Pufapódio*

 

Harry acordou se sentindo tonto e fraco. Estava deitado numa cama, lençóis brancos engomadinhos envolvendo-o. Havia muitas camas iguais a seu redor, e Madame Pomfrey andava de uma em uma, verificando os pacientes. Ela ficou radiante ao vê-lo acordado.

- Como está se sentindo?

- Bem.

- Oh, Harry, você matou Voldemort. Graças a você, esse pesadelo todo acabou.

Harry se sentiu aliviado, mas ainda estava um tanto confuso.

- Por que estou aqui?

- O Avada Kedavra que você lançou o deixou desacordado. O professor Snape o salvou. Se não fosse por ele, os Comensais da Morte o teriam estraçalhado. - Madame Pomfrey apontou discretamente para Snape, que mexia um caldeirão em uma sala adjacente, separada da enfermaria apenas por um arco gótico.

Madame Pomfrey explicou que Snape estava preparando poções ali porque as masmorras haviam sido parcialmente destruídas. A enfermaria tivera de ser mudada para o térreo, no que sobrara do Grande Salão.

Harry a bombardeou com perguntas: Ron estava bem? Hermione? Ginny? De seus amigos mais próximos, todos exceto Hagrid haviam sobrevivido.

Depois que Pomfrey se afastou para atender a outros pacientes, Harry tentou absorver as notícias. A guerra terminara. Hagrid morrera. Snape o salvara.

Harry estava perto o bastante para ver Snape com clareza. Agora Snape estava cortando ingredientes em movimentos hábeis, metódicos. Ao ver Harry observando-o, Snape saudou-o com um leve gesto de cabeça. Harry ficou olhando para ele, dividido entre emoções diferentes: o antigo ódio pelo Comensal da Morte que causara a morte de seus pais, a gratidão pelo bruxo que salvara sua vida mais de uma vez e a admiração relutante pelo espião que tornara a vitória da Ordem possível.

Algo mudara em Harry. Talvez fosse o fato de ter lançado um Imperdoável e matado um homem. Um homem louco, é verdade, mas um homem, ainda assim. Aquilo não era um detalhe menor. Depois que se mata um homem, as noções simplistas de "bom" e "mau" deixam de ser suficientes para definir o mundo.

No dia seguinte, Harry se sentiu bem. Levantou e andou até Snape, que estava mexendo o caldeirão.

Os olhos de Snape encontraram os de Harry.

- Potter. Fico feliz em vê-lo em pé novamente.

- Posso... ajudar você?

Snape o observou atentamente, como se estivesse avaliando-o. Então estendeu sua faca a Harry.

- Pique em pedaços bem pequenos.

Enquanto Harry picava as lesmas, Snape ralava uma raiz de gengibre.

Ao anoitecer, Madam Pomfrey teve de mandar Harry para a cama. Mas no dia seguinte, mesmo antes do café da manhã, Harry estava de volta à mesa de trabalho em poções.

Snape e Harry trabalharam juntos durante vários dias, quase sempre em silêncio, mas em perfeito entendimento.

Numa tarde quente - o verão se aproximava - Snape arregaçou as mangas ao mexer o caldeirão, e Harry notou traços escarlates em seu braço esquerdo. Espiou mais de perto e viu que, no lugar da Marca Negra, havia uma Fênix, as resplandecentes asas escarlates estendidas e a longa cauda dourada brilhando sob a pálida luz.

- Isso é uma tatuagem? - perguntou Harry.

Snape fitou-o gravemente.

- Não. Quando você matou Voldemort, a Marca Negra desapareceu, e a Fênix surgiu em seu lugar.

Fascinado, Harry tocou no braço de Snape e acariciou suavemente as plumas da fênix. Sentiu a respiração de Snape estancar, e ergueu os olhos para ele. Havia um fogo dentro dos olhos negros que incendiou a alma de Harry.

Alguns dias depois, aconteceu o inevitável: Madame Pomfrey disse a Harry que ele já estava bom e que devia se mudar para a Torre de Ravenclaw - a única torre que restara no castelo, e onde alguns poucos ex-alunos estavam vivendo.

Harry contou a Snape as novidades.

- Então suponho que não vá vê-lo mais - disse Snape.

- Escute... Será que não podíamos dar uma volta lá fora? Só por alguns minutos?

Severus olhou ao redor, depois novamente para Harry.

- Vamos até as estufas. Eu precisava mesmo ir buscar algumas ervas lá.

Os dois andaram lado a lado pelos corredores em ruínas, saíram pela porta principal, desceram as escadarias e seguiram caminhando pelos gramados que conduziam às estufas.

Dentro da estufa 2, eles foram cercados por ramos de Flitterblooms. As plantas precisavam urgentemente de poda e as ervas daninhas tinham de ser arrancadas, mas ninguém tinha tempo para isso: havia feridos a cuidar, mortos a enterrar, prédios a reconstruir. Severus afastou as trepadeiras com os braços e parou diante do canteiro de asfódelos. Com um ar inquisitivo, Snape esperou que Harry se manifestasse.

- Eu só queria perguntar se... se posso continuar a trabalhar com você - disse Harry, sentindo-se tolo e desajeitado.

- Você quer? - perguntou Severus, parecendo hesitante.

- Muito - respondeu Harry, tão solenemente como se estivessem falando de outra coisa, de algo secreto e importante que eles não podiam nomear.

- Quer continuar como meu assistente durante o resto do verão?

Havia um brilho ofuscante dentro dos olhos de Severus.

- Não há nada de que eu gostaria mais - respondeu Harry, olhando para os lábios de Severus e pensando que, na verdade, o que mais gostaria era de sentir aqueles lábios sobre os seus.

Severus estreitou os olhos para ele, e ele entendeu que estava perdido. Ele se esquecera de que Severus era um poderoso legilimente.

Severus tomou o rosto de Harry entre as mãos e, lentamente, inclinou-se para ele. Harry abraçou-lhe a cintura. A língua de Severus traçou de leve o contorno da boca de Harry, pressionando-lhe os lábios e, enfim, penetrando por entre eles. Seus corpos comprimiram-se um contra o outro, suas línguas se entrelaçaram. Harry se sentiu completamente perdido em Severus.

O beijo terminou em um suave roçar de lábios, e seus olhos se encontraram. De repente, uma vagem cor-de-rosa se abriu junto a eles e os feijões caíram sobre a terra, explodindo em um ramo de flores. A princípio, os dois se surpreenderam. Então Harry riu. Severus colheu uma das flores e enfiou na casa de um dos botões das vestes de Harry. Harry fez o mesmo com Severus.

Quando Severus terminou de colher as plantas de que precisava, eles voltaram ao castelo, de mãos dadas.

 


~Finis~

Nota: *"Puffapod" é uma planta mencionada no capítulo 8 do livro "Prisioneiro de Azkaban". A palavra não foi traduzida pela tradutora brasileira nem pela portuguesa, que preferiram eliminá-la. Optei por traduzi-la como "pufapódio".

 

Fanfiction (Índice)
HOME

Reviews


Ptyx, Outubro - Novembro/ 2006 - Acrescentada ao site em Junho/ 2007