã - disse Snape, ainda absorto nas carícias. Apenas um dedo agora, sobre o lábio inferior de Harry, enfiando e retirando a pontinha alternadamente, com um jeito quase distraído.

Harry cerrou os dentes de leve ao redor do dedo intruso, então o envolveu com os lábios, sugando-o até a articulação. Os olhos negros se arregalaram em aprovação, enquanto ele deslizava o dedo para fora.

- Ainda vai me amar quando eu for velho e tiver 25 ou 30 anos? - perguntou Harry em tom brincalhão, mas se viu esperando ansiosamente pela resposta.

Os olhos negros brilharam acima de seu rosto.

- Vou pensar no seu caso... - disse a voz arrastada que ele amava.

As mãos de Harry envolveram a cintura nua de Snape.

- Sabe que eu amo você?

Lábios desceram até os seus, em um leve roçar.

- Você se abriu comigo, e me defendeu.

- Não se esqueça de que também o deixei trepar comigo alucinadamente - acrescentou Harry, feliz.

- Isso também - concordou Snape.

Harry suspirou em perfeito contentamento, sentindo Severus se mexer a seu lado na pequena cama. Que era espaçosa para Harry e a cobra, mas um tanto apertada para dois homens crescidos.

- Droga! - disse Snape, de repente. Harry sentiu algo se mover sobre sua pele, escutou um ruído e então sentiu a súbita perda de um corpo quente a seu lado. A cobra deslizou para cima do seu peito e enrolou os anéis ao redor de si mesma, a cabeça em cima.

Harry suspirou.

- Tudo bem - disse ele, acariciando a ponta da cabeça negra triangular. - Mas amanhã à noite eu vou querer ficar aconchegado nos seus braços por um tempo extra.

- Boa noite, Harry - sibilou a cobra suavemente.

- Boa noite, Snape.

 

Fim

Nota da Tradutora: Lembrem-se que "cobra" em inglês não é masculino nem feminino, é neutro. A autora faz também, o tempo todo, o jogo com as palavras "snake" ("cobra", em inglês) e "Snape" - jogo este intraduzível para a nossa língua.

 

O original desta história, em inglês, Parseltongue-tied, pode ser lido aqui.